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Sara Flounders

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Em coluna

Petróleo saudita e hipocrisia dos EUA

Sara Flounders - Publicado: Sexta, 20 Fevereiro 2015 10:37

As homenagens do imperialismo ao falecido rei saudita são inteiramente justificadas. Não nos termos hipócritas em que foram feitas, mas no facto de deverem a sua prolongada dominação sobre a região à casa real de Saud, um pequeno, detestado, corrupto e despótico bando desprovido de apoio popular e de legitimidade.


Poucos acontecimentos exporão de forma tão flagrante a extrema hipocrisia do empolado palavreado de políticos dos EUA sobre a democracia como os seus elogios ao recentemente falecido rei Abdalá da Arábia Saudita. Há décadas que o imperialismo norte-americano e todas as potências imperialistas dão apoio político, militar e diplomático à corrupta família feudal que governa a Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo.

Chefes de Estado alteraram bruscamente as suas agendas e correram a Riad para saudar o novo governante, o rei Salman, de 79 anos. O presidente Obama, o primeiro-ministro inglês Cameron acompanhado pelo príncipe Carlos, o presidente francês Hollande, o presidente afegão Ghani, o rei de Espanha Filipe VI, o presidente turco Erdogan, o primeiro-ministro paquistanês Sharif, todos eles se manifestaram ansiosos por ver assegurada a continuidade do regime.

A Arábia Saudita é uma ditadura absoluta e brutal. O nome do país é o da família real saudita que expropriou a fabulosa riqueza petrolífera do país e a trata como exclusivo património familiar. O controlo é mantido através de uma maciça repressão organizada pelo Estado. Quaisquer formas de dissensão política ou de organização social, desde partidos políticos a sindicatos, são banidas sob pena de morte.

Em média de quatro em quatro dias são realizadas execuções por decapitação em praças públicas. Os crimes punidos com pena capital incluem o adultério, a homossexualidade e a oposição política ao regime. Outra forma de execução pública comum é a lapidação. Outros castigos incluem arranque de olhos, amputação de membros, arranque de dentes, paralisação cirúrgica e o chicoteamento público.

Riqueza e pobreza

Os departamentos governamentais são encarados como feudos. Os seus enormes orçamentos não são objecto de fiscalização e estão à disposição pessoal da família. Fundos pessoais e fundos do Estado são completamente indistinguíveis. São atribuídas a todos os membros da família desde o nascimento astronómicas pensões mensais, cujo valor varia conforma a sua proximidade ao círculo íntimo do rei. A família saudita, que conta perto de 3.000 membros, associa cerca de 30.000 outros a privilégios por via do casamento.

O ministério é constituído por membros da família saudita. Os ministérios-chave – interior, negócios estrangeiros, comandos militares, Guarda Nacional e os governos regionais – são exclusivamente assumidos por membros da família.

O governo não recolhe informação acerca da pobreza, literacia, desemprego ou cobertura em cuidados de saúde. Entretanto, o jornal saudita Okas referiu em Julho de 2012 que 60% da população vivia abaixo do limiar da pobreza.

Um terço dos 27 milhões da população são emigrantes sem direitos, sem estatuto e sem apoios sociais, que constituem perto de 80% da força de trabalho.

A CIA (World Factbook) estima em 10% o desemprego saudita, 28% do qual de homens não qualificados entre os 15 e os 24 anos. As mulheres não são consideradas parte da força de trabalho.

Mulheres escravizadas

As mulheres na Arábia Saudita têm a mais baixa literacia da região. Mais de 1,5 milhões de mulheres imigrantes trabalham em regime de escravatura doméstica. Um relatório de 2012 da Confederação Internacional de Sindicatos (ITUC) sobre direitos dos trabalhadores refere níveis alarmantes de trabalho infantil, de discriminação e de trabalho forçado.

Qualquer que seja a sua posição social, nenhuma mulher tem direito ao emprego, à propriedade ou à educação. Só podem pôr o pé fora das suas casas se estiverem inteiramente cobertas com uma abaya negra e forem acompanhadas por um membro masculino da família.

Mulheres com lugares de destaque no Ocidente ignoram a realidade das mulheres sauditas. Por exemplo Cristine Lagarde, a chefe do Fundo Monetário Internacional, saudou no rei Abdalá "um forte advogado das mulheres" (Washington Post, Jan. 23). Ertharin Cousin, directora executiva do Programa Alimentar Mundial da ONU elogiou o rei Abdalá " era um verdadeiro líder humanitário, sempre ao lado dos pobres esfomeados do mundo" (www.un.org, Jan 23).

O Secretário-Geral da ONU Ban Ki-moon juntou-se ao derramamento imperialista de elogios, exprimindo na mesma declaração a sua gratidão pelo "generoso apoio humanitário e desenvolvimentista" em todo o Médio Oriente por parte do rei.

Dado que Wall Street, as corporações petrolíferas dos EUA, as indústrias militares e os bancos recolhem tanto lucro deste bando de ladrões, tudo têm feito para armar, treinar e reforçar os militares sauditas. O papel dos meios de comunicação dominantes é proporcionar um verniz de respeitabilidade a esta família de saqueadores.

Esta pequena elite governante apoia-se em cinco bases militares dos EUA, em armas e treino ocidentais para se proteger e sobreviver. A 5ª Esquadra Norte-Americana, com base no vizinho Bahrain, defende o status quo com porta-aviões, 20 navios, submarinos nucleares, 103 aviões de combate e 20.000 marinheiros e fuzileiros.

Em troca, a família real saudita paga por ser protegida a indústrias militares dos EUA como a Raytheon, Lockheed Martin, General Dynamics e Boeing. Milhares de milhões são também encaminhados para corporações militares britânicas, francesas e alemãs. Em 2013 o orçamento militar saudita era de 67 milhares de milhões de dólares, o quarto maior do mundo depois dos EUA, China e Rússia.

A despesa saudita em armamento atinge 9,3% do PIB, a mais alta do mundo. A economia é a menos diversificada de todos os países produtores de petróleo, com a exportação de petróleo a atingir mais de 90% do total das exportações. Virtualmente tudo o resto tem de ser importado.

Até aos anos 70, quatro companhias norte-americanas foram as proprietárias exclusivas do petróleo saudita – isentas e livres de quaisquer taxas e impostos. Dado que os levantamentos revolucionários na região levaram muitos países a reclamar o inteiro controlo sobre os seus recursos, o petróleo saudita foi, à cautela, nacionalizado num conglomerado chamado Aramco. Exploração, perfuração, bombagem, transporte e construção de oleodutos, portos e terminais, tudo foi reestruturado de forma a garantir os máximos lucros para as corporações norte-americanas. Ao mesmo tempo que a família saudita se pode apropriar de uma imensa riqueza, a grande maioria destes fundos deve permanecer em bancos dos EUA ou ser utilizados para adquirir materiais dos EUA.

Contras e milícias terroristas

Esta economia opaca e sem fiscalização torna a Arábia Saudita o veículo perfeito e a fonte de financiamento para as guerras dos EUA, as suas aventuras militares e as suas agências secretas. Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado dos EUA pode afirmar que nada sabe acerca de quem financia milícias terroristas – dos contras da Nicarágua em 1983 ao ISIS em 2015.

Quando o Congresso se recusou a financiar os reaccionários contras nos anos 80, o presidente Ronald Reagan arranjou forma de serem os sauditas a enviar-lhes armas para derrubarem o governo sandinista na Nicarágua. O dinheiro saudita foi um componente chave na guerra da CIA contra o regime progressista afegão iniciado em 1979. Financiou também, trabalhando com Washington, milícias reaccionárias na Líbia, Síria, Iraque, e Líbano, milícias cujas metástases se tornaram uma força violentamente sectária e desestabilizadora em todo o Médio Oriente.

O príncipe Bandar bin Sultan, antigo embaixador em Washington entre 1983 e 2005, é considerado a cabeça pensante da rede terrorista saudita. É agora o director-geral da Agência de Informações saudita.

A riqueza saudita também serve para manter à tona outras ditaduras militares. No Egipto, os sauditas providenciaram 1 milhar de milhões de dólares para apoiar o golpe do general al-Sisi contra o governo eleito de Morsi. Após o golpe contribuíram de imediato com mais 8 milhares de milhões para ajudar a estabilizar o regime, e até ao momento já investiram mais de 20 milhares de milhões na manutenção daquela ditadura.

O prolongado domínio da Casa de Saud assenta numa estreita e corrupta camada extremamente privilegiada. Dependente da força de trabalho estrangeira, de instrutores e técnicos especializados estrangeiros, é odiada pelo seu povo. O imperialismo norte-americano apoia a sua prolongada dominação sobre a região num pequeno e detestado bando desprovido de apoio popular e de legitimidade.

27 de Janeiro, 2015.


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