O diretor do Observatório de Luta Contra a Pobreza em Lisboa alerta para o facto de os novos pobres terem "muita dificuldade em aceder" a prestações sociais de combate à pobreza e à exclusão social, como o Rendimento Social de Inserção (RSI).
"Os chamados novos pobres têm muita dificuldade em aceder a este tipo de medidas. Mesmo estando endividados, estando a passar fome, tendo móveis ou imóveis em seu nome, estão quase automaticamente excluídos do acesso a este recurso", afirmou Sérgio Aires à agência Lusa.
Ainda que a crise económica e social se tenha agudizado e que exista um número cada vez maior de famílias em dificuldade, tem-se registado uma diminuição do número de beneficiários do RSI e do valor atribuído por beneficiário, que, em Lisboa, passou de 88 euros em 2006 para 86 euros em 2012. O número de beneficiário na capital passou, por sua vez, de 94 mil em 2010 para 85 mil em 2011 e para 80 mil em 2012.
"Estamos a falar de um apoio para pessoas que vivem muito abaixo do limiar da pobreza. Pessoas que, embora tendo um emprego, não ganham o suficiente para estarem acima do limiar que permite serem beneficiárias do RSI", frisou Sérgio Aires, lamentando que "alguns decisores políticos, a diferentes níveis, não tenham nunca feito um esforço para dar visibilidade a isto, contribuindo, ao contrário, muitas vezes para alimentar os piores estereótipos sobre os beneficiários".
O director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa denunciou também o desinvestimento na investigação que põe em causa o estudo dos fenómenos da pobreza e, consequentemente, uma estratégia concertada com vista ao seu combate e prevenção.
Instituições locais asseguram sobrevivência dos mais carenciados
A socióloga Sónia Costa, membro da equipa do DINÂMIA'CET - Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território (ISCTE-IUL), que colaborou com o Observatório na elaboração, a partir de um trabalho de campo realizado em 2011, do retrato qualitativo da pobreza na capital intitulado "A Cidade Incerta", salientou que "se contassem apenas com as prestações sociais e com os recursos que o Estado disponibiliza, as populações pobres da capital viveriam uma situação catastrófica".
"São os recursos adicionais das instituições locais – a assistência domiciliária para os idosos, o cabaz alimentar, ou o serviço de saúde disponibilizado pela Santa Casa da Misericórdia – que lhes permitem continuar a sobreviver", adiantou, alertando, contudo, que "as instituições estão a ser esmagadas, porque os seus recursos tendem a diminuir e os pedidos de ajuda estão a aumentar".
Austeridade elege como alvo os mais desfavorecidos
"Algumas das medidas de combate à crise – como as novas regras de acesso ao Rendimento Social de Inserção e os cortes nesta prestação social, a diminuição nos subsídios de desemprego, as reduções no acesso à saúde, entre outras – são sobretudo gravosas para os que se encontram em situações de maior vulnerabilidade", disse à agência Lusa a socióloga Isabel Guerra, do DINÂMIA'CET.
Nas conclusões do trabalho elaborado Observatório de Luta Contra a Pobreza em Lisboa e pelo DINÂMIA'CET lê-se ainda que o "exercício da solidariedade" retornou "à assistência – alimentar e outra – dos séculos passados", considerando que se têm "banalizado" práticas "há muito criticadas" por serem "demasiado humilhantes".
Idosos com "condições de vida miseráveis"
Existem cada vez mais idosos e pessoas de meia idade em Lisboa que não têm rendimentos suficientes para garantir uma habitação condigna e são obrigados a alugar pequenos quartos sem condições e a partilhar o teto com desconhecidos, sendo alvo, muitas vezes, de vários tipos de agressões.
De acordo com o diretor do Centro Social de Arroios, Pedro Cardoso, um terço dos idosos que apoia recorreu ao "subaluguer", com "condições de vida miseráveis". Em declarações à Lusa, Pedro Cardoso critica a Santa Casa e a Câmara de Lisboa pela ausência de resposta.
"É importante dar autonomia e dignidade de vida a estas pessoas", conclui.
Cada vez mais pessoas não têm dinheiro para comer
O número de pessoas que se concentram ao final do dia em frente à Igreja dos Anjos não pára de crescer. Em muitos dias, a fila chega a contar com perto de 200 pessoas, que se vêem obrigadas a recorrer à "sopa dos pobres".
A agência Lusa dá ainda o exemplo de uma mãe de 46 anos que vive em Lisboa com um filho menor, e que, mesmo trabalhando 12 horas por dia, seis dias por semana, precisa de pedir ajuda para comer.