O fato de disputar as eleições com duas mulheres que estão no favoritismo das pesquisas não faz muita diferença para a candidata à presidência da república Luciana Genro, do PSOL. Para ela, não basta ser mulher: é preciso estar do lado certo. "A Dilma e a Marina, em vários casos que dizem respeito aos interesses das mulheres, estão do lado errado", argumenta.
No final de 2003, Luciana foi expulsa do PT junto com mais dois parlamentares: o deputado João Batista, o Babá, e a senadora Heloísa Helena. Ambos foram excluídos do partido por serem "radicais ao não optar por uma construção diferente", nas palavras do líder do governo petista na época, Aloísio Mercadante.
Luciana, no entanto, explica o que motivou sua exclusão do partido. Segundo ela, quem optou por uma construção diferente do que tinha defendido ao longo de sua história foi o próprio PT, quando chegou ao poder.
Leia mais: Luciana Genro e a trajetória das esquerdas petistas
"Eles (petistas) entenderam que radicalismo foi o fato de nós não aceitarmos mudar de lado quando chegamos ao poder. Nós nos mantemos fieis às bandeiras que o PT sempre tinha defendido quando era oposição, e é por isso que nós não aceitamos nos dobrar a essas imposições", defende.
Brasil de Fato – Como é disputar as eleições com duas mulheres que estão no favoritismo das pesquisas?
Luciana Genro – O fato de disputar contra duas mulheres, para mim, não faz muita diferença, porque não basta ser mulher: é preciso estar do lado certo. A Dilma e a Marina, em vários casos que dizem respeito aos interesses das mulheres, estão do lado errado. Inclusive, a Dilma, que é presidenta há quatro anos, não avançou em uma das promessas mais importantes que ela fez para as mulheres na campanha de 2010, que foi a construção de 70 mil creches. Ela realizou menos de 10% dessa promessa. A educação infantil é um elemento fundamental para o desenvolvimento das crianças e das mulheres. Ter com quem deixar com segurança seus filhos é um fator fundamental para garantir que a mulher possa continuar estudando, trabalhando e tendo atividade política. Isso demonstra claramente que o fato de ser mulher não assegura que os direitos das mulheres estejam sendo definitivamente contemplados com essas candidaturas.
Como tem sido o debate sobre a representatividade negra dentro do PSOL, já que a gente pode verificar que os quadros do partido não refletem muito a diversidade da população brasileira?
Nós temos vários candidatos negros e negras. Temos uma plataforma de direitos para a população negra e de combate ao racismo que faz parte do nosso programa de governo. Temos uma setorial de negros e negras do PSOL que se organizam não só na hora da eleição, mas são permanentemente organizados dentro do partido, debatendo e apresentando propostas. Eu acredito que o partido tem um compromisso muito claro com combate ao racismo e com as políticas para compensar esses anos todos de discriminação e opressão que os negros e negras vivem no Brasil.
Na prática, a chamada 'guerra às drogas' nada mais é do que uma guerra contra uma população negra, jovem e periférica que está mais vulnerável à esse tipo de situação. Como a senhora enfrentaria esse tipo de problema?
Essa é uma das propostas do nosso programa de governo que dialoga diretamente com o problema do racismo. Nós defendemos que a política de segurança pública não pode ser ancorada nessa chamada guerra às drogas, que se transformou na prática numa guerra aos pobres e negros das periferias.
Então, em primeiro lugar, é preciso mudar a política de segurança pública, democratizando a estrutura policial, desmilitarizando, formando policiais com intuito de garantia de direitos e respeito aos direitos humanos. E não essa política de entrar nas favelas promovendo execuções sumárias como nós vimos o caso da Cláudia, torturas como nós vimos o caso do Amarildo, que levou a morte e ao desaparecimento dele e tantos outros anônimos que têm sido vítimas dessa famigerada guerra às drogas, que não acabou com o narcotráfico e nem conseguiu diminuir o uso abusivo de drogas.
Isso não sou eu quem diz. São prêmios nobeis de economia. O próprio Fernando Henrique Cardoso e outros ex-presidentes, como o do México, Vicente Fox. E como um passo adiante no fim dessa política de guerra aos pobres, nós propomos a descriminalização e regulamentação do uso da maconha, que é uma droga de menor potencial danoso e que deve ser tratada, na nossa opinião e na opinião de muitos especialistas, nos mesmos patamares que o álcool e o cigarro. Portanto, não se trata de se fazer apologia ao uso da maconha, mas sim de descriminalizá-la para tirar o usuário da maconha das garras do narcotráfico e possibilitar a ele acesso à melhores informações a respeito da possibilidade de se fazer o uso recreativo da maconha e também da possibilidade disso se transformar numa dependência que causa danos à saúde. Tem que haver um maior controle do Estado em relação aos usuários até para oferecer tratamentos que forem necessários.
A senhora falou sobre a desmilitarização. Como seria então um outro modelo de segurança pública no governo da senhora?
Nós precisamos desvincular a polícia das forças armadas e fazer com que ela tenha um outro tipo de treinamento. Não o treinamento para a guerra como ocorre hoje, mas sim um treinamento para a proteção dos direitos e garantia dos direitos humanos. Precisamos também de uma polícia de ciclo completo e com uma porta de entrada única. Não é possível que um oficial nunca tenha sido soldado, como ocorre hoje, já que são duas portas de entradas diferentes, o que torna a polícia disfuncional. Além disso, é preciso pagar melhores salários para também garantir melhores condições de trabalho para os policiais. Uma outra política de segurança que não seja a política de violência permanente contra os direitos humanos, contra as mobilizações e contra os pobres.
A senhora foi expulsa do PT em 2003. O PT decidiu expulsar as pessoas que ele chamou de "radicais que optaram por uma construção diferente". Queria que a senhora explicasse o que seria essa "construção diferente" que foi chamada de "radicalismo" pelo PT na época.
Na verdade, quem optou por uma construção diferente do que tinha defendido ao longo de sua história foi o PT quando chegou ao poder. Nosso primeiro enfretamento com o governo do PT foi justamente quando ele decidiu apoiar o Sarney para ser presidente do senado. Junto com isso, colocou o Henrique Meireles, vindo do Bank Boston e deputado eleito pelo PSDB na chefia do Banco Central, garantindo a continuidade da política econômica do Fernando Henrique. E pra culminar, queríamos que nós votássemos a favor da reforma da previdência que estendeu aos servidores públicos as maldades que o Fernando Henrique já tinha feito com os trabalhadores e aposentados da iniciativa privada e que o PT havia sido contra quando era oposição.
Então eles entenderam que radicalismo foi o fato de nós não aceitarmos mudar de lado quando chegamos ao poder. Somos fiéis às bandeiras que o PT sempre defendeu quando era oposição, e é por isso que nós não aceitamos nos dobrar à essas imposições. Nós acabamos sendo expulsos e construímos o PSOL para continuar a construir uma esquerda coerente, que não aceita se dobrar aos interesses do capital, dos bancos e das oligarquias políticas.
Como a senhora avalia o pós-junho 2013? A senhora acha que o governo incorporou as demandas da rua?
As demandas de junho continuam pendentes. Tivemos algumas vitórias. O preço da passagem de ônibus caiu, conseguimos aprovar o fim do voto secreto para a cassação de deputados na Câmara Federal, que estava engavetada há muitos anos. Mas isso foi muito pouco em relação ao tamanho da mobilização e a quantidade de demandas. Então eu vejo que nós entramos numa outra fase: a de organizar a indignação. Porque junho foi muito espontâneo e sem nenhum controle de partidos, movimentos ou entidades. Isso foi muito positivo, porque foi como uma panela de pressão que se destampou.
Leia também: "Candidatura é contraponto à onda reacionária"
Os movimentos sociais estavam muito contidos pela cooptação feita pelo PT. E junho destravou esse processo. Agora a gente entra numa nova etapa de construção de novas lideranças que possam dar continuidade a esse processo organizando de forma mais clara o programa para avançar mais ainda a conquista de direitos. E a minha tarefa como candidata do PSOL à presidência é ajudar a dar voz a essas demandas de junho e seguir insistindo para que elas tenham visibilidade e tenham cada vez mais força para poder conquistar.
Um dos resultados da Jornada de Junho foi a proposta do plebiscito pela reforma do sistema político, que foi sugerido pela Dilma. Essa proposta foi encampada por mais de 400 organizações sociais e partidos políticos, inclusive o PSOL. Por que o Brasil precisa de uma reforma política?
Na verdade, a Dilma usou essa ideia da constituinte como um subterfúgio naquele momento em que o povo estava nas ruas questionando o seu próprio governo. Ela não foi consequente na defesa dessa proposta, tanto é que ela abandonou logo depois que as mobilizações terminaram.
Então, os movimentos sociais tomaram essa bandeira como sua. Nós apoiamos essa ideia e achamos que fazer uma reforma política é fundamental, porque as instituições, tais quais como estão organizadas, não conseguem mais representar os interesses da população. Estão capturadas principalmente pelo poder econômico, que é quem financia as campanhas eleitorais de Aécio, Dilma e Marina.
Então, terminar com essa relação promíscua entre a iniciativa privada e os partidos é fundamental para que as eleições tenham um resultado mais próximo da vontade popular.
Nas eleições de 2010, a senhora deixou claro que apoiaria a candidatura da Marina Silva para a presidência com argumento de que "não teria outra alternativa se não quisesse cair no isolamento e perder grande quantidade do capital político que foi acumulado nos últimos anos". Que posição a senhora adotaria numa possível repetição daquele pleito, hoje?
Esta manifestação que tu estás citando fiz muito antes das eleições de 2010. Eu fiz quando a Marina rompeu com o PT e aparentemente estava rompendo pela esquerda. Acontece que, a partir daí, nós buscamos dialogar com a Marina e ela deixou muito claro que não queria se vincular com a esquerda socialista, porque a proposta dela era uma unidade do PT com o PSDB. Então, naquele momento, ela já deixou claro que a ruptura dela com o PT não era pela esquerda, mas inclusive pela direita, aproximando mais do PSDB.
Leia ainda: Por que votar em Luciana Genro (PSol)?
Por isso eu fui uma militante da campanha do Plínio de Arruda Sampaio em 2010, que foi o único candidato que representou a esquerda coerente nas eleições presidenciais. E agora, em 2014, esse perfil da Marina não só se confirmou como se aprofundou, já que ela abraçou bandeiras totalmente neoliberais, como foi o caso da independência do Banco Central.