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Alexandre Banhos

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Em coluna

Que prioridades na cooperação lusófona

Alexandre Banhos - Publicado: Quarta, 23 Abril 2014 09:35

Pouco se pode dizer da Galiza sobre a nossa cooperação lusófona no âmbito das Instituições.


Por um lado estamos aqui, entidades lusófonas da Galiza, que como é óbvio, temos um posicionamento muito claro neste campo e trabalhamos todos os dias para estarmos presentes e fazermos achegas e colaborações e participações no âmbito da Lusofonia, ajudando à criação de redes lusófonas abrangentes de todos, e disso é bom exemplo, esta nossa presença neste II congresso da Cidadania Lusófona1.

Também não é casual que o órgão de governo da Fundação Meendinho a que presido, esteja constituído por galegos e portugueses. 

Com certeza que o papel da Galiza no âmbito da Lusofonia tampouco deveria ser o mesmo de Goa e Macau, pois a Galiza é o elemento gerador de Portugal e em definitivo da Lusofonia toda, como exprimiu muito bem o historiador Alexandre Herculano numa famosa entrevista no Jornal “O Primeiro de Janeiro” do Porto, com a sua frase: “Portugal foi a criação do génio galego”, que cito de António Sérgio , na sua obra “Breve interpretação da história de Portugal”. 10ª ed. Lisboa : Livraria Sá da Costa, 1981.

 Quando falo da Galiza como geradora de Portugal, – como quando falava Alexandre Herculano –, não estou a falar da Galiza que hoje existe sob Espanha. a qual sendo só uma pequena parte. acabou por usufruir o nome. Porem falo de uma Galiza histórica, que abrangia do mar Cantábrico a bem mais para sul da atual Coimbra.

No ano de 914, no avanço da reconquista para o sul, fundava-se o Mosteiro de Lorvão e na sua ata fundacional figura In finibus Galaecia. E essa Galiza que usufruiu o nome está representada neste congresso pela instituição a que presido e a Associação Pro-Academia Galega da Língua Portuguesa

 A cabeça dessa Galiza que gerou Portugal, era Braga e por ser cabeça da Galiza nessa altura é pelo que Braga continua a ser a Diocese Primaz de Portugal.

O compostelanismo e a sua visão da península, e o seu enfrentamento – para tirar o poder de Braga –, está no cerne do nascimento de Portugal, esse milagroso e providencial facto que nunca poderemos agradecer bastante, os galegos e galegas – os bons e generosos – que hoje usufruímos o nome.

Sem a existência de Portugal e sua obra, quer dizer, se, pelo contrário, o modelo do compostelanismo tivesse sido o triunfante em todo o nosso espaço identitário ocidental, hoje estaríamos muito provavelmente todos perante uma realidade não muito além da que sofreu o espaço cultural e linguístico asturo-leonês, do qual provavelmente o pequeno espaço do mirandês em Portugal seja o espaço cultural desse âmbito mais vivo, reconhecido e protegido. E não estaríamos em congressos como este, a ver com a construção de uma cidadania lusófona.

O âmbito das instituições

No âmbito das instituições, a Galiza infelizmente, como aliás, se passa com Goa, Macau e Malaca, não dispõe de capacidade para tomar uma posição nesse âmbito, estando como está constrangida por Espanha, que é quem determina a sua política de relacionamento, no nível internacional.

E isso, por não reunirmos as condições da estatalidade, é dizer, de sermos mais um estado lusófono, embora essa estatalidade for, como não pode ser de outro jeito, com todas as limitações que hoje tem essa categoria no âmbito internacional, ele tão travado de redes de relações e de cooperação, acordos e tratados intergovernamentais, ou com organismos de novo estilo v.g. o da doutrina Jean Monet – como foi o da Comunidade do Carvão e do Aço que veio a dar na nossa atual União Europeia.

Galiza limita-se a uma comunidade autónoma espanhola, a que se furtaram espaços territoriais, o espaço conhecido como Faixa-leste, que faz parte das Astúrias e de Castela-Leão, espaço do qual quero lembrar que no estatuto autónomo do território referendado na II República espanhola se traçava o caminho para a sua reintegração e reincorporação à Comunidade autónoma. Porém, essa República foi morta a sangue e fogo – tudo em desmesura –, e os que a mataram e seus epígonos, negociaram a sua intocabilidade na recuperação da democracia, e limites muito marcados aos espaços, na estrutura provincial (distrital) espanhola.

As províncias espanholas são uma estrutura da organização centralizada do Estado, e não espaços conformadores de realidades doutro tipo2. É bom lembrar que o nascimento dessas províncias foi o primeiro entrave que deu lugar a uma resposta a partir da Galiza no século XIX, estando isso nas origens do moderno galeguismo.

Além disso, as forças madrilenas foram firmes em evitarem que a Galiza recuperasse as suas instituições estatutárias e republicanas do exílio, e a Galiza salvo seis escassos anos do seu período autonómico, sempre foi governada, em todos os seus extremos e cantos, por partidos a afirmarem a supremacia do madrilenismo-castelhanismo, o qual se traduziu em políticas culturais e linguísticas onde se visa ligar o português da Galiza ao romance peninsular central, dialetalizando-o, e afastando-o do mundo lusófono; quer dizer, nacionalizando e estatalizando o nosso português da Galiza, como só mais uma língua “espanhola”.

Neste mês de abril – no dia oito – foi publicada a Lei 1/2014, Para o aproveitamento do relacionamento com o português e dos vínculos com a Lusofonia, aprovada por unanimidade do Parlamento da Galiza, e cuja realidade deve-se, em não pouca medida, ao empenho de entidades lusófonas como as que participamos neste II Congresso.

Essa Lei abre o caminho à presença da nossa língua na Galiza, - na sua farda portuguesa e internacional, a da Academia Galega da língua Portuguesa – e à participação da Galiza institucional no âmbito lusófono.

Porém é uma lei que do ponto de vista jurídico, quer dizer, dos elementos que conformam uma lei, carece do elemento da sua exigibilidade, o elemento coativo que carateriza as leis, pelo que aguardemos que não acabemos mais uma vez num desideratum, num anseio que não se realiza, e o seu possível sucesso, seja mais um miragem, não sendo que a Lei acabe fazendo parte, não de um projeto galego, e sim do projeto espanhol de incutir-se, vender-se, e influir na Lusofonia.

As nossas prioridades na cooperação lusófona

Para a Galiza o prioritário na cooperação lusófona, é o sucesso da Lusofonia no âmbito internacional, com todos os efeitos benéficos que isso pode trazer para a Galiza, que não são poucos, e que nalguns campos vão além do que de bom tem esse princípio benéfico, no resto do espaço lusófono.

 Além disso, a Galiza faz parte de um espaço de integração e cooperação comum com Portugal, – por ser espanhola e a Espanha também fazer parte desse espaço –, estou a referir-me ao espaço da União Europeia.

A União Europeia é muitas coisas, agora fraturada numa eurolândia sob a égide alemã e o resto.

Mas há um ponto que informou substantivamente o seu nascimento, a luta contra as guerras intraeuropeias. Acredito que isso é o seu cerne, o seu primeiro valor. A União Europeia desde os começos aparece como uma garantia de que no seu espaço os problemas, conflitos entre Estados e outros, têm de se resolver sempre de modo pacífico.

 Isso fazia parte do objetivo ideológico dos fundadores, o de acabarem com a sangria contínua de guerras que se davam no espaço europeu, com milhões e milhões de mortos (só na primeira metade do século XX, mais de 100 milhões de mortos) e inúmeras destruições, todos ajustando contas com os vizinhos, submetendo-os, dominando-os, roubando-os, exterminando-os, ou lidando sobre a quem temos que colocar círios nas igrejas; ou discutindo a destruição, dominação e colonização do resto do espaço terrenal, e na procura de um intangível, o do sempre esbatido e difuso equilíbrio europeu entre as potências que houver em cada altura.

Aliás, isso complicou-se pelo progresso científico-técnico, que fez que a destruição seja muito mais efetiva e o assassinato acabou industrializado3.

Tudo isso fazia que o espaço europeu não pudesse definir-se como de Paz, pois a Paz era apenas esses períodos que ficam entre o estado normal de guerras entre vizinhos, colegas e amigos, e onde muito pouco cumpria para incendiar as relações e estar de novo na baila da guerra.

Desde a II Grande Guerra e a criação do projeto europeísta, que não é intergovernamental, e isso é a chave da doutrina Jean Monet (o grande ideólogo do seu nascimento), vão lá 69 anos de paz, com só pequenos arranhões na periferia dessa construção; o caso jugoslavo, onde o de se afirmar o domínio de uns povos sobre outros e redefinir as relações internas, incendiou um espaço anterior de respeito e cordialidade, e há de ser finalmente o espaço da União Europeia, o que os acabe tornando à cordialidade.

Esse período de 69 anos, comparado com a anterior história de breves períodos de paz, mesmo parece uma miragem.

Mas essa longa história de guerras e enfrentamentos criou modelos de relacionamento entre Estados e até tiques diplomáticos em muitos países, que ainda se arrastam pelo novo espaço europeu, como se se aguardasse trovões e lôstregos4, desses vizinhos, antes sempre a ameaçarem.

Portugal, é um Estado que soube gerir de maneira excelente a sua situação, pois convivendo com um dos Estados mais agressivos e imperialistas, aliás com o único com que tem fronteira, Castela-Espanha, conseguiu sobreviver centenariamente, e sair com pequenos esgaçamentos das muitas agressões que teve de enfrentar.

Portugal, muitas vezes por malucos portugueses, soube criar em todas as situações problemáticas alternativas viáveis e de sucesso. Após Aljubarrota. Após o domínio Filipino e a brilhante restauração, em que Portugal se converteu, viradas as costas ao resto da península, no centro de um mundo. Após a independência do Brasil e a guerra civil coroada com o seu Pedro IV e uma das constituições melhores da Europa no século XIX, etc., etc.

Portugal foi quem de criar um mundo pluricontinental para a nossa língua convertendo-a em uma das línguas internacionais. A língua nossa já não é a língua de Portugal. Portugal é agora só mais um parceiro, e não o mais importante, nem economicamente nem demograficamente.

A Língua nossa é de todas as pessoas que a falamos por todos os cantos do mundo, é, como dizia Pessoa, a nossa pátria verdadeira. Essa pátria é diversa nos sotaques, mais tem que ser UNA. A diversidade intrínseca interna das línguas plurinacionais não pode empecer o sentirmo-nos todos nela da mesma pátria, nem ser causa de entraves localistas que a coloquem numa posição subordinada a respeito doutras línguas internacionais concorrentes.

O planeta é hoje mais pequeno, não há espaços para colonizar, civilizar ou explorar. O sistema internacional ganhou em interações, e os Estados – até os mais poderosos – já não agem em praticamente nada absolutamente livres e sem terem em conta outras vontades.

Para a Galiza, para o povo galego, é fulcral o jogo que faça Portugal no quadro europeu. É fulcral o sucesso de Portugal em todos os campos. Quanto mais grande for o sucesso de Portugal, e o seu compromisso e empatia com os problemas da sua língua – por toda parte–. e nomeadamente com os problemas da Lusòfonia no quadro europeu, mais poderá tirar de proveito a Galiza.

O quadro europeu, é esse quadro onde as questões se têm de arranjar de maneira pacífica, e não é possível outra maneira, os Estados não podem tomar medidas de nenhum  tipo unilaterais sobre outros Estados, pois a União Europeia não é o resultado de acordos intergovernamentais, e sim uma estrutura doutro tipo, a quem os Estados transferiram competências no quadro dos tratados, e essas competências já não são suas, dos Estados originários.

Portugal nesse quadro, nas relações peninsulares, continua com tiques que foram elementos de sucesso na sua longa história. Porém, agora já não se pode agir sem que os outros ajam também, até no interno do Estado.

Empresas de um ou de outro lado instalam-se por toda a parte ou até ocupam espaços que no século XIX se diria que constituem o cerne da segurança nacional. As empresas todas têm nação, isso da desnacionalização das empresas transnacionais é piada para incautos.

Portugal continua a perceber as relações peninsulares como cousa de dous. As cimeiras ibéricas pouca mais-valia estão a fornecer a Portugal, antes pelo contrário, ao manter tiques do passado com o poderoso vizinho. Portugal não foi capaz de usar essas cimeiras nem para trazer à tona e resolver de vez a vergonhosa e ilegítima ocupação de Olivença. As relações intrapeninsulares é preciso vê-las sempre no contexto europeu.

No contexto europeu, não despareceram velhos conflitos. Espanha é mesmo bem firme na questão de Gibraltar, ainda que a pertença de Gibraltar ao Reino Unido é absolutamente legítima de acordo com os tratados. Na Sentença do Tribunal Europeu sobre as seleções de futebol e a oposição radical de Espanha à existência da seleção de Gibraltar, sofreram um grande revés jurídico, mas isso não deu para mudarem o compasso da revindicação; nem isso empece que o relacionamento hispano-inglês seja bom, como não poder ser de outra maneira no novo quadro, salvo asneira. No caso de Olivença passa exatamente o contrário de Gibraltar; porém, os velhos tiques adquiridos fazem que não se formule a solução para o problema.

No contexto europeu temos pequenos Estados, como o caso da Hungria, que são muito ativos na defesa da sua língua para as minorias que a têm por própria noutros Estados: Eslováquia, Roménia, Sérvia, Áustria e Ucrânia. Como se ouviu a sua voz, há bem pouco, quando o Maidam no poder agora na Ucrânia modificou o reconhecimento da diversidade linguística e a oficialização das diversas línguas no território onde forem faladas. Pois bem, isso faz parte do consenso nacional dos magiares, e até está inscrito na sua Constituição. Como está inscrita na Constituição portuguesa no seu artigo 7.3  que "Portugal reconhece  o direito dos povos à autodeterminação e independência e ao desenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as formas de opressão". Porém, sem de momento modificar ações e comportamentos, ainda que exista um solene mandato legal para o fazer.

Um dos alicerces dum projeto de Portugal de futuro tem que estar alavancado na língua e na projeção lusófona e da Lusofonia. E Portugal tem de adotar um posicionamento pró-ativo na defesa dos lusófonos no quadro europeu, que não significa questionar realidades doutros Estados, mas defender os da comum pátria pessoana.

Se a Galiza sob Espanha não for percebida por Portugal como um território com a língua comum, e na que ela está verdadeiramente ameaçada sob políticas muito ativas e agressivas para a banir – Olivença pode ser bom exemplo, com a limpeza étnica realizada na sua nacionalização espanhola –, a Galiza acabará funcionando como uma alavanca espanhola de enfraquecimento e debilitamento e erosão de Portugal.

Os galegos e galegas, os lusófonos europeus todos, necessitamos de um Portugal forte e com um projeto nacional abrangente e de futuro.

Há neste momento, devido a duras circunstâncias, um pessimismo tenebroso em muitas cabeças das elites5 envergonhadas portuguesas,  e do povo – um dos mais nobres povos do mundo –. Porém, podemos ver as circunstâncias como uma oportunidade, uma necessidade de repensarmos o sermos no mundo, e pensarmos oportunidades, medidas e outras questões a tomar para que esse projeto nacional de futuro, forte e abrangente seja uma realidade.

Da Galiza, que já disse que necessitamos desse Portugal para termos futuro, da Meendinho, gostaríamos de começar a fazer algumas sugestões numa proposta de reforma do Estado, mas não é esta a altura mais indicada nem a adequada.

Já que logo quero convidar o MIL, o PASC, a Sociedade Geográfica Portuguesa e tantas instituições aqui participantes, a convocarem umas jornadas para debater, fazer achegas, fazer propostas, para o novo Portugal alegre, firme e abrangente e satisfatório para a sua população que todos necessitamos. O processo poderia ser divido em áreas de trabalho, e em cada uma delas ir fazendo-se estudos e debates prévios, para termos claros os campos fracos e fortes, para medidas a adotar, e logo pondo propostas em comum, que há que fazer que sejam mobilizadoras das energias do povo de Portugal.

Notas:

1 Já tive a honra de representar a Fundação Meendinho no I Congresso de Cidadania Lusófona: http://www.academiagalega.org/images/stories/2013/20130403_alexandre_banhos_discurso_cidadania_lusofona.pdf.

2 É bom lembrar, hoje que se ouve tanto falar da Catalunha, que o seu estatuto de autonomia da Segunda República incorporou ao espaço da província de Lérida/Lleida a parte de língua catalã de Aragão, o que chamam na geografia da Catalunha Franja de Ponent. E o primeiro que vai fazer a ditadura foi reduzir o seu território.

3 O processo de extermínio nazista de populações em campos onde o assassinato foi industrializado.

4 Forma antiga do português, viva no norte e na Galiza para a palavra acadêmica raio – resplendor produzido por descarga elétrica numa tormenta. Raio em português, e nesse contexto, é palavra de origem castelhana.

5 Muitas das elites portuguesas agem envergonhadas, como se em realidade quiserem ser outra coisa.

*Intervenção no II Congresso sobre a Construção da cidadania lusófona. Lisboa 15, 16 de Abril 2014.


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