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Gustavo Henrique Lopes Machado

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Alétheia

Yoani Sánchez e a esquerda tico e teco

Gustavo Henrique Lopes Machado - Publicado: Domingo, 24 Fevereiro 2013 17:19

"Os pequeno-burgueses democratas apenas desejam que eles[os assalariados] tenham salários mais altos e uma existência mais garantida e esperam alcançar isso facilitando, por um lado, trabalho aos operários, através do Estado, e, por outro, com medidas de beneficência. Numa palavra, confiam em corromper os operários com esmolas mais ou menos veladas e debilitar sua força revolucionária por meio da melhoria temporária de sua situação". Karl Marx, Friedrich Engels - Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas


Os últimos anos foram marcados por uma série de processos nada tranquilos para o capital. Crises de grande magnitude eclodiram no coração do capitalismo mundial, o Estados Unidos e a Europa. Manifestações irrompem a todo momento no velho continente que amarga índices de desemprego que remetem ao já longínquo período do pós-guera. Ao mesmo tempo, uma série de revoluções derrubam, uma a uma, as ditaduras do mundo árabe. Em paralelo a estes acontecimentos de longo alcance diversos setores da esquerda, para fazer frente a estes processos, desenvolveram um sofisticado mecanismo para caracterizar e guiar a sua ação em cada um destes acontecimentos específicos que se desenrolam mundo afora. Trata-se da inovadora fórmula: se setores da direita, em particular aqueles associados ao imperialismo, disseram sim, dizemos não; se disseram não, dizemos sim.  Vejamos alguns exemplos elucidadores. Se a ONU, em algum momento, apoiou a queda do ditador Kadafi na Líbia, vamos apoiar o ditador Kadafi. Se a ONU apoia a queda do ditador Assad na Síria, vamos apoiar o ditador Assad. Se Aécio Neves e Jair Bolsonaro apoiam Yoani Sánchez em suas críticas contra o governo cubano, a conclusão é evidente. Vamos atacar unilateralmente Yoani Sánchez e defender o paraíso socialista de Cuba e o amado comandante Fidel. Vivemos em um momento privilegiado. Houve épocas em que, bem ou mal, as posições eram tomadas baseadas em reflexão e elaboração. Trata-se de um momento superado. Agora basta colar o olho nas ações da direita e defender o contrário. Foi necessário cerca de 150 anos de desenvolvimento do marxismo para que chegássemos a esta fórmula suprema que só necessita de duas variáveis, que só necessita de dois neurônios, o tico e o teco. Vejamos mais de perto a eficácia deste método, a começar pelo caso da blogueira cubana.

Na quarta feira, dia 20 de fevereiro, chegou ao Brasil a cubana Yoani Sánchez, que tornou-se mundialmente conhecida através de seu blog, Generación Y, caracterizado por denunciar a ausência de liberdades democráticas na ilha, a hegemonia da imprensa pelo partido único e a perseguição aos opositores do regime. Sua chegada foi marcada por uma série de protestos animados pela UJS/PCdoB, PCR, PCB e outros pequenos agrupamentos. Tanto nestas manifestações, como pela internet, estes grupos atacaram impiedosamente a blogueira, acusada de agente da CIA à serviço da destruição do suposto socialismo cubano. Em meio a esta histeria, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado publicou um dos poucos textos lúcidos sobre o tema, Quem tem medo de Yoani Sánchez?(1), em que se diferencia da posição liberal dita “capitalista sui generis” assumida pela cubana, mas endossa a justeza das revindicações democráticas por ela propagada e a necessidade da esquerda entrar na disputa com os liberais pelas pautas democráticas demandadas pela ilha. Esta posição, segundo a fórmula suprema já mencionada, foi associada a uma defesa do império. Este texto provocou um verdadeiro alvoroço entre diversos agrupamentos de esquerda. Somadas as críticas ao modelo de estatizações promovidas por Hugo Chávez e a defesa das revoluções na Síria e na Líbia por esta mesma organização, a sentença estava dada: foi confirmada a identidade entre as posições do PSTU e as do imperialismo. Seria possível levar a cabo uma análise efetiva da realidade com um raciocínio binário? Infelizmente, apesar dos elementos sofisticados que compõem este método, ao que nos parece, aqueles que só são capazes de pensar com duas variáveis não poderão jamais compreender o significado dos acontecimentos históricos mais elementares. Vejamos algumas situações.

Primeiramente, aquilo que comumente é chamado de direta não é um campo homogêneo destituído de conflitos e de posições diversas, muito embora estejam todos, de uma maneira ou de outra, a serviço do capital. No Brasil, Getúlio Vargas por diversas vezes entrou em conflito com as grandes potências da época por se opor a uma concepção liberal e garantir o monopólio estatal na exploração de importantes recursos naturais, como o petróleo. Isto não o impediu de, simultaneamente, reprimir todas organizações de esquerda durante o Estado Novo e fazer dos sindicatos um braço paternal do Estado. Já o governo de Jucelino Kubichek, cujo mandato ficou marcado justamente pela abertura do mercado brasileiro ao capital estrangeiro, foi o primeiro e o único no Brasil, até o presente momento, a romper com o Fundo Monetário Internacional (FMI), por desacordos em torno dos níveis de inflação do país. Inúmeros outros exemplos poderiam ser enumerados. A realidade não comporta esquemas e simplificações grosseiras. Tampouco no bizarro NÃO-PENSAR dos diversos agrupamentos de esquerda no Brasil, cujas posições são centradas na mera contraposição as ações do inimigo. Afastam-se do conteúdo social de cada processo e conduzem sua ação baseadas unicamente nas inúmeras formas de manifestação destes mesmos processos.

Uma analise mais ampla das repercussões em torno de Yoani Sánchez já revela o que apontamos no parágrafo anterior. Baseado em relatos da escritora Adela Soto Álvarez(2), uma cubana exilada na Flórida, o site brasileiro Mídia Sem Mascara, conformado por articulistas reacionários que defendem abertamente o golpe de 1964, atacam Yoani Sánchez de ser uma agente de desinformação do governo cubano(3). Questionando o nível de vida relativamente elevado que Yoani levaria em Cuba, o financiamento de suas atividades e a suposta facilidade que sempre encontrou para publicar seus materiais, tanto alguns opositores ao regime dos Castro na Flórida, como o grupo conservador brasileiro, sustentam  que por trás da oposição de Yoani ao governo castrista estaria implícito uma imagem que expõe  uma certa liberdade de expressão e oposição na ilha, assim como um nível de vida superior aquele da imensa maioria da população de seu país. Para este grupo, servindo de muitos argumentos que outros preferem ver uma agende da CIA, o papel da blogueira é servir ao governo de seu país como agente de desinformação, ocultando uma realidade muito mais penosa para os opositores ao regime. Neste sentido, seguindo a linha binária de nossos esquerdistas-castristas, atacar Yoani Sánchez seria seguir a linha dos opositores gusanos da Flórida ou da extrema direita brasileira. Ao que parece, na esteira da fórmula suprema dos esquerdistas tico e teco caímos em uma contradição insolúvel, defender a blogueira significa se aliar ao império, porém, atacar a blogueira significa se aliar aos setores mais reacionários do país.

Neste sentido, pensamos que antes de pautar a análise em suposições carentes de evidências empíricas convincentes, seja a informação de agente da CIA a serviço dos Estados Unidos ou agente castrista a serviço do governo cubano, o que importa aqui é buscar o sentido histórico das revindicações da blogueira, isto é, o regime de partido único instaurado em Cuba, a inexistência de liberdades de organização e de sindicatos autônomos, condições sem as quais não é possível pensar em uma autêntica revolução social. É evidente que, para muitos, a revolução cubana já aconteceu, então trataria exclusivamente de preservá-la. Todavia, esta concepção esconde alguns incompreensões de ordem histórica que só mencionaremos, aqui, rapidamente. É incontestável os avanços da revolução cubana em seus primórdios, mas estas não foram obras impulsionadas pelo seu governo, mas conquistas do povo cubano. Sabemos que a tomada do poder pela guerrilha em 1959 foi pautada em marcos puramente nacionalistas, sabemos que Castro tentou dialogar com os Estados Unidos antes de se ver obrigado a estabelecer relações com a URSS. Sabemos, também, que seu governo jamais teve a intenção de expropriar, por exemplo, as plantações de cana de açúcar etc... Por outro lado, já faz tempo que as conquistas da revolução escoam pelo ralo. Desde os anos 90 ocorre uma acelerada abertura econômica. No turismo, esta abertura acirrou as desigualdades sociais, foi legalizada a propriedade privada dos imóveis e mais de 1 milhão de funcionários foram despedidos colocando fim a estabilidade no trabalho e criando um exército de reserva para os investimentos privados que se ampliam dia após dia na ilha. Como se vê, o socialismo cubano é apenas uma caricatura que serve aos interesses do capital na exata medida que atrela o socialismo, para muitos, ao autoritarismo, a pobreza e a limitação das liberdades individuais. Neste sentido, aqueles que sustentam o mito do socialismo cubano jogam ao lado do imperialismo e do capital.

Outro exemplo recente, no qual prevaleceu as caracterizações binárias acima mencionadas, foram as estatizações realizadas por Hugo Chávez em algumas empresas venezuelanas. A esquerda tico e teco enalteceu o presidente venezuelano pelo que seria a implantação do socialismo do século XXI. Por outro lado, as críticas dos revolucionários direcionadas à Chávez por ter pagado pelas estatizações  - uma transação de mercado como outra qualquer - e por estas medidas se desenvolverem sem qualquer participação e controle dos trabalhadores, que apenas trocaram de empregador, foram tomadas como críticas similares as do império. Hilário! É possível colocar lado a lado os que defendem o capital privado com aqueles que defendem o controle da produção pelos trabalhadores? Não estaria as estatizações chavistas, como meras transações de mercado, separadas da ação consciente da classe trabalhadora, muito mais próximas da exploração capitalista típica? O que difere as medidas chavistas das diversas estatizações que já aconteceram sob administrações burguesas, como aquela do canal de Suez no Egito de Nasser? Para estes, pouco importa o conteúdo da crítica, segue da fórmula enunciada no primeiro parágrafo que o governo venezuelano é incriticável, uma vez que setores da direita também o criticam.  Pouco importa se, em um caso, trata-se de atacar o governo por não aderir integralmente ao livre mercado, e no outro, por estar atuando inteiramente no interior das leis do mercado. Mas passemos para outros exemplos históricos.

Como se sabe, não foram apenas esquerdistas que lutaram contra a ditadura militar no Brasil, diversas instituições e agrupamentos de cunho liberal defendiam muito antes de 1985 o fim da ditadura militar. Entre eles, estão muitos daqueles que conformariam, anos depois, o PSDB e mesmo a revista Veja. Evidentemente, disto não se deduz, a maneira do raciocínio binário, que todos aqueles que lutaram pelo fim da ditadura militar no Brasil em 1985 eram agentes liberais de direita. A postura dos revolucionários consistia exatamente em fazer avançar o processo para além da democratização, fazer da revolução democrática não a consumação da revolução, tampouco negá-la, mas transformá-la no ponto de partida de uma revolução social. Neste sentido, a postura de democratas e revolucionários não se confundem. Este aspecto já era nítido para Marx em 1850, para ele “a atitude do partido operário revolucionário em face da democracia pequeno-burguesa é a seguinte: marchar com ela na luta pela derrubada daquela fração cuja derrota é desejada pelo partido operário; marchar contra ela em todos os casos em que a democracia pequeno-burguesa queira consolidar a sua posição em proveito próprio”. Posto isto, vale dizer que nenhuma organização estará a serviço da construção de uma sociedade socialista se não perceber que toda revolução social está em disputa e pode fluir para diferentes rumos. Neste sentido, é necessário apoiar as revoluções que surgiram espontaneamente contra as ditaduras de Assad na Síria e contra Kadafi na Líbia. Se o imperialismo intervem nestes processos para garantir um final “tranquilo”, que não ultrapasse os limites do capitalismo liberal, o dever de todo revolucionário é disputar tais processos para que avance. Por isto, a luta e a derrubada da ditadura cubana se encontra, grosso modo, diante de duas possibilidades: ou uma penetração ainda mais profunda do capital na ilha cujo curso já segue dia após dia  ou a auto-organização dos trabalhadores cubanos como única possibilidade de se avançar rumo ao socialismo. Ambas situações partem de uma transformação democrática, a vitória do capitalismo liberal pode estar nas mãos dos esquerdistas tico e teco, que ao basearem suas ações na negação puramente formal do imperialismo, jogam no mesmo campo que este. Independente das intenções, são dois lados de uma mesma moeda.

(1) http://www.pstu.org.br/internacional_materia.asp?id=14941&ida=20
(2) https://groups.google.com/forum/?hl=es&fromgroups=#!topic/noticubainternacional/DR8LGsqnVnA

(3) http://www.midiasemmascara.org/artigos/desinformacao/13867-yoani-sanchez-a-desinformatzia-cubano-brasileira-e-a-midia-idiota-nacional.html


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