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maes-de-maioBrasil - Caros Amigos - Nessa segunda entrevista, leia a primeira aqui, da série sobre a onda atual de ataques nas periferias e região metropolitana de São Paulo, Danilo Dara, do grupo Mães de Maio, dá sua visão sobre a violência.


Caros Amigos - Como você vê e entende esse fenômeno de violência em São Paulo? O que acha que está por trás disso?

Danilo Dara - É importante frisar que estes últimos dois meses de intensificação da violência urbana, notadamente a violência policial em São Paulo (junho e julho de 2012), não representam uma "exceção" ou uma simples "crise". Ao contrário, trata-se de algo estrutural: uma confluência de políticas e práticas de intensificação de um Estado Penal, marcado pela crescente militarização de todas esferas da vida social; operações policiais violentas constantes (especialmente aquelas relacionadas aos interesses do capital imobiliário); encarceramento em massa (atualmente são mais de 500.00 pessoas presas no Brasil, segundo o DEPEN, sendo mais de 180.000 só no estado de São Paulo); uma verdadeira epidemia de homicídios (são cerca de 48.000 pessoas assassinadas por ano no Brasil, segundo a ONU; mais de 1 milhão de pessoas mortas nos últimos 30 anos, conforme o Mapa da Violência 2011); e as execuções sumárias extra-judiciais praticadas por policiais assassinos são a última parada desse trem do horror.

Feito este preâmbulo mais geral, o meu entendimento sobre a situação recente no estado de São Paulo tem bastante a ver com isso, destacando-se algumas particularidades. As últimas gestões estaduais por aqui apostaram numa política de segurança pública baseada no encarceramento massivo da juventude (pobre e negra) paulista, casado à terceirização na base do terror desta grande massa aprisionada. Isso foi combinado à difusão publicitária da "redução das taxas de homicídio" no estado, que junto a outras políticas de policiamento supostamente cidadão e até comunitário (como os multiplicados Consegs), pintavam um quadro de "pacificação" à moda paulista, à moda tucana. Ocorre que, de tempos em tempos, quando há desacertos em meio a estas diversas forças atreladas por este "equilíbrio precário", vêm à tona de forma concentrada o terror em cima do qual este sistema, este modelo está construído. A "pacificação" à moda paulista, à moda tucana, tentava esconder na base de estatísticas falsificadas e muita publicidade, um sistema de terror intensificado dentro das prisões, nos laços de corrupção e achaque policial, e fora do sistema carcerário e criminal nos becos e vielas periféricos, aonde os toques de recolher são a regra e não a exceção.

Então esses momentos recentes, como foram os Crimes de Maio de 2006; os Crimes de Abril de 2010 na Baixada Santista, e agora os crimes de junho e julho de 2012, em todo estado, tem sido ocasiões reveladoras de uma dinâmica estrutural e cotidiana que tem a violência do estado como seu principal elo. A violência sistemática deste estado penal e seus agentes perpassa o terror disseminado em praticamente todas esferas da vida, sobretudo da população pobre e negra.

CA - Você acha que é possível fazer uma relação entre o que está ocorrendo hoje e o que ocorreu em maio de 2006?

DD - Com certeza há muitas semelhanças entre esses crimes de 2012 e todo o contexto de maio de 2006. Ambas ocasiões foram anos eleitorais; com crescente medidas de opressão e tensão dentro do sistema carcerário paulista, já extremamente expandido; tensão somada ao aperto e desacertos de fortes achaques policiais; levando à quebra desse "equilíbrio precário" por parte de organizações criminosas de "fora" e as organizações de "dentro" do Estado, muitas vezes atreladas entre si; mortes de policiais sendo revidadas por outros agentes do estado, na mesma base de 1 policial para cada 10 civis mortos... A maioria da população, pobre, negra, trabalhadores e estudantes moradores de periferia, pagando o preço altíssimo dos toques de recolher constantes, do pânico cotidiano, dos esculachos violentos, das prisões e chacinas. "Famílias destruídas, fins-de-semana trágicos...".

Em maio de 2006 houve uma concentração muito grande de mortes entre os dias 12 e 20 daquele mês, gerando mais de 500 mortes, sobretudo de jovens pobres e negros. Agora em junho e julho de 2012 temos recebido informações de cerca de 200 mortes, num período por outro lado mais estendido, o que prolonga também a sensação de pânico e terror vividas comunidades "alvos preferenciais". Parodiando o linguajar corriqueiro da polícia: as comunidades de "cor padrão" repletas de "elementos suspeitos". Apenas na periferia de Osasco foram cerca de 15 mortos nesse período, ao que tudo indica pelo grupo de extermínio auto-proclamado "comboio da morte"; na região do Capão Redondo e Jardim Ângela foram mais de 40 mortes nesse período; no extremo leste da Grande São Paulo, ao que tudo indica aonde o bicho começou a pegar mais forte – após a chacina de 6 pessoas promovida pela Rota, foram dezenas de mortes também se espraiando para Poá, Ferraz de Vasconcellos e Itaquaquecetuba. Ao longo de junho de 2012, a Secretaria de Segurança Pública acaba de confirmar, foram pelo menos 434 pessoas mortas no estado, o que significa uma média de 14 mortes por dia.

CA - O número de homicídios praticados pela Rota vem aumentando, e seu comandante Salvador Modesto Madia, em recente declaração à Folha de S. Paulo afirmou que não se importa com o número de mortes, mas sim com a legalidade delas. O que acha disso?

DD - O número de mortes cometidas pela Rota vem subindo ano após ano desde 2007. Esses são dados oficiais, assumidos pelo próprio agrupamento – não raro com orgulho por seus integrantes. A nomeação de um assassino, participante ativo do Massacre do Carandiru (que este ano completa 20 anos de impunidade), mais do que explicar o persistente aumento da letalidade, revela o quanto os altos comandos do Estado de São Paulo têm não apenas aceitado, mas legitimado e incentivado mais violência por parte de seus comandados. É um claro aval.

Quando este mesmo sujeito, Salvador Modesto Madia, diz que "não está preocupado com a quantidade das mortes, mas com a legalidade delas", ele está reproduzindo a mesma ideia manifesta recentemente pelo então Comandante Geral da polícia, coronel Hudson Camilli, alegando que a o assassinato do publicitário Ricardo Aquino foi "tecnicamente correta". É a mesmíssima idéia também disseminada pelo Sr. Geraldo Alckmin quando, em meio a uma escalada da tensão e da violência, diz que "os bandidos que enfrentarem a polícia vão levar a pior". É o mesmo que dizer: atirem! "Que chore a mãe dos bandidos", é o quê eles dizem.

CA - Qual é tipo de impacto que as declarações do governador fez "bandido tem duas opções: ou é prisão ou é caixão" e, recentemente, afirmou que quem atacar a polícia "vai se dar mal" e que "não recua um milímetro" causam na Polícia Paulista?

DD - Como disse na resposta anterior, essas declarações são um claro aval, e até incentivo/apologia à violência. Como pudemos verificar à exaustão, com dezenas de provas documentais, no facebook do Coronel Telhada, ex-chefe da Rota e atual candidato do PSDB a vereador de SP, por ocasião das ameaças e intimidações ao jornalista André Caramante – a quem somos totalmente solidários.

CA - Você acha que existe alguma relação entre os assassinatos que estão ocorrendo e a proximidade das eleições?

DD - Sinceramente, não acho que tenha uma relação direta, simples e linear com as eleições. O que tenho certeza é que, no Brasil, as Eleições deveriam na verdade se chamar Negociações, ou melhor: Negociatas. São períodos que rolam muita grana, muitos acertos e subornos, vindos e perpassando todas as esferas do Estado, o verdadeiro Crime Organizado. De modo que, em meio a esses acertos que envolvem muita grana, e a tentativa de compra dos mais diversos grupos, das mais diversas formas, quando vêm os desacertos eles geralmente são à altura dos valores envolvidos: violentíssimos. Nesse sentido, sim tem alguma relação.

CA - Uma das justificativas que a Secretaria de Segurança Pública tem dado aos assassinatos é que eles são brigas de gangues. Você acha que essa versão é plausível?

DD - Essa versão da "briga entre gangues", de "disputa de pontos do tráfico" etc etc já caiu por terra há algum tempo nessa última onda de violência policial. A repercussão negativíssima e os próprios dados e estatísticas oficiais da Secretaria de Segurança Pública confirmam uma "escalada da violência" em todos os indicadores, especialmente da violência e letalidade policial.

CA - Você vê alguma mudança no quadro da segurança pública com a transferência da investigação dos casos de violência policial para o DHPP, da Polícia Civil?

DD - Não vejo nenhuma mudança significativa. Tem sido apenas mais uma cortina de fumaça, por exemplo, para encobrir os casos de execuções extra-judiciais travestidas de "resistência seguida de morte", que seguem se proliferando mesmo depois de suas investigações terem sido redirecionadas para o DHPP a partir de determinação do governador, frente à outra "crise" na segurança ano passado. Mudança no quadro nós teremos quando conseguirmos abolir as RSM e, quem sabe, dar passos efetivos no sentido da desmilitarização e da extinção da Polícia Militar, como recomendaram ao Brasil diversos países e a própria ONU no mês passado. Da mesma forma, quando instaurarmos uma Comissão da Verdade e da Justiça, e outra Comissão de Anistia para as vítimas, mortos, desaparecidos, torturados, presos e perseguidos políticos da democracia. Em suma, quando a vida do jovem pobre e negro começara ser realmente equiparada e priorizada.

CA - Poderia comentar o recente assassinato do publicitário pela PM? O que teria levado a PM a matar uma pessoa de classe média? E como vê a diferença de tratamento dado pelo governo do Estado (comando da PM e governador) quando a vítima é de classe média e da periferia?

DD - A morte do publicitário Ricardo Aquino na região do Alto de Pinheiros foi um terrível episódio, revelador do grau de violência, tensão e até despreparo por parte dos cerca de 100.000 policiais militares que estão aí nas ruas, armados até os dentes, reprimindo a população. Porém a sequência de sua morte revelou ainda mais, sobre o caráter deliberado de se tratar a morte de jovens pobres e negros como natural (ou até mesmo bem-vinda), em comparação ao sacrilégio da violência contra os filhos da elite. Ora, na mesma noite que Ricardo foi assassinado por policiais no Alto de Pinheiros, 6 jovens foram perseguidos e alvejados com mais de 25 tiros na região do Morro do São Bento, na Baixada Santista. 1 jovem morto; 2 outros gravemente feridos até hoje. Nenhum pedido de perdão; muito pouca comoção; nenhum gesto no sentido de qualquer reparação. Pior: a aceitação tácita de que a morte do publicitário teria sido, obviamente, um absurdo; enquanto o massacre do carro com 6 jovens (favelados) algo normal, corriqueiro, quem sabe até mesmo correto e desejável. E assim explicitado, até. Da mesma sintomática maneira que o silêncio secular sobre as centenas de outras mortes e chacinas cotidianas pelas periferias afora nos revela. Este longo silêncio histórico que as Mães de Maio têm procurado romper radicalmente, pela raiz, do Luto à Luta. E essa a importância ainda maior das Mães de Maio, das Redes Contra Violência no RJ, da Campanha Reaja na BA: são as mães, familiares e amigos por nós mesmos, nós por nós. Se tivermos alguma esperança de reverter esse quadro, ela certamente passa pela legitimidade, autonomia e força dessa história.


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