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Immanuel Wallerstein

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O centro já não está muito bem das pernas

Immanuel Wallerstein - Publicado: Segunda, 26 Mai 2014 10:04

Está a crescer a lista de países que atravessam conflitos civis prolongados e cada vez piores. Há pouco tempo, os média mundiais mantinham o foco na Síria. Agora é na Ucrânia. Amanhã será a Tailândia? Quem sabe? Chama a atenção a variedade de explicações do conflito e a paixão com que estas que são esgrimidas.


É suposto que no nosso moderno sistema-mundo as elites do establishment que detêm as rédeas do poder debatam entre si e depois cheguem a um “compromisso” que possam manter. Normalmente estas elites situam-se em dois campos principais – centro/direita e centro/esquerda. Há diferenças reais entre elas, mas o resultado dos “compromissos” tem sido tal que o nível de mudança, através dos tempos, é mínimo.

Trata-se de uma estrutura que opera de cima para baixo, no interior de cada país e geopoliticamente entre países. O resultado é um equilíbrio que sobe lentamente. A maioria dos analistas do atual conflito tendem a assumir que os cordéis ainda estão a ser puxados pelas elites do establishment. Cada lado afirma que os atores de base do lado oposto estão a ser manipulados pelas elites. Todos parecem assumir que se o seu lado pressionar com força suficiente as elites do outro lado, estas outras elites acabarão por aceitar um “compromisso” mais próximo às pretensões do seu lado.

Esta visão parece-me uma leitura totalmente errada das realidades da atual situação, que é a de amplo caos como consequência de uma crise estrutural do nosso sistema-mundo. Não creio que as elites ainda tenham sucesso a manipular os seus seguidores de base. Penso que estes estão a desafiar as elites, por iniciativa própria, e tentando manipulá-las. Isto é algo verdadeiramente novo. É uma política da base para o topo e não do topo para a base.

As políticas da base para o topo são por vezes referidas pelos média como sendo dos “extremistas” que se tornam atores importantes, mas a expressão “extremistas” também não é certeira. Quando nos envolvemos em políticas a partir da base, há versões de cada cor política – da extrema-direita à extrema-esquerda, mas incluindo também os do centro. Pode-se lamentar que isto aconteça, como fez Yeats numa das mais citadas estrofes do poema “A Segunda Vinda”:

“Falta fé aos melhores, já os piores

Se enchem de intensidade apaixonada.”

Mas notem que Yeats atribuía a categoria dos “melhores” às velhas elites. Serão realmente as melhores? O que é efetivamente verdade, para citar uma das estrofes de Yeats menos citadas, é que “o falcão não pode ouvir o falcoeiro.”

Como podemos então navegar politicamente neste meio? Analiticamente, é muito confuso. Penso, contudo, que o primeiro passo é deixar de atribuir o que está a acontecer às malévolas maquinações de algumas elites do establishment. Elas já não têm controlo. Podem evidentemente causar grande mal físico através de ações imprudentes. Não são de forma alguma apanágios da virtude. Mas aqueles de nós que lutam para que um mundo melhor emerja da situação caótica têm depender de si mesmos, das múltiplas formas de organizar a luta. Precisamos, em resumo, de menos denúncia e mais ação construtiva local.

As estrofes mais sábias de Yeats são as últimas do poema:

“Que besta bruta, de hora enfim chegada,

Rasteja até Belém para nascer?”

No momento em que o sistema histórico existente está a morrer, há uma luta feroz para definir que tipo de novo sistema histórico lhe vai suceder. Cedo poderemos já não estar a viver num sistema capitalista, mas poderemos cair num sistema ainda pior – uma “besta bruta” que procura nascer? O que é certo é que há uma única escolha coletiva possível. A escolha alternativa é um sistema relativamente democrático e igualitário, que também procura nascer. Depende de nós, os que fazem política a partir da base, qual dos dois sistemas vamos ter no fim da luta.

Comentário nº. 377, 15 de maio de 2014. Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria/Esquerda.net.


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