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Todas somos outras

De camelos e outros estereótipos

ngelo Meraio - Publicado: Segunda, 26 Abril 2010 00:00

Ângelo Meraio

Nunca me deixa de surpreender como participamos, mesmo as pessoas com consciência e de esquerda, dos estereótipos criados sobre o mundo árabe. Uns estereótipos que muitas vezes vêm de longe e que outras têm sido propositadamente fomentados pelo imperialismo ocidental e mais recentemente pelo aparelho de propaganda sionista. Desta maneira, a opinião pública fica pronta para não se importar e até justificar invasões e agressões de todo o tipo a esses “bárbaros fundamentalistas”.


Acreditamos e alimentamos informações tendenciosas baseados na ignorância e na mentira. Agimos numa escala que vai do paternalismo, por nos acharmos superiores intelectualmente ou mais “civilizados”, até ao racismo e a islamofobia tão infelizmente na moda.

O estereótipo mais difundido liga com isto último e parte de não fazer diferença entre muçulmano e árabe. Pode parecer algo muito básico e algumas pessoas podem achar-me exagerado mas acredito que é necessário fazer esta aclaração.

Muçulmana é  uma pessoa que professa o Islão, independentemente da sua origem étnica. Há muçulmanos galegos, suecos ou senegaleses e obviamente não são árabes.

O país com mais muçulmanos do mundo é a Indonésia. Coincidirão comigo em que não é um país árabe.

Da mesma maneira a Turquia, o Irão, o Afeganistão ou o Paquistão são países de maioria muçulmana mas não países árabes, é dizer não falam árabe.

Nestes países falam-se línguas diferentes que nem são da mesma família linguística. Nos 3 últimos casos utilizam o alfabeto árabe. Também finlandês, português e vietnamita usam o alfabeto latino...

Árabe é uma pessoa de cultura e língua árabe, consideram-se árabes fundamentalmente os povos que falam a língua árabe, em todas as suas variantes da Mauritânia ao Iraque.

Os árabes são  maioritariamente de fé muçulmana mas também há cristãos (no caso do Líbano um terço da população), há judeus (como a importante comunidade existente em Marrocos) e de outras crenças, até inclusivamente há árabes que não acreditam em deus nenhum. Sim, há árabes que não são religiosos. 

A religião nos países árabe e muito especialmente no Médio Oriente tem um papel muito importante na sociedade, não só no âmbito estrito da fé mas no cultural e no político.

Mas não sejamos hipócritas, qual é o papel que o Vaticano e as igrejas de cada estado têm ainda hoje na nossa sociedade? Qual foi o papel do catolicismo em regimes fascistas tão recentes como o franquismo ou o salazarismo?

Ou pensemos em conflitos mais próximos a nós como o da Irlanda, onde a religião joga um papel muito importante como elemento identitário. Mas é claro, e parafraseio a Bíblia, é mais fácil ver palha em olho alheio do que entrave no próprio. 

Também acho preciso aclarar que árabe não é um conceito “racial” mas cultural, que compreende diferentes tipos humanos. Tende-se a relacionar árabe, inclusivamente no sul da Europa, com pessoas de pele muito morena e de olhos e cabelos pretos. Bem, o mundo árabe é muito grande e os tipos humanos que compreende muito variados. No caso de países como Líbano, Síria ou Palestina, por razões históricas óbvias, muito similares a nós peninsulares. Sim, também há árabes com os olhos claros.  

Os estereótipos são diversos, mas têm um objectivo principal, criar uma imagem de povos atrasados e incivilizados que merecem a intervenção ocidental para “salvá-los” ou directamente, merecem ser eliminados (esta é a opção preferida pelos sionistas). 

A propaganda sionista tem-se dedicado especialmente a alimentar estes tópicos, definindo Israel como a única democracia do seu contorno. Um país moderno e aberto em contraposição à barbárie árabe que o rodeia.

Sem pararmos a debater as bondades e maldades da democracia ocidental. É ao menos um paradoxo que um estado criado a sangue e fogo, à custa de roubar e matar a um outro povo, baseado no racismo e a superioridade religiosa de uns indivíduos, ou que submete a população de um território a um regime de apartheid, se defina como democrático! É um paradoxo que seja esse Estado quem alimente estereótipos e se apresente como exemplo de liberdade. 

O mundo árabe é  diverso, como são diversos os seus sistemas políticos: Da teocrática Arábia Saudita às democracias de tipo ocidental. Certamente, na maioria dos casos com um respeito pelos direitos humanos e uma existência de direitos civis mais recuada que nos países ocidentais no seu conjunto.

Mas, deve ser um problema de memória histórica, sobretudo para latitudes como a Península Ibérica, regidas por sistemas totalitários e confessionais até  há bem pouco.

E na sociedade franquista por exemplo, eram todos fascistas? Eram todos integristas religiosos? Eram todos machistas? Da mesma maneira, os árabes não o são.

Coloquemos um exemplo, o tão recorrido tema do véu islâmico: só dois países árabes têm leis em relação a isto: Arábia Saudita e Tunísia. O primeiro torna-o obrigatório em público, o segundo proíbe o seu uso. No resto de países árabes é uma opção político-religioso ou cultural que nalguns casos particulares se torna imposição social.

As sociedades árabes, especialmente as de Médio Oriente são compostas por pessoas muito conservadoras, por pessoas moderadas, por pessoas progressistas e até por pessoas revolucionárias.  É isto assim tão diferente de nós? 

Generalizarmos e alimentarmos os estereótipos faz fraco favor aos processos de emancipação que existem nos países árabes. Faz fraco favor aos movimentos pelos direitos civis, às mulheres feministas árabes, ao movimento LGBT dos países árabes, faz fraco favor à esquerda dos países árabes, à sua intelectualidade e massa crítica. Porque  sabem uma coisa, elas e eles... existem!

Por último dizer que no Líbano não há desertos com camelos, mas montanhas nevadas, e férteis vales. 

Beirute, 27 de Abril de 2010


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