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Joycemar Tejo

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Elogio da dialética

A marcha fundamentalista

Joycemar Tejo - Publicado: Domingo, 21 Abril 2013 20:48

O obscurantismo religioso avança a passos largos no País, e não é preciso ir longe para perceber.


Basta que se veja a proliferação de igrejas evangélicas nas ruas, bairros e cidades do Brasil, a ponto de alguém, no Facebook, lembrar que quem possui trabalho de base nos dias de hoje não são as organizações de esquerda, e sim as religiosas. Essas têm a inserção nas massas que aquelas deixaram de ter. Assim, as teologias da prosperidade, que enxergam o diabo em tudo que é diferente e divergente, tendo a frente "pastores" e "bispos" vociferadores, ganham mais e mais adeptos.

Não se quer aqui vilipendiar a crença alheia, nem restringi-la. A liberdade religiosa é direito fundamental, conforme o art. 5º, VI, da Constituição brasileira, e é bom que assim seja. Mais do que isso, não se pode achar, de um ponto de vista marxista, que o combate aos preconceitos religiosos seja tarefa simples, como se tal combate, no espírito das massas, não passasse por um longo e paciente trabalho de esclarecimento (1). Que seja respeitado, pois, o direito à crença, na medida e pelo prazo do desenvolvimento histórico próprio a cada cultura. Mas é preciso denunciar o fato de que tal liberdade, outorgada ao religioso, é negada, nesse mesmo discurso religioso, à maioria dos mortais. E não poderia ser diferente: se somos o "povo eleito", por exclusão os demais não o são; cria-se uma hierarquia nas "preferências" divinas. Se só Jesus salva, os devotos de Oxalá e Krishna estão perdidos. E quando é dito que fora da Igreja não há salvação? E, apesar de repetir que Deus é "indulgente e misericordioso" (2: 54, por exemplo), o Corão é repleto de ameaças aterrorizantes sobre a eternidade no lago de fogo para os infiéis. As religiões têm a pretensão da verdade- isso quer dizer que quem não comungue do mesmo credo está na mentira. E é um dever divino impor a verdade, mesmo que o infiel não queira isso!

John Rawls, filósofo do liberalismo igualitário (2), diz que os intolerantes devem ser tolerados enquanto não ameaçarem concretamente aos tolerantes. Isto é, apenas quando a intolerância estiver prestes a desestabilizar as instituições é que deve ser combatida. Adotando esse pensamento, será que não estamos próximos, ou se já não chegamos, a esse ponto de atrito? Reiteradamente observamos como o discurso religioso tem pautado as discussões políticas, aqui no Rio de Janeiro (3) (4) e no Brasil, do que é sintomática a nefanda presença do pastor Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Ah, o deputado é um capítulo à parte! Deus, em sua teologia, não só é responsável pela morte de John Lennon e dos Mamonas Assassinas (!), como a África é amaldiçoada, e os negros, "desde o tempo de Noé". Que esse cabedal de estultices fique restrito às portas fechadas de um culto já é muito, mas tolerável (lembremos de Rawls); mas é inadmissível que venha, à luz do dia, para o Parlamento. E nem adianta o deputado-pastor dizer que não mistura as coisas, que "lugar para falar de Jesus é na igreja". Não se pode cindir a personalidade; o indivíduo é o mesmo. O presidente de uma comissão que defende o negro do preconceito é o mesmo pastor que considera o negro amaldiçoado.

Não se pode, reitero, cair no extremo oposto, o da antirreligiosidade infantil. A religião historicamente também é um manancial de inspiração- lembremos a poesia profunda do Bhagavad Gita, do Ramayana, dos sufistas e o exemplo engajado dos padres da Teologia da Libertação. Como fenômeno superestrutural que é, também pode, e Garaudy insiste nisso, servir de instrumento de emancipação. A crítica que deve ser feita, então, é menos à religião enquanto fenômeno cultural e mais ao seu aspecto fundamentalista.

"Não existe alavanca que possa de um só golpe elevar a cultura" (5). A superação do obscurantismo, da superstição, é tarefa árdua e, evidentemente, tem relação com as bases materiais da sociedade. Objetivamos a evolução, mas o retrocesso nos bate às portas. É preciso despertar para o problema antes que sejamos todos, os infiéis, queimados nas fogueiras.

Notas:

(1) Vladimir Lênin, "On the Significance of Militant Materialism" - http://bit.ly/Z8BKMX

(2) Portanto entre dois fogos. Os liberais ortodoxos, como Nozick, acusam a teoria de Rawls de não ser liberal o suficiente; por sua vez, a esquerda critica em Rawls sua deficiência no aspecto igualitário.

(3) "RJ: Cabral sanciona lei da moral e bons costumes, de Myrian Rios" - http://bit.ly/VwMd1U

(4) "Fundamentalismo religioso ocupa a pauta da Alerj" - http://glo.bo/15lBHRm

(5) Leon Trotsky, "O Homem Não Vive Só de Política" - http://bit.ly/178brIA


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