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251112 habitaptPortugal - Habita - Por iniciativa do colectivo Habita encontra-se correr a Carta Aberta pelo Direito à Habitação que abaixo se transcreve assinada pelos primeiros subscritores, onde se assinalam os principais constrangimentos que impedem o acesso da maioria da população portuguesa a uma habitação digna e de acordo com os rendimentos e necessidades, e se reivindicam algumas medidas.


Portugal vive, há décadas, sem uma política de habitação substantiva, coerente e continuada. Apesar do quadro constitucional vigente, o direito à habitação não é – na prática – reconhecido como fundamental à vida humana, sendo a habitação sobretudo encarada como uma mercadoria e um investimento. Só assim se explica, aliás, o impulso que a especulação imobiliária e o endividamento das famílias conheceram nas últimas décadas, concomitante com o progressivo abandono dos centros históricos das cidades e a degradação do seu edificado (existem hoje cerca de 735 mil alojamentos vagos), responsáveis por uma preocupante perda de vitalidade urbana. Por outro lado, é também desse modo que se explica o crescimento desordenado das periferias suburbanas, que contribui de forma decisiva para a deterioração da qualidade de vida, a diminuição do acesso a equipamentos e serviços, e a constrição da mobilidade de inúmeras pessoas.

A ausência persistente de uma política integrada que defenda o direito à habitação tornou-a, tal como aos processos de urbanização, refém dos interesses especulativos imobiliários e da construção civil. Em detrimento da reabilitação e do arrendamento, privilegiou-se a construção de raiz e a aquisição de casa própria (73% dos portugueses são hoje ”proprietários”), mediante processos muito expressivos de endividamento bancário das famílias (80% do endividamento familiar é destinado à aquisição de habitação) e do país (68% do total da dívida privada portuguesa resulta do crédito imobiliário a famílias e empresas). A braços com os encargos das prestações, que não raras vezes atingem os 40 anos, as famílias viram severamente limitada a sua capacidade para a construção de projetos de vida autónomos e independentes. O mercado de arrendamento (20% do total de alojamentos) e, de modo ainda mais relevante, o mercado de habitação social (3% do total de alojamentos, estando ainda por concluir o Programa Especial de Realojamento, PER, iniciado em 1993), deixaram há muito de fazer parte das políticas públicas de alojamento.

Com o agravar da atual crise - ela própria fortemente enraizada em processos especulativos - o direito à habitação encontra-se por isso cada vez mais comprometido. A subida do desemprego, a quebra acentuada dos rendimentos das famílias e o aumento do custo de vida tem vindo a conduzir a um aumento muito significativo das situações de incumprimento bancário, existindo hoje cerca de 140 000 famílias sem capacidade para pagar a prestação da casa. Perante isto, os governantes têm feito uma opção clara: proteger os bancos e não as pessoas, perpetuando assim o ciclo de endividamento e não assegurando alternativas dignas a quem perde a sua casa. Paralelamente, a nova lei do arrendamento vem facilitar o despejo de quem não consegue pagar a renda, criando condições cegas para o aumento das rendas antigas, que irá atingir, sobretudo, reformados e pensionistas. Por outro lado, a oferta de habitação social não responde minimamente às crescentes necessidades. O número de pedidos tem aumentado em todas as autarquias e estas não demonstram, manifestamente, ter capacidade para dar resposta. Prossegue também, por último, a demolição sistemática de habitação auto-construída, sem que se acautele minimamente o realojamento de quem aí habita, mesmo quando recenseado no PER.

Em suma, o domínio da habitação é uma das esferas da política social pública em que se tem demonstrado, de modo mais evidente, um profundo desrespeito pela dignidade humana, ao mesmo tempo que se promove a culpabilização individual de quem não consegue aceder à habitação ou fazer face aos encargos a ela associados. O problema, porém, não é individual mas sim social e político. E, por isso, propomos as seguintes medidas:

- Não permitir, em nenhuma circunstância, processos de despejo em que não estejam devidamente asseguradas alternativas dignas ou meios de subsistência suficientes, devendo forçosamente analisar-se a situação familiar e encontrar-se os meios adequados para o apoio às famílias em caso de incapacidade financeira para preservar a habitação;

- Suspender a demolição das habitações dos moradores não abrangidos pelo PER e proceder à revisão e atualização dos levantamentos realizados ao abrigo desse programa;

- Dotar o IHRU dos mecanismos necessários ao desenvolvimento de programas de apoio ao acesso à habitação e reabilitação urbana;

- Obrigar à colocação, no mercado, dos fogos devolutos, penalizando de forma eficaz o abandono dos alojamentos com fins especulativos;

- Criar um plano de reabilitação do parque habitacional que dê prioridade a este processo, em detrimento da construção de habitações novas, tendo em vista recolocar os fogos no mercado a preço acessível;

- Rever a nova lei do arrendamento urbano, de modo a salvaguardar o direito dos inquilinos à habitação;

- Dotar as autarquias e o Estado de meios eficazes de combate à especulação imobiliária e à corrupção urbanística, simplificando e tornando mais transparente a legislação nos domínios do planeamento e urbanismo, e tornando os municípios menos dependentes do licenciamento para se financiarem (o que implica rever, a médio/longo prazo, a lei das finanças locais);

- No caso das famílias que não conseguem pagar os seus créditos à habitação, devido a situações de desemprego ou pela redução substancial do rendimento disponível, a entrega da casa deve significar o fim de quaisquer compromissos com a banca, sendo de incentivar que essas famílias se tornem inquilinas no mesmo alojamento, com uma renda adequada ao seu rendimento;

- Promover a criação de uma Lei de Bases da Habitação, capaz de regulamentar e materializar os princípios subjacentes ao direito constitucional à habitação.

Apelamos, por conseguinte, ao cumprimento da Constituição da República Portuguesa e à salvaguarda dos mais elementares direitos humanos, estruturantes de um Estado e de uma sociedade verdadeiramente democrática, que consagram, respeitam e promovem a dignidade humana.

 

Subscrições individuais: Alexandre Abreu - economista; Almerinda Bento – professora aposentada e feminista; Ana Estevens - geógrafa; Ana Feijão - precária e activista; Ana Sofia Cortes - economista; André Carmo - geógrafo; André Studer Ferreira - advogado; António Barata - artes gráficas; António Brito Guterres - desenvolvimento comunitário; Aquilino Machado - geógrafo; Armando Sá - comissão de moradores do bairro do Fim do Mundo, Cascais; Catarina Moreira - activista feminista; Chullage (Nuno Santos) - mc; Cristina Pires - técnica política social, feminista e activista na luta pelo direitos das mulheres; Deolinda Machado - professora e sindicalista; Eduarda Ferreira - geógrafa; Elisabete Brasil - jurista; Eurico Camgunbi - comissão de moradores do bairro de Santa Filomena, Amadora; Francisco Sales Diniz - director da Obra Católica Portuguesa de Migrações; Gisela Cañamero - encenadora; Helena Loureira - professora; Heloísa Perista - socióloga; Hezbollah (Jakilson Pereira) - mc; Inês Bandeira - serviço social; Irene Rodrigues – feminista; Isabel Raposo - arquitecta/urbanista; Janina Wollny - activista de direitos humanos; Joana Neves - bolseira; João Camargo - engenheiro do ambiente; Jorge Malheiros - geógrafo; José Costa Ramos - economista; José Romano - arquitecto; LBC Soldjah (Flávio Almada) - mc; Leonor Rolo Duarte - psicóloga; Lídia Fernandes - activista anti-austeritária; Luís Bernardo - investigador da Humboldt-Universität zu Berlin; Luís Mendes - geógrafo; Luís Moreno - geógrafo; Magda Alves - activista feminista; Mamadou Ba - activista anti-racismo; Manuel Carlos Silva - professor universitário; Manuel Malheiros - jurista; Manuela Góis - activista feminista; Manuela Tavares - activista feminista; Margarida Chagas Lopes - economista; Miguel Judas - militar de Abril; Morgane Masterman - activista; Nuno Serra - geógrafo; Paulo Jorge Vieira - geógrafo, investigador, activista LGBT e feminista; Raquel Gonçalves - antropóloga; Rita Raposo - socióloga; Rita Silva - activista; Rosa Maria Castro Pita - dirigente nacional do SINTAP; Sandra Monteiro - jornalista; Teófilo Braga - professor 3º ciclo e ensino secundário; Tiago Mota Saraiva - arquitecto; Vasco Lourenço - militar de Abril.

Subscrições coletivas: Associação de Combate à Precariedade - Precários Inflexíveis; Solidariedade Imigrante - Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes; HABITA - Colectivo pelo direito à habitação e à cidade; Marcha Mundial das Mulheres - Portugal; Médicos do Mundo; Obra Católica Portuguesa de Migrações; Olho Vivo - Associação de Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos; Plataforma Gueto; SOS Racismo; UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta.


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