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Paulo Marçaioli

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Batalha das Ideias

“Carlos Fonseca e a Revolução Nicaraguense” – Matilde Zimmermann

Paulo Marçaioli - Publicado: Sábado, 24 Janeiro 2015 07:35

Resenha Livro – "Carlos Fonseca e a Revolução Nicaraguense" – Matilde Zimmermann – Ed. Expressão Popular.


Carlos Fonseca foi fundador, ideólogo e principal liderança política da Frente Sandinista de Libertação Nacional, força política que dirigiu a Revolução Nicaraguense. Trata-se de evento que perdurou os anos 1970 e teve seu ápice entre os anos 1978-1979, culminando na tomada do poder político com a queda do ditador Somoza em 19 de Julho de 1979.
 
CuadrodecarlosAlguns esclarecimentos preliminares são necessários. Augusto César Sandino a que a FSLN faz referência em seu nome foi o equivalente a José Martí do Movimento 26 de Julho da Revolução Cubana: foi um revolucionário nacionalista da Nicarágua que combateu a ocupação norte-americana na década de 1930 naquele país  sendo apropriado pelo movimento como uma referência anti-imperialista, nacionalista  e revolucionária.
 
Carlos Fonseca em seu exílio em Cuba seria responsável por resgatar este personagem histórico e incorporá-lo ao patrimônio dos lutadores, em especial como forma de se diferenciar e delimitar das outras oposições burguesas ao ditador Somoza, que se apoiavam eventualmente no imperialismo.
 
“Em 1927, Augusto César Sandino, um dos generais liberais, que combatiam o presidente imposto, negou-se a assinar uma rendição mediada pelos Estados Unidos e se pôs à frente de uma guerra de seis anos contra os marines norte-americanos. Os esforços do exército camponês de Sandino, somados  à crescente oposição à intervenção dos Estados Unidos, levou, em 1933, à retirada das tropas norte-americanas. Sandino foi assassinado em 1934 por ordem de Anastasio Somoza García, chefe de uma nova força militar, treinada pelos Estados Unidos: a Guarda Nacional. Nos anos 1960 e 1970, Carlos Fonseca deu uma nova vida ao exemplo de Sandino para inspirar uma nova geração a combater o governo e a Guarda Nacional, encabeçados pelos filhos de Anastasio Somoza”
 
E efetivamente nos primeiros anos de atividade guerrilheira, Fonseca buscou identificar nas montanhas sobreviventes ou filhos de combatentes do tempo de Sandino para a luta contra o ditador.
 
A Nicarágua é um pequeno país na América Central, fazendo divisa ao norte com Honduras e ao Sul com a Costa Rica. O poder político, após a ocupação norte-americana, era fatiado por grandes família endinheiradas organizadas no Partido Liberal (da família Somoza) e no Partido Conservador. Sua economia divide-se entre a produção de gado e especialmente a partir de meados do séc. XX na produção de algodão.
 
Fonseca iniciou sua militância quando estudante no  PSN (Partido Socialista Nacional), que equivalia ao Partido Comunista. Isso foi na década de 1950, quando tinha apenas 14 anos  e estudava no Instituto Nacional do Norte em Matagalpa. Fonsceca viera de uma família humilde, sua mãe era uma costureira e teve Carlos como filho ilegítimo de Fausto Amador, homem extremamente rico e apoiador de Somoza.
 
O Partido Comunista logo desencantou o inquieto Carlos, já que tinha como política aliar-se aos partidos burgueses da oposição e estar contra a luta armada revolucionária: condenavam a tradição advinda de Sandino que ainda estava viva e focava sua intervenção na ação eleitoral e sindical.  Posteriormente, ficaria mais clara as diferenças entre Carlos Fonseca e o PSN:
 
“Os textos da maturidade política de Fonseca são extremamente críticos em relação ao PSN, partido que ele condena como colaboracionista de classe e burocrático, incapaz de encabeçar uma revolução na Nicarágua e relutante em fazê-lo. Chamava o PSN de “browderista” em referência ao secretário geral do CPUSA ( Partido Comunista dos EUA) Earl Browder, principal defensor no hemisfério Ocidental da participação dos comunistas em “frentes populares” ao lado das forças burguesas. Uma vez que Fonseca decidiu que o PSN não era genuinamente marxista, teve pouca paciência com os trabalhadores que simpatizavam com o partido”.
 
E o que não deixa de ser interessante é que quando a conjuntura tornou-se efetivamente revolucionária a partir de 1977, 78 e 79, enquanto os sandinistas e seu FSLN tornavam-se uma força política de massas, o PSN junto aos demais partidos burgueses ficavam em total isolamento, de modo a surgir um embate ou polarização clara entre Guarda Nacional/Somoza e FSLN/sandinistas e um vazio no centro político.
 
O ponto de saturação que levaria ao rompimento final junto ao partido comunista, bem como à total adesão ao método da luta de guerrilhas dá-se a partir de 1959 com a vitória da Revolução Cubana. A vitória do movimento 26 de Julho convence muitos daquela geração acerca da viabilidade de uma tática mais radical do que a via eleitoral e sindical proposta pelo PSN. É também neste contexto que Fonseca passa a estudar com mais atenção a história da Nicarágua e de Sandino.
 
Fonseca rompe com o PSN em 1961 e em 1963 seria criado a FSLN, primeiramente denominada FLN, uma referência às lutas de libertação nacional dos países da África.
 
Fonseca cumpriu um papel importante como ideólogo político daquela organização. Foi o redator do seu programa histórico que serviria de linha política mesmo após sua morte em combate em 1966.
 
O programa continha 13 reivindicações que envolviam a derrubada da ditadura, uma reforma agrária radical, expropriação das propriedades da família Somoza – todos foram efetivamente cumpridos ao longo dos anos 1980, talvez só se observando a reforma agrária não tão radical quanto planejada no plano original. O programa também previa nacionalização dos bancos, bem como do comércio exterior e da exploração dos recursos naturais e abolição da Guarda Nacional substituída pelo exército popular e patriótico. Defendia legislação trabalhista e programas sociais e de educação.
 
Um dado importante é que Fonseca não assistiu à vitória de seu movimento político: na verdade só pôde tomar parte da luta durante todo um período de refluxo das mobilizações e não assistiu ao sensacional crescimento das manifestações anti Somoza determinada pela deterioração e crise política do regime a partir de 1977, com o término do estado de sítio e a série de manifestações espontâneas, no campo e na cidade, por todo o país. O sério terremoto que abalou a capital Manágua alguns anos antes e as denúncias de mal uso do dinheiro destinado à ajuda humanitária já desgastara bastante o governo.
 
Todavia, este levante popular pegou mesmo os dirigentes sandinistas de surpresa e veio em sentido contrário a algumas expectativas determinadas pelo programa: os guerrilheiros partiam da organização das montanhas (campo) quando o levante teve um caráter eminentemente urbano, com participação massiva da classe operária, com barricadas nas ruas, bombas caseiras e coquetéis molotov, pichações de muro, greves, ocupações de prédios, além de participação nas lutas em armas de estudantes e mulheres. O que movia em grande parte a população era o ódio contra o ditador que se servia de métodos espúrios de repressão, atacando os bairros pobres indiscriminadamente atrás de guerrilheiros, lançando bombas aéreas e matando milhares de inocentes – o ódio contra Somoza encontrou expressão não nos velhos partidos conciliadores de oposição mas na única organização disposta a combatê-lo em armas. A população buscava a FSLN enquanto antes a FSLN buscava (sem sucesso) a população. A organização em pouco tempo cresceu num ritimo exponencial, até derrotar o ditador, a Guarda Nacional, tomar uma a uma as cidades e dirigir vitoriosamente a revolução.
 
Muitos outros elementos são destacados e dignos e reflexão nesta biografia de Zimmermann. O papel das mulheres e dos índios e negros na luta revolucionária, a relação entre o internacionalismo dos partidos comunistas e o internacionalismo dos movimentos guerrilheiros latino-americanos, o isolamento total do movimento guerrilheiro diante do movimento camponês e o triunfo da revolução na cidade, a relação com o sandinismo e a dimensão anti-imperialista daquela insurreição, as três frações políticas internas que dividiram a FSLN em meados dos anos 1970: além destes pontos, outros não abordados pela autora, como o governo do FSNL a partir de 1980 e a adaptação de suas direções ao poder num movimento semelhante ao Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil, incluindo o enriquecimento de lideranças e culminando na derrota eleitoral em 1990.
 
A revolução nicaraguense foi a segunda e última experiência revolucionária popular vitoriosa na América Latina – seguida após o movimento de Che e de Fidel Castro. É necessário um estudo mais detalhado deste movimento e em particular daquele personagem ascético, Carlos Fonseca, hoje ainda virtualmente desconhecido no Brasil. Com seus 1.80 de altura e sua vontade incansável de fazer triunfar a revolução, um revolucionário que, como Zapata, não bebia, não fumava e que como “Che”, acreditava que a luta guerrilheira deveria forjar um novo homem, mais solidário e fraterno. Não é só um herói da nação nicaraguense mas de toda América Latina em sua luta por emancipação .  
 

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