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270213 salazar-e-o-poderPortugal - PGL - [Joseph Ghanime] Como se explica que a ditadura portugesa fosse a mais longa da história europeia contemporânea?


Fernando Rosas deita luz sobre a questão em Salazar e o poder: a arte de saber durarque sai com a chancela da editora Tinta-da-China.

O regime totalitário em Portugal abrange três períodos: a ditadura militar (1926-33), o Estado Novo com o governo chefiado diretamente por Salazar (1933-68), e o período final que conduziu ao 25 de abril, com Marcelo Caetano à frente do governo (1968-74). Salazar e o poder debruça-se principalmente sobre os dous primeiros períodos, de formação e consolidação do regime.

Com a auréola de ser um mago das finanças, António de Oliveira Salazar, um professor de economia da Universidade de Coimbra, é chamado em 1926 e 1928 para ocupar a pasta de finanças da ditadura militar do General Carmona. Em 1932 é nomeado Presidente do Ministério, e em 1933, Presidente do Conselho de Ministros, instituindo o Estado Novo. Só abandonará o poder em 1968, por causa da famosa queda da cadeira que o inutilizou.

Desde as suas primeiras aproximações do poder, Salazar pretendeu ganhar o consenso das diversas direitas do país em prol do seu projeto totalitário e corporativista. A Igreja Católica, o exército, os movimentos propriamente integralistas e fascistas (Movimento Nacional-Sindicalista), a direita republicana e a direita industrialista ou “dos interesses”, serão os principais apoios que o Estado Novo irá procurar. O processo de adesão foi laborioso e não isento de crises de lealdade política, como a do fim da guerra (1947-49) ou a causada pola candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República (1958)

Além de assegurar as alianças das classes dominantes, o regime precisou de combater o movimento operário, de tendência principalmente anarco-sindicalista ou comunista. Fernando Rosas destaca a importância dessa oposição reviralhista à ditadura, muito menos estudada do que a resistência de etapas posteriores. A repressão contra o tal reviralhismo (1926-31) e o pós-reviralhismo (1931-1938) será especialmente implacável com o movimento anarco-sindicalista, que não voltará a recuperar a sua antiga hegemonia no mundo operário português. O partido comunista, com algumas influências libertárias na altura, será também duramente atingido. O partido reorganizado entre 1940 e 1944 terá de partir praticamente do zero, adoptando uma linha ideológica mais marcadamente leninista.

Fernando Rosas põe em questão o cliché segundo o qual a ditadura salazarista foi mais branda do que outras. A violência preventiva e punitiva figerom parte do regime desde o início. Se a repressão não atingiu as dimensões do franquismo, tal não foi devido à alegada “brandura” do regime luso, mas a uma estratégia de enraizamento e durabilidade no contexto específico da sociedade portuguesa da altura.

Ideias feitas sobre a mansidão do povo virão à tona de forma recorrente no discurso do próprio ditador, como testemunham os excertos de uma entrevista realizada a Salazar, e que Rosas parafraseia assim:

Mas haveria outra diferença a separar as duas ditaduras [a italiana e a portuguesa] – a que, também, mais à frente tornaremos com mais detalhe –, a dos “meios de acção”: “a violência”. Em Portugal a “brandura dos nossos costumes” e a deseducação do povo aconselhavam a prudência. Havia que governar “tendo sempre em conta esse sentimentalismo doentio a que nós estamos habituados a chamar bondade”. O que obrigava a ditadura a “ser calma, generosa, um tudo-nada transigente, vagarosa até”: “vamos devagarinho. Passo a passo. Nem outro ritmo ou energia haveria de carecer o ideal de mediania, o “viver habitualmente”, essa aurea mediocritas que o ditador definia como a felicidade possível ou conveniente para as aspirações dos portugueses, como a “imagem da pátria que se traz no coração: “uma casa branca, cheia de sol, num quintal cuidado, em que a vida é pacífica, alegre, operosa e digna”. Era um “fascismo à portuguesa”.

(Página 175)

O ensaio de Fernando Rosas mostra-nos que o salazarismo foi, no essencial, um projeto análogo às outras ditaduras fascistas da época. Fai-se a este respeito uma distinção entre o fascismo enquantomovimento e o fascismo enquanto regime. O primeiro, representado em Portugal polo MNS e integralismo, seria apenas um dos esteios em que assentou o segundo. Ocasionalmente, inclusive, esse fascismo enquanto movimento entrará em conflito com o Estado Novo feito regime. A detenção e posterior exílio na Espanha do líder integralista Rolão Preto será um exemplo dessa dissidênciapola direita.

Quanto ao fascismo feito regime, ele só se pode compreender como uma aliança das diversas direitas em volta de um programa totalitário que visava aumentar as margens de lucro da classe dominante – esmagando, consequentemente, o movimento operário de classe, como já foi referido. Do ponto de vista ideológico, o corporativismo salazarista procurará a sua legitimidade numa reação contra os valores herdados da Revolução Francesa:

Era o programa do novo regime: a recusa do demo-liberalismo, a constatação da falência universal do parlamentarismo, a apologia do nacionalismo orgânico e corporativismo, do Estado Forte, o intervencionismo dirigista na economia, do imperialismo colonial (página 107)

O discurso legitimador do Estado Novo soubo também combinar uma vertente tradicional e ruralista com os interesses da direita dos “interesses” ou a tecnocracia “engenheirista”. O recurso à etnografia e à ruralidade em atos de propaganda, visava garantir a sujeição das camadas sociais mais populares. A criação de Casas do Povo e diversos grémios corporativos de produtores viria a ser a tradução sindical deste estratagema de controlo. Na última parte do livro, Rosas analisa pormenorizadamente a ideologia do regime, que apregoava a formação de um “Homem Novo”.

Outra vertente do livro di respeito aos esquemas a que o ditador recorreu para ganhar a lealdade das diversas direitas acima referidas, nomeadamente o republicanismo de direita e as Forças Armadas, onde encontrou maiores reticências no início. Fernando Rosas sintetiza assim a estratégia mais recorrente:

Como repetirá noutras ocasiões, durante a longa vida do Estado Novo, Salazar atrai os seus adversários para dentro regime com concessões, e depois “esvazia-os” politicamente, bem como às concessões e compromissos. (pág. 133)

As fissuras a respeito deste consenso das direitas só fizeram perigar o regime em crises ocasionais, como as anteriormente referidas. Quanto à Igreja Católica, a sua adesão leal ao Estado Novo só seria posta em questão – polos setores mais progressistas – aquando da chegada de João XXII ao papado. A carta do bispo do Porto (António Ferreira Gomes) criticando o regime será o testemunho mais emblemático do desencontro entre o regime e a ala mais progressista da Igreja.

Ainda que menos estudada neste trabalho, interessa também a maneira como Salazar construiu a projeção da sua própria personalidade. Num enquadramento narrativo que o aproximava do rei D.Sebastião (O Desejado), o ditador terá sabido aproveitar a imagem do homem que não desejava propriamente o poder, mas que foi chamado para cumprir uma obriga – libertar o país da crise financeira. O empenho e coerência com que o ditador defendeu o projeto totalitário deitam por terra este e outros mitos.

Em suma, as 360 páginas de Salazar e o Poder requerem uma leitura atenta e paciente, dada a densidade das informações fornecidas. De redação e edição impecáveis, recomenda-se o livro a quem quiger mergulhar neste período da história portuguesa.

Desacouga encontrar alguns paralelismos entre o argumentário que conduziu ao salazarismo e aquilo que estamos a testemunhar na atualidade. O recurso a “magos das finanças”, o corte de liberdades políticas em nome da eficácia, e a construção progressiva de uma nova “normalidade” autoritária fam parte do nosso dia-a-dia.

Afinal, os regimes totalitários, para conquistarem o poder e durarem, não só devem apelar aos interesses de classe dominante, mas sobretudo tenhem que garantir a desmobilização de uma maioria dominada e reduzida a formas passivas de hostilidade. Chegado este ponto, Salazar e o Poder leva-nos a colocar questões incómodas sobre a nossa própria indefensão ou mansidão perante o totalitarismo neoliberal que vai chegando – questões análogas àquelas que suscita a obra de autores alemães como Kurt Tucholsky, Ingeborg Bachmann, Sebastian Haffner ou T.W. Adorno, no que toca à aceitação do nazismo no período que conduziu à segunda Grande Guerra.


Joseph Ghanime Lopes é professor de Português na EOI de Lugo, Galiza.


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