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António Santos

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O Fantasma de João Mau-Tempo

Visca la Terra!: Espanha, prisão de povos?

António Santos - Publicado: Quinta, 03 Abril 2014 16:50

Numa sentença manifestamente política e decorada com argumentos políticos, o Tribunal Constitucional espanhol decidiu, no passado dia 26 de Março, vetar a declaração de soberania da Catalunha.


A peregrina decisão de anular juridicamente uma declaração eminentemente política não traz surpresas - já sabíamos do que o Estado espanhol é feito - mas captura a essência da sua fotografia política: um estado em acelerada decadência nacional, histórica, económica e política, que como o rei Pélias da mitologia grega, vive no medo constante de perder o que injustamente arrebatou.

Não escamoteando elementos menos negativos da sentença, como a decisão de não vetar, no abstracto, o «direito a decidir» ou a sugestão de modificar Carta Magna, o Tribunal Constitucional pretende asfixiar as aspirações do povo catalão a decidir livremente sobre o seu futuro. Valendo-se dos artigos 1.2 e 2 da lei suprema do estado, os 12 juízes recordaram unanimemente a «indivisível unidade» do Reino de Espanha para negar o «sujeito jurídico e político» dos Países Catalães.

O veto constitucional chega num momento em que mais de 60% dos catalães defende a independência desta nação oprimida e enfrenta-se a uma sólida maioria política e social. Mal a decisão se fez saber, a maioria soberanista do parlamento (CiU, ERC, ICV-EUiA e CUP) reagiu a uma só voz e garantiu que o curso da autodeterminação não será constrangido pela tentativa de tutelar por via jurídica a vontade política de um povo. A favor da sentença, apenas se pronunciou a extrema-direita (PP e Ciutadans) enquanto que o PSC optou por retocar uma vez mais a velha maquilhagem de ambiguidade.

Espanha: prisão de povos?

Para compreender a ânsia independentista dos catalães e a sanha estatal de a frear é necessário entender o estado espanhol como a invenção extraordinariamente artificial de uma aristocracia excepcionalmente reaccionária. Não é fortuito que ao contrário de Portugal, que nunca suportou uma experiência relevante de secessionismo, Espanha sempre tenha sustido a unidade territorial por meios militares (ainda de acordo com a presente Constituição). Conquanto como em muitos outros estados de génese medieval as fronteiras espanholas sejam o produto de uma aritmética de conquistas, invasões e ocupações, em Espanha a afirmação do estado moderno fez-se com especial dificuldade. Pelo temperamento retrógrado das suas classes dominantes e pela heterogeneidade dos povos que habitam os reinos subjugados, a centralização do estado rubro e fulvo chega serôdia e incompleta e a assimilação das culturas dominadas é particularmente sangrenta e ineficaz.

Isto é especialmente válido para a Catalunha, que ainda em 1640 enfrentava a Guerra dos Segadores, obrigando o estado espanhol a escolher entre sufocar a revolta dos catalães ou a dos portugueses. Sem meios militares para manter os dois pássaros na mão, Espanha deixa voar o Portugal filipino, pelo que não seria arriscado dizer que Portugal deve um pouco da sua soberania à Catalunha. Perdida a soberania, só um século depois, em 1716, é que com os Decretos da Nova Planta são dissolvidos os antigos foros e liberdades catalães.

Independência e Socialismo

Arrastada durante séculos pelos rodapés da historiografia estrangeira, a cultura catalã tem sido maltratada até aos nossos dias: a sua língua foi proibida por Franco, as suas tradições criminalizadas, os seus anseios ignorados. Numa palavra, o que predispõe o povo da Catalunha para a independência é um sentimento visceral de humilhação e a repulsa pelas instituições de um estado anacrónico, brutal e obtuso. Um Estado cuja constituição proíbe as nações históricas de decidir para continuar a esbulhar o património público e empobrecer os trabalhadores, súbditos de um monarca acima da lei e designado por um ditador fascista.

É verdade que cada vez mais trabalhadores catalães pesam a hipótese de um novo estado como parte da solução para a miséria a que sucessivos governos os votam. É verdade que tenebrosas forças de direita e extrema-direita, sustentadas pelo grande capital catalão, jogam com as genuínas sensibilidade nacionais para diluir a luta de classes em nacionalismos espúrios. Mas também é verdade que, historicamente, a burguesia catalã nunca quis verdadeiramente a independência, agitando-a apenas como arma de arremesso ou moeda de troca. E, sobretudo, é verdade que são muitos os comunistas consequentes que defendem que na Catalunha nem o socialismo é possível sem a independência nem a independência é possível sem o socialismo.


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