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Anjo Torres

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Em coluna

Suárez, a mitologia da “Transiçom” e os movimentos do regime

Anjo Torres - Publicado: Domingo, 20 Julho 2014 14:33

Afirmarmos a estas alturas que o regime da II Restauraçom bourbónica sofre umha forte crise de deslegitimaçom nom supom nengumha novidade, é evidente.


As contradiçons entre o regime político emanado do fascismo e as demandas e as necessidades das classes populares e das naçons oprimidas som a cada vez mais inocultáveis desde que a crise do capitalismo espanhol bateu com força nos seus alicerces, demonstrando que o regime da oligarquia está muito longe de ter vontade e capacidade de as satisfazer.

Apesar da propaganda do governo do Partido Popular de Mariano Rajói e da sua defesa de um alegado início da “recuperaçom económica”, baseando-se nalgumhas cifras macro-económicas e na ideologia neoliberal capitalista, nos bairros populares a contundente realidade do empobrecimento, do desemprego e do subemprego, sobreexploraçom, precariedade, cortes nos serviços públicos essenciais como a saúde e o ensino, incremento dos preços nos serviços básicos, despejos, etc, fam com que comecem a cair os véus que durante as últimas décadas fôrom colocados sobre os olhos da classe trabalhadora e de todo o povo. A isto ajuda, é claro, a sangrante evidência de que a corrupçom e os privilégios, acompanhados em geral da impunidade, reinam entre empresários, banqueiros, políticos do regime e mesmo na monarquia espanhola, a começar polo ex-chefe do Estado, o assassino de elefantes Juan Carlos.

Mas nom é só isso, nom… O decadente império espanhol está a ser posto em questom como o cárcere de povos que em essência é. Os limites, avondo estreitos, que som impostos às naçons oprimidas mesmo para modificar os estatutos de autonomia estám a provocar, até agora principalmente no caso catalám e basicamente no Principat, o avanço social e político do independentismo até níveis que há uns poucos anos pareciam impensáveis. Com efeito, o regime afronta a possibilidade real de continuar a perder territórios, agora já dentro da Península Ibérica, umha hipótese que causa pánico na oligarquia.

Neste contexto que acabamos de apresentar, contexto que abre a possibilidade das alternativas após mais de três décadas de imobilismo e “consenso”, produzia-se no passado 23 de março a morte de umha dessas figuras convertidas polos hagiógrafos da Transiçom num herói da democracia. O homem que primeiro foi falangista, depois presidente do governo e, finalmente, nem mais nem menos que duque e “grande de Espanha”. Falamos, claro, de Adolfo Suárez.

E como o regime e os seus defensores nom perdêrom a ocasiom de bombardear-nos durante dias com umha nova campanha propagandística sobre as supostas excelências da “modélica transiçom”, sobre o bom que é o consenso que (asseguram @s tertulian@s e historiadoras/es de cámara) naqueles anos existiu, e sobre o razoável e sensato que seria encetarmos umha “segunda transiçom” pilotada por “políticos da estatura de Suárez”, nós tampouco podemos deixar fugir a oportunidade de expor e divulgar algumhas verdades que a mitologia da Transiçom quer ocultar.

Umha transiçom modélica

Sem esquecermos os/as antig@s esquerdistas agora integrad@s que repetem aquilo de que “foi o único possível naquele contexto”, assim é como costuma ser qualificado o processo de transmutaçom gatopardiana do fascismo espanhol. Os e as apologistas da monarquia bourbónica, na imprensa, nos parlamentos burgueses, nas salas de aulas e mesmo nos púlpitos, levam décadas a repetir o mantra doutrinador de umha transiçom maravilhosa que seria, aliás, um “modelo para o mundo”. Umha feliz reconciliaçom entre irmaos que voluntariamente teriam decidido esquecer velhas disputas para iniciarem juntos um caminho de paz, liberdade e prosperidade…

Nunca mencionarám umha questom como a do controlo do processo polas potências imperialistas ocidentais, a começar por uns Estados Unidos aos quais o genocida Franco já rendia vassalagem desde o final da Segunda Guerra Mundial. Agora nom podia ser que as veleidades democráticas, para nom falarmos já das revolucionárias, dos povos do Estado espanhol fossem pôr em risco a posiçom norte-americana num lugar estratégico como a Península Ibérica, no contexto da Guerra Fria. Os Estados Unidos, como a Alemanha Federal e as restantes potências capitalistas ocidentais, necessitavam controlar o processo e assegurar a instauraçom de umha monarquia parlamentar unitária que acabasse por entrar na NATO e na CEE. Juan Carlos, o ambicioso principezinho imposto por Franco como sucessor na chefia do Estado, é também o homem dos americanos, que através da CIA e da Secretaria de Estado levavam planificando os passos a seguir desde anos antes da morte do ditador, que nom por acaso sabia que ia deixar todo “atado e bem atado”.

Se a evidente intervençom do imperialismo nom for suficiente para questionarmos esse carácter exemplar da Transiçom, também podemos falar de como a mobilizaçom popular, por vezes nom controlada polos partidos e sindicatos encarregados de a encarreirar polos caminhos da frustraçom (PCE-CCOO e PSOE-UGT), foi reprimida sem duvidá-lo de umha maneira brutal nos anos que vam da morte na cama de Franco à vitória em 1982 do arrivista Felipe González e do seu PSOE (que só o nome conservava do partido histórico). A história oficial da Transiçom inventou um processo essencialmente pacífico, onde entre música e música de Jarcha, como muito, se sentiu algum golpe das porras dos grises ou se produziu algum atentado obra de descontrolados, como o assassinato de cinco advogados laboralistas vinculados às CCOO e ao PCE em Madrid no ano 1977.

O regime assegurou o êxito do processo a ferro e fogo, empregando os meios legais, alegais e ilegais ao seu dispor. Foi umha constante do processo a repressom das manifestaçons obreiras e populares, dos movimentos de libertaçom nacional, as detençons e as torturas e as mortes e execuçons de militantes revolucionári@s a maos dos corpos repressivos oficiais e dos grupos terroristas de extrema-direita controlados pola polícia e os serviços secretos espanhóis. Entre 1976 e 1980 (e portanto dentro do período em que Adolfo Suárez foi presidente do governo), mais de 100 pessoas morrêrom e centenas mais sofrêrom malheiras, ameaças e agressons a maos dos corpos repressivos e dos grupos fascistas (Guerrilleros de Cristo Rey, as seçons C e Z de Fuerza Nueva, o Batallón Vasco-EspañolATE -Antiterrorismo ETA-, etc.).

Para além disto, durante todo o processo foi utilizado o “ruído de sabres” como umha outra maneira de condicionar a vontade popular sob a ameaça de umha intervençom militar e umha volta à ditadura pura e dura (e à repressom mais brutal) em caso de haver “excessos radicais”. E é certo que, longe de qualquer posiçom neutral e subordinada à vontade democrática das Forças Armadas (que corresponderia, supostamente, aos exércitos das democracias burguesas), o exército espanhol franquista, fachendosamente golpista e intervencionista ao longo da história, nom iria ter nengum problema em utilizar as armas para impedir um hipotético processo de ruptura feito a partir de baixo e das naçons oprimidas, algo que, além do mais, o imperialismo ocidental nom impediria.

O auto-golpe de Estado do 23 de fevereiro de 1981, com certeza o episódio da Transiçom mais e melhor utilizado durante todo este tempo para criar umha mitologia do triunfo e consolidaçom da democracia e, sobretodo, do papel salvador da monarquia e do próprio Juan Carlos, é também o melhor exemplo de como as elites que dirigírom aquela farsa utilizárom a ameaça da intervençom militar reacionária para amedrontar, desmobilizar e abocar à resignaçom boa parte dos setores que ainda apostavam na ruptura ou nom estavam totalmente integrados no circo democrático burguês.

Finalmente, também cumpre assinalar a desigualdade de condiçons imposta às organizaçons e movimentos rupturistas na hora de concorrerem, mesmo a nível eleitoral, com os partidários da reforma. Em dezembro de 1976, tem lugar o referendo sobre a reforma política promovido polo governo de Adolfo Suárez. Nessa altura, nem sequer o PCE ou o PSOE estám legalizados, se bem a sua atuaçom política já está mais ou menos tolerada. Junho de 1977 é o momento das primeiras eleiçons legislativas às Cortes espanholas, que serám as encarregadas de pactuar e redigir a atual Constituiçom. Nesta ocasiom os partidos da esquerda reformista e das burguesias periféricas sim podem participar plenamente (o PCE fora legalizado poucos meses antes), mas as organizaçons rupturistas e revolucionárias, tanto as das naçons oprimidas como da esquerda estatal, ainda nom estám legalizadas e estám submetidas a todo tipo de dificuldades na sua atuaçom política e eleitoral e à hora de transladar as suas mensagens em igualdade de condiçons, quando nom estám condicionadas e limitadas pola criminalizaçom e a repressom estatal e para-estatal.

Um processo, há que dizê-lo mais umha vez, que precisou da triste cumplicidade das organizaçons da esquerda reformista. Tanto PSOE e UGT como o PCE e CCOO aceitárom com gosto o seu papel na farsa contribuindo de maneira decissiva para a derrota popular e a frustraçom histórica. Apoiárom a monarquia, os Pactos da Moncloa, a Constituiçom e a Lei de Anistia. Traírom o republicanismo, o direito de autodeterminaçom, a memória e a justiça para @s combatentes antifascistas e a possibilidade de erguer umha alternativa ao capitalismo. Adaptárom-se perfeitamente ao novo contexto, o PSOE até governar como qualquer outro partido burguês e o PCE-IU cumprindo o papel de falsa alternativa na recámara. Mas nom só isso, também ajudárom a combater e deslegitimar a quem nom se somou ao circo e mantivo a dignidade revolucionária contra vento e maré.

Isto também é memória histórica e cumpre lembrá-lo, especialmente quando o PCE-IU se quer apresentar agora como um projeto que oferece umha “alternativa” indefinida, um republicanismo sem conteúdo social e umha alegada sensibilidade com a questom nacional (lá onde nom lhe fica mais remédio, claro está!). Umha mercadoria suspeita, mas que alguns setores da esquerda galega estám dispostos a comprar custe o que custar.

A armadilha de umha segunda transiçom

O debate sobre a Transiçom está a ganhar umha nova importáncia nos últimos anos, ao calor da crise de legitimidade do regime emanado da mesma por causa, como indicamos no início deste artigo, do crescimento do descontentamento popular derivado das conseqüências da crise capitalista, das duríssimas medidas antipopulares dos governos do PSOE e do PP, da evidência da corrupçom generalizada nas elites do regime e do avanço do processo soberanista catalám. Mais umha vez, a questom social e a questom territorial.

As referências à necessidade de umha segunda transiçom para o regime superar estes reptos som a cada vez mais habituais tanto na imprensa burguesa como de dentro dos partidos políticos dinásticos. Mais ainda após o aviso ao bipartidarismo que supujo o resultado das recentes eleiçons europeias, um resultado que levou o regime a acelerar os passos e mover ficha com a abdicaçom de Juan Carlos e a coroaçom de Felipe de Bourbon.

Propagandisticamente, o novo rei e chefe de Estado foi apresentado como umha pessoa preparada, membro de umha nova geraçom disposta e tomar as rédeas num contexto difícil e capaz de encabeçar umha nova etapa e renovar consensos.

Precisamente a morte de Adolfo Suárez fora aproveitada por alguns neste sentido, apelando à necessidade de novos “consensos” e laiando-se pola ausência de “grandes líderes políticos” capazes de guiar o processo “como durante a Transiçom figérom Juan Carlos de Bourbon e Suárez”. Uns posicionamentos públicos que nom som casuais, que sondam e preparam o terreno para umha nova fraude, para umha nova operaçom cosmética dirigida polas elites para garantir a continuidade dos seus interesses e do seu poder e neutralizar de novo as possibilidades rupturistas que o atual contexto oferece potencialmente.

As opçons som diversas e o nível de profundidade aparente desta hipotética “segunda transiçom” dependerá do medo que a oligarquia tiver a umha transformaçom real. O primeiro passo está a ser a mudança no seio da monarquia e, com matizes entre os diferentes setores, a defesa de umha reforma constitucional; mas, se isto nom for suficiente, o regime nom se descarta prescindir da coroa numha saída republicana controlada que dê aparência de ruptura. Nom é casual que a opçom republicana, até há pouco tempo oculta nos grandes meios e tabu para os principais partidos (curioso ver como até o PSOE fai piscadelas republicanas de quando em vez), volta agora ao debate nos ámbitos oficiais.

No tocante à questom territorial, o regime também se debate entre o imobilismo total e as propostas de reformulaçom do sistema autonómico, com apelos ao federalismo por parte de PSOE e IU, mas sempre negando o direito de autodeterminaçom às naçons oprimidas. A ideia é atingirem um novo pacto com as burguesias catalá e basca e debilitarem até anularem as atuais demandas e processos soberanistas e os que podam conformar-se no futuro. Umha repetiçom da armadilha dos Estatutos de autonomia.

É a nossa tarefa denunciar e combater a possibilidade de umha nova fraude que frustre as possibilidades de umha ruptura favorável à Naçom Galega e ao seu povo trabalhador. Para isso, temos que dar com mais força a batalha ideológica contra as posturas favoráveis à “segunda transiçom” e, sobretodo, contribuir para a construçom de um movimento popular amplo por umha ruptura própria, galega e popular. Porque o nosso povo sim tem forças para o fazer.

Fonte: Primeira Linha.


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