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Jorge Beinstein

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Declínio do capitalismo, fim do crescimento global, ilusons imperiais e periféricas, alternativas

Jorge Beinstein - Publicado: Sexta, 12 Novembro 2010 01:00

Jorge Beinstein

Reproduzimos a Comunicaçom do economista argentino Jorge Beinstein para o Primeiro Encontro Internacional sobre "O direito dos povos à rebeliom" que decorreu em Caracas os passados 7, 8 e 9 de Outubro de 2010, Dia do Guerrilheiro Heróico.


As fanfarrices dos afastados anos 1990 a respeito do milénio capitalista-neoliberal passárom a ser curiosidades históricas, talvez as suas últimas manifestaçons (já à defensiva) fôrom as campanhas mediáticas que nos assinalavam o rápido fim das "turbulências financeiras" e a imediata volta da marcha triunfal da globalizaçom.

Agora, ao começar o último trimestre de 2010 as expectativas optimistas dos altos dirigentes do planeta (chefes de estado, presidentes de bancos centrais, gurus à moda e restantes estrelas mediáticas) dam passo a um pessimismo cansativo. Fala-se de trajectória das economias centrais em forma de W como se depois do desinfle iniciado em 2007-2008 tivesse ocorrido umha verdadeira recuperaçom à que agora seguiria umha segunda queda e a cujo termo chegaria a expansom durável do sistema, mesmo como umha segunda penitência que permitiria às elites purgar os seus pecados (financeiros) e retomar o caminho ascendente.

A «recuperaçom» nom foi outra cousa que um alívio efémero obtido graças a umha sobredose de "estímulos" que preparárom as condiçons para umha recaída que se anuncia terrível. Porque o doente nom tem cura, a sua doença nom é a conseqüência de um acidente, de um mau comportamento ou do ataque de algum vírus (que a súper ciência da civilizaçom mais sofisticada da História poderá logo controlar) mas do passo do tempo, do envelhecimento irreversível que ingressou na etapa senil.

A modernidade capitalista já quase nom tem horizonte de referência, o seu futuro visível retrai-se a umha velocidade inesperada, a sua possível sobrevivência aparece sob a forma de cenários monstruosos marcados por militarizaçons, genocídios e destruiçons ambientais cuja magnitude nom tem precedentes na história humana.

O capitalismo chegou a ser finalmente mundial no sentido mais rigoroso do termo, conseguiu chegar até os rincons mais escondidos. Nesse sentido pode-se afirmar que a civilizaçom burguesa de raiz ocidental é hoje a única civilizaçom do planeta (incluindo adaptaçons culturais muito diversas). Mas a vitória da globalizaçom chega no mesmo momento em que começa a sua decadência, dito de outra maneira, se olharmos este começo de século desde o longo prazo a concretizaçom do domínio planetário do capitalismo aparece como o primeiro passo da sua decadência, por conseqüência a condiçom necessária mas nom suficiente para a emergência do pós capitalismo já está instalada.

Estamos a ingressar numha nova era caracterizada polo arrefecimento do capitalismo global e os fracassos para relançar as economias imperialistas que coincidem com o estagnamento da guerra colonial de Eurásia. Nessa zona os Estados Unidos e os seus aliados estám a sofrer um desastre geopolítico que apresenta numha primeira aproximaçom a imagem de um Império encurralado. Mas por baixo dessa imagem é que se desenvolve um surdo processo de redespregue imperialista, de nova ofensiva apoiada no seu aparelho militar e um amplo leque de dispositivos comunicacionais e ideológicos que o acompanham. Os Estados Unidos estám a configurar sobre a marcha umha renovada estratégia global, política de estado cujos primeiros passos fôrom dados para o fim da presidência de George W. Bush e que tomou corpo com a chegada de Obama à Casa Branca. O Império decadente ao igual que outros impérios decadentes do passado procura superar a sua declinaçom económica utilizando ao máximo o que considera a sua grande vantagem comparativa: o dispositivo militar. A sua agressividade aumenta ao ritmo dos seus retrocesso industriais, comerciais e financeiros, os seus delírios militaristas som a compensaçom psicológica das suas dificuldades diplomáticas e econômicas e alenta o desenvolvimento de perigosas aventuras, de massacres periféricos, de emergências neofascistas.

A nova estratégia implica o lançamento de umha combinaçom de acçons militares, comunicacionais e diplomatas destinada a incomodarem inimigos e competidores, provocar disputas e desestabilizaçons apontando para conflitos e situaçons mais ou menos caóticas capazes de debilitar grandes e médias potências e daí restaurar posiçons de força actualmente em declive. Extensom da agressom contra Afeganistám-Paquistám, ameaças (e preparativos) de guerra contra o Irám, contra a Coreia do Norte, provocaçom de contradiçons entre o Japom e a China, etc.

Também desde o fim da era Bush é que se desenvolvem grandes ofensivas sobre a Africa e especialmente sobre a América Latina, o tradicional pátio traseiro hoje atravessado por governos esquerdizantes, mais ou menos progressistas que terminárom por conformar um espaço relativamente independente do amo colonial. Ali a ofensiva norteamericana aparece como um conjunto de acçons concertadas com forte dose de pragmatismo destinadas a recontrolar a regiom. A sua essência fica ao descoberto quando detectarmos o seu objetivo, nom se trata agora principalmente de ocupar mercados, dominar indústrias, extrair benefícios financeiros, já nom estamos no século XX. O alvo imperial aponta para recursos naturais estratégicos (petróleo, grandes territórios agrícolas como produtores de biocombustíveis, água, lítio, etc.), em muitos casos as populaçons locais, as suas instituiçons, sindicatos e mais em geral o conjunto dos seus entrelaçados sociais constituem obstáculos, barreiras a eliminar ou a reduzir ao estado vegetativo (nesse sentido o ocorrido no Iraque pode ser considerado um caso exemplar).

É necessário tornar-se ciente de que o poder imperial encetou umha estratégia de conquista de longo prazo do estilo da que implementou na Eurásia, trata-se de umha tentativa depredadora-genocida cujo único precedente comparável na regiom é o ocorrido há quinhentos anos com a conquista colonial. O fenómeno é tam profundo e imenso que se torna quase invisível para as olhadas progressistas maravilhadas com os sucessos fáceis obtidos durante a década passada. Os progressistas procuram e procuram vias de negociaçom, equilíbrios "civilizados" deambulando de fracasso em fracasso porque o interlocutor racional as suas propostas só existe na sua imaginaçom. Hoje o sistema de poder do império se apoia numha "razom de estado" fundada no desespero, produzida por um cérebro senil, em última instáncia razom delirante que vê os acordos, as negociaçons diplomáticas ou as manobras políticas dos seus próprios aliados-lacaios como portas abertas para os seus planos agressivos. O único que realmente lhe interessa é recuperar territórios perdidos, desestabilizar os espaços nom controlados, golpear e golpear para voltar a golpear, a sua lógica monta sobre umha onda de reconquista cuja magnitude costuma às vezes extravasar os próprios estrategistas imperiais (e de certo umha ampla variedade de dirigentes políticos nortea-mericanos).

Mas o império está doente, é gigantesco mas está lotado de pontos débeis, o tempo é o seu inimigo, contribui novos males económicos, novas degradaçons sociais e amplifica as áreas de autonomia e rebeliom.

Esgotamento dos estímulos

Para fins de 2010 presenciamos o esgotamento dos estímulos financeiros lançados nas potências centrais a partir da agudizaçom da crise global em 2007-2008.

O caso norte-americano foi descrito de maneira contundente por Bud Comrad, economista chefe de Casey Research: "em 2009 o governo federal tivo um déficit fiscal da ordem dos 1,5 bilhons (milhons de milhons) de dólares, por sua vez a Reserva Federal gastou cerca de 1,5 bilhons de dólares para comprar dívidas hipotecárias e assim impedir o colapso desse mercado. Isto é que o governo gastou 3 bilhons de dólares para obter umha pequena recuperaçom avaliada num 3 % do Produto Interno Bruto, aproximadamente 400 mil milhons de dólares de crescimento económico. Agora bem gastar 3 bilhons de dólares para obter 400 mil milhons é um péssimo negócio" (1).

Com as políticas de "estímulos" (umha sorte de neokeynesianismo-neoliberal) nom chegou a recuperaçom durável das grandes potências, o que sim chegou foi umha avalancha de dívidas públicas: entre 2007 (último ano prévio à crise) e 2010 a relaçom entre dívida pública e Produto Interno Bruto passará na Alemanha do 64 % ao 84%, em França do 64% ao 94 %, nos Estados Unidos do 63 % ao 100 %, em Inglaterra de 44 % ao 90 % (2).

Depois aconteceu o que inevitavelmente tinha que acontecer: iniciou-se a segunda etapa da crise a partir do estouro da dívida pública grega que antecipava outras na Uniom Europeia afectando nom só os países devedores mais vulneráveis senom também aos seus principais credores ante quem se alçava a ameaça de sobreacumulaçom de activos creditícios lixo: para finais de 2009 as dívidas dos chamados "PIIGS" (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, isto é os países europeus expostos polo sistema mediático como os mais vulneráveis) para França, Inglaterra e a Alemanha somavam uns 2 milhons de milhons de dólares soma equivalente ao 70 % do Produto Interno Bruto de França ou ao 75 % do de Inglaterra.

Se a primeira etapa da crise estivo marcada polos estímulos estatais ao sector privado e à expansom das dívidas públicas, a segunda etapa inicia-se com o começo do fim da generosidade estatal (além de algumhas possíveis futuras tentativas desesperados de reactivaçom), a chegada dos recortes de gastos, de reduçons salariais, de aumentos nas taxas de interesse, em síntese a entrada a umha era de contracçom ou estagnamento económico que se irá prolongando no tempo e estendendo no espaço.

Encaminhamo-nos para o arrefecimento do motor da economia global, os países do G7 achatados polas dívidas depois de umha reactivaçom débil e efêmera graças às políticas de subsídios. As suas dívidas públicas e privadas vinhérom crescendo até acercar-se agora ao seu ponto de saturaçom, em 1990 as dívidas totais do G7 (públicas + privadas) representavam cerca do 160 % da soma dos seus Produtos Internos Brutos, em 2000 tinham subido ao 180% e em 2010 superárom o 380 % (110 % as dívidas públicas e 270% as dívidas privadas) (3).

A opçom que agora enfrentam é simples: tratar de amontoar mais dívidas o que lhes permitiria postergar a recessom por muito pouco tempo (com alta probabilidade de descontrolo, de alta turbulência no sistema global) ou entrar à brevidade num período recessivo (com esperança de controlo) que anuncia ser muito prolongado, em realidade nom se trata de duas alternativas antagónicas senom de um único horizonte negro ao que podem chegar por diferentes caminhos e a várias velocidades.

Hipertrofia financeira

A chuva de estímulos, maciças transferências de rendimentos para as elites dominantes (com rendimentos aceleradamente decrescentes) aparece como o capítulo mais recente de um longo ciclo de hipertrofia financeira originado nos anos 1970 (e talvez um pouco antes) quando o mundo capitalista imerso numha gigantesca crise de sobreproduçom deveu ir a partir do seu centro imperial, os Estados Unidos, as suas duas muletas históricas: o militarismo e o capital financeiro. Por trás de ambos os fenómenos encontrava-se um velho conhecido: o Estado, aumentando os seus gastos bélicos, afrouxando os controlos sobre os negócios financeiros, introduzindo reformas no mercado laboral que atrasavam os salários respeito dos incrementos da produtividade.

O processo foi encabeçado pola superpotência hegemônica mas integrando os dous espaços subimperialistas sócios (a Europa Ocidental e o Japom). É necessário aclarar que a unipolaridade no mundo capitalista, com as suas conseqüências econômicas, políticas, culturais e militares, iniciou-se em 1945 e nom em 1991 ainda que a partir dessa última data (com o derrube da URSS) tornou-se planetária.

Tratou-se de umha mudança de época, de umha transformaçom que permitiu controlar a crise ainda que degradando ao sistema de maneira irreversível. As altas burguesias centrais deslocárom-se nas sua maior parte para as cúpulas dos negócios especulativos, fusionando interesses financeiros e produtivos, convertendo a produçom e o comércio em complexas redes de operaçons governadas cada vez mais por comportamentos cortoplacistas. A hegemonia parasitária, rasgo distintivo da era senil do capitalismo açambarcou os grandes negócios globais e engendrou umha subcultura, na realidade umha degeneraçom cultural desintegradora baseada no individualismo consumista que foi desestruturando os fundamentos ideológicos e institucionais da ordem burguesa. Daí derivárom os fenómenos de crises de legitimidade dos sistemas políticos e dos aparelhos institucionais em geral e serviu de caldo de cultivo para as deformaçons mafiosas das burguesias centrais e periféricas (complexo leque de lumpenburguesias globais).

Teito energético e "destruiçom criadora" (de mais destruiçom)

Desde o ponto de vista das relaçons entre o sistema económico e a sua base material a depredaçom (em tanto comportamento central do sistema) começou a deslocar a reproduçom. Em realidade o núcleo cultural depredador existiu desde o grande despegue histórico do capitalismo industrial (para finais do século XVIII, principalmente em Inglaterra) e ainda antes durante o longo período precapitalista ocidental. Marcou para sempre os sistemas tecnológicos e o desenvolvimento científico, começando polo seu piar energético (carvom mineral primeiro, depois petróleo) e seguindo por umha ampla variedade de exploraçons mineiras de recursos naturais nom renováveis (essa exacerbaçom depredadora é um dos traços distintivos da civilizaçom burguesa respeito das civilizaçons anteriores), no entanto durante as etapas de juventude e maturidade do sistema a depredaçom estava subordinada à reproduçom ampliada do sistema.

A mutaçom parasitária dos anos 1970-1980-1990 nom permitiu superar a crise de sobreproduçom mas fazê-la crónica mas controlada, amortecida, exacerbando a pilhagem de recursos naturais nom renováveis e introduzindo a grande escala técnicas que possibilitárom a superexploraçom de recursos renováveis violentando, destruindo os seus ciclos de reproduçom (é o caso da agricultura baseada em transgénicos e herbicidas, como o glifosato, de alto poder destrutivo). Isto tinha lugar quando variados desses recursos (por exemplo os hidrocarbonetos) aproximavam-se ao seu máximo nível de extraçom.

A avalancha do cortoplacismo (da financeirizaçom cultural do capitalismo) liquidou toda possibilidade de planos a longo pazo de umha possível reconversom energética, o que deixa proposto o tema da viabilidade histórica-civilizacional das vias de reconversom (poupança de energia, recursos energéticos renováveis, etc.). Viabilidade no contexto das relaçons de poder, das estruturas industriais e agrícolas, em sínteses: do capitalismo concreto inseparável da obtençom de "ganhos-aqui-e-agora" e nom da provável sobrevivência das geraçons vindouras.

O sistema tecnológico do capitalismo nom estava preparado para umha reconversom energética, o tema também nom era de interesse prioritário para as elites dominantes (o que nom lhes impedia "preocupar-se" polo problema). Nom é a primeira vez na história da decadência das civilizaçons em que os interesses imediatos das classes superiores entram em antagonismo com a sua sobrevivência a longo prazo.

O teito energético que encontrou a reproduçom do capitalismo converge com outros teitos de recursos nom renováveis que afectárom cedo a um amplo espectro de actividades mineiras, a isso soma-se a exploraçom selvagem de recursos naturais renováveis. Apresenta-se assim um cenário de esgotamento geral de recursos naturais a partir do sistema tecnológico disponível, mais concretamente do sistema social e os seus paradigmas isto é do capitalismo como estilo de vida (consumista, individualista, autoritário-centralizador, depredador).

Da crise crónica de sobreproduçom à crise geral de subproduçom. O ciclo longo do capitalismo industrial

Por outra parte a crise de recursos naturais indissociável do desastre ambiental converge com a crise da hegemonia parasitária. Nas primeiras décadas da crise crónica o processo de financeirizaçom impulsionou a expansom consumista (sobretodo nos países ricos), a concretizaçom de importantes projectos industriais e de subsídios públicos às demandas internas, de grandes aventuras militares imperialistas, mas ao final do caminho as euforias se dissipárom para deixar ao descoberto imensas montanhas de dívidas públicas e privadas. A festa financeira (que tivo no seu percurso numerosos acidentes) converte-se em teito financeiro que bloqueia o crescimento.

As turbulências de 2007-2008 podem ser consideradas como o ponto de arranque do crepúsculo do sistema, a multiplicidade de "crise" que estourárom nesse período (financeira, produtiva, alimentar, energética) convergírom com outras como a ambiental ou a do Complexo Industrial-Militar do Império empantanado nas guerras asiáticas. Essa sumatória de crises nom resolvidas impedem, freiam a reproduçom ampliada do sistema.

Visto desde o longo prazo a sucessom de crise de sobreproduçom no capitalismo ocidental durante o século XIX nom marcou um singelo encadeamento de quedas e recuperaçons a níveis cada vez mais altos de desenvolvimento de forças produtivas senom do que depois de cada depressom o sistema se recompunha mas acumulando no seu percorrido massas crescentes de parasitismo.

O cancro financeiro irrompeu triunfal, dominante entre finais do século XIX e começos do século XX e obtivo o controlo absoluto do sistema sete ou oito décadas depois, mas o seu desenvolvimento tinha começado muito tempo antes financiando estruturas industriais e comerciais cada vez mais concentradas e os estados imperialistas onde se expandiam as burocracias civis e militares. A hegemonia da ideologia do progresso e do discurso produtivista serviu para ocultar o fenómeno, instalou a idéia de que o capitalismo ao inverso das civilizaçons anteriores nom acumulava parasitismo senom forças produtivas que ao expandir-se criavam problemas de inadaptaçom superáveis ao interior do sistema mundial, resolvidos através de processos de "destruiçom-criadora". O parasitismo capitalista a grande escala quando se fazia evidente era considerado como umha forma de "atraso" ou umha "degeneraçom" passageira na marcha ascendente da modernidade.

Essa maré ideológica atrapou também a boa parte do pensamento anticapitalista (em última instância "progressista") dos séculos XIX e XX, convicto de que a corrente imparável do desenvolvimento das forças produtivas terminaria por enfrentar às relaçons capitalistas de produçom, saltando acima delas, achatando-as com umha avalancha revolucionária de obreiros industriais dos países mais "avançados" aos que seguiriam os chamados "países atrasados". A ilusom do progresso indefinido ocultou a perspectiva da decadência, dessa maneira deixou a meio caminho o pensamento crítico, tirou radicalidade com conseqüências culturais negativas evidentes para os movimentos de emancipaçom dos oprimidos do centro e da periferia.

Por sua vez o militarismo moderno afunda as suas raízes mais recentes no século XIX, desde as guerras napoleônicas, chegando à guerra franco-prusiana até irromper na Primeira Guerra Mundial como "Complexo Militar-Industrial" (ainda que é possível encontrar antecedentes importantes em Ocidente nas primeiras indústrias de armamentos de tipo moderno aproximadamente a partir do século XVI). Foi percebido num começo como um instrumento privilegiado das estratégias imperialistas e como reactivador económico do capitalismo, mas este só um aspecto do fenómeno que ocultava ou subestimava a sua profunda natureza parasitária, o facto de que por trás do monstro militar ao serviço da reproduçom do sistema se ocultava um monstro bem mais poderoso a longo prazo: o do consumo improdutivo, causante de déficits públicos que ao final do percurso nom incentivam mais a expansom senom o estagnamento ou a contracçom da economia.

Actualmente o Complexo Militar-Industrial norteamericano (em torno do qual se reproduzem os dos seus sócios da NATO) gasta em termos reais mais de um bilhom (um milhom de milhons) de dólares, contribui de maneira crescente ao déficit fiscal e portanto ao endividamento do Império (e à prosperidade dos negócios financeiros beneficiários de dito déficit). A sua eficácia militar é declinante mas a sua burocracia é cada vez maior, a corrupçom penetrou em todas as suas actividades, já nom é o grande gerador de empregos como em outras épocas, o desenvolvimento da tecnologia industrial-militar reduziu significativamente essa funçom (a época do keynesianismo militar como eficaz estratégia anti-crise pertence ao passado). Ao mesmo tempo é possível constatar que nos Estados Unidos se produziu a integraçom de negócios entre a esfera industrial-militar, as redes financeiras, as grandes empresas energéticas, as camarilhas mafiosas, as "empresas" de segurança e outras atividades muito dinámicas conformando o espaço dominante do sistema de poder imperial.

Também nom a crise energética em torno da chegada do "Peak Oil" (a faixa de máxima produçom petroleira mundial a partir da qual se desenvolve o seu declínio) deveria ser restringida à história das últimas décadas, é necessário entendê-la como fase declinante do longo ciclo da exploraçom moderna dos recursos naturais nom renováveis, desde o começo do capitalismo industrial que pode realizar o seu despegue e posterior expansom obrigado a esses insumos energéticos abundantes, baratos e facilmente transportáveis desenvolvendo primeiro o ciclo do carvom sob hegemonia inglesa no século XIX e depois o do petróleo sob hegemonia norte-americana no século XX. O ciclo energético condicionou todo o desenvolvimento tecnológico do sistema e expressou, foi a vanguarda da dinámica depredadora do capitalismo estendida ao conjunto de recursos naturais e do ecossistema em geral.

Em síntese, o desenvolvimento da civilizaçom burguesa durante os dous últimos séculos (com raízes num passado ocidental bem mais prolongado) terminou por engendrar um processo irreversível de decadência, a depredaçom ambiental e a expansom parasitária, estreitamente interrelacionadas, estám na base do fenómeno. A dinámica do desenvolvimento económico do capitalismo marcada por umha sucessom de crise de sobreproduçom constitui o motor do processo depredador-parasitário que conduz inevitavelmente a umha crise prolongada de subproduçom (o capitalismo obrigado a crescer-depredar indefinidamente para nom perecer termina por destruir a sua base material). Existe umha interrelaçom dialéctica perversa entre a expansom da massa global de ganhos, a sua velocidade crescente, a multiplicaçom das estruturas burocráticas civis e militares de controlo social, a concentraçom mundial de rendimentos, a ascensom da maré parasitária e a depredaçom do ecossistema.

Isto significa que a superaçom necessária do capitalismo nom aparece como o passo indispensável para prosseguir "a marcha do progresso" senom em primeiro lugar como tentativa de sobrevivência humana e do seu contexto ambiental.

A decadência é a última etapa de um longo súper ciclo histórico, a sua fase declinante, o seu envelhecimento irreversível (a sua senilidade). Extremando os reducionismos tam praticados polas "ciências sociais" poderíamos falar de "ciclos" de diferente duraçom: energético, alimentario, militar, financeiro, produtivo, estatal, etc., e assim descrever em cada caso trajectórias que despegam em Ocidente entre fins do século XVIII e começos do século XIX com raízes anteriores e envolvendo espaços geográficos crescentes até assumir finalmente umha dimensom planetária para depois declinar cada um deles. A coincidência histórica de todas essas declinaçons e a fácil detecçom de densas interrelaçons entre todos esses "ciclos" sugerem-nos a existência de um único súper ciclo que os inclui a todos. Trata-se do ciclo da civilizaçom burguesa que se expressa através de umha multiplicidade de "aspectos" (produtivo, moral, político, militar, ambiental, etc.).

Declinaçom do Império, redespregamento militarista, ilusons periféricas e insurgência global

Toda a história do capitalismo gira desde fins do século XVIII ao redor da dominaçom primeiro inglesa e depois estadounidense. Capitalismo mundial, imperialismo e predomínio anglo-norteamericano constituem um só fenómeno (agora decadente).

A articulaçom sistémica do capitalismo aparece historicamente indissociável do articulador imperial mas resulta que no futuro previsível nengum novo imperialismo global ascendente, em conseqüência o planeta burguês vai perdendo umha peça decisiva do seu processo de reproduçom. A Uniom Europeia e o Japom som tam decadentes como os Estados Unidos, China baseou a sua espectacular expansom numha grande ofensiva exportadora para os mercados agora declinantes dessas três potências centrais.

O capitalismo vai ficando à deriva a nom ser que prognostiquemos o próximo surgimento de umha sorte de mao invisível universal (e burguesa) capaz de impor a ordem (monetário, comercial, político-militar, etc.). Nesse caso estaríamos extrapolando ao nível da humanidade futura a referência à mao invisível (realmente inexistente) do mercado capitalista pregada pola teoria económica liberal.

A decadência da maior civilizaçom que conheceu a história humana nos apresenta diversos cenários futuros, alternativas de autodestruiçom e de regeneraçom, de genocídio e de solidariedade, de desastre ecológico e de reconciliaçom do ser humano com o seu meio. Estamos a retomar um velho debate sobre alternativas interrompido pola euforia neoliberal, a crise rompe o bloqueio e permite-nos pensar o futuro.

Voltemos à reflexom inicial deste texto: o começo do século XXI assinala um paradoxo decisivo, o capitalismo assumiu claramente umha dimensom planetária mas ao mesmo tempo iniciou a sua declinaçom.

Por outra parte cem anos de revoluçons e contrarrevoluçons periféricas produzírom grandes mudanças culturais, agora na periferia (completamente modernizada, isto é completamente subdesenvolvida) existe um enorme potencial de autonomia nas classes baixas. Ali se apresenta o que de maneira talvez demasiado simplista poderíamos definir como património histórico democrático forjado ao longo do século XX. Os periféricos submersos construírom sindicatos, organizaçons camponesas, participárom em votaçons de todo o tipo, figérom revoluçons (muitas delas com bandeiras socialistas), reformas democratizantes, a maior parte das vezes fracassárom. Todo isso fai parte da sua memória, nom desapareceu, polo contrário é experiência acumulada, processada polo geral de maneira subterránea, invisível para os observadores superficiais. Isso foi reforçado pola própria modernizaçom que por exemplo lhe fornece instrumentos comunicacionais que lhe permite interagir, trocar informaçons, socializar reflexons. Finalmente, a decadência geral do sistema, o possível começo do fim da sua hegemonia cultural abre um gigantesco espaço à criatividade dos oprimidos.

A guerra eurasiática engendrou um imenso pántano geopolítico do que os ocidentais nom sabem como sair, o tropeçom consolidou e estendeu espaços de rebeliom e autonomia cuja contençom é cada dia mais difícil ante o qual o Império redobra as suas ameaças e agressons. A Coreia do Norte nom pode ser dobregada ao igual que o Irám, a resistência palestiniana continua em pé e Israel, pola primeira vez na sua história sofreu umha derrota militar no sul do Líbano, a guerra de Iraque nom pode ser ganhada polos Estados Unidos o que lhes coloca umha situaçom onde todos os caminhos conduzem à perda de poder nesse país.

No outro estremo da periferia, a América latina, o acordar popular transcende aos governos progressistas e deteriora estrategicamente as poucas oligarquias de direita que ainda controlam o poder político. O projecto estadounidense de restauraçom de "governos amigos" tropeça com um escolho fundamental, a profunda degradaçom das elites aliadas, a sua incapacidade para governar em vários dos países candidatos ao golpe na mesa da direita ainda que o Império nom pode (nom está em condiçons) de deter ou desacelerar a sua ofensiva à espera de melhores contextos políticos. O ritmo da sua crise sobredetermina a sua estratégia regional, em última instância nom é demasiado diferente a situaçom na Ásia onde a dinámica imperial combina a sofisticaçom e variedade de técnicas e estruturas operativas disponíveis com o comportamento grosseiro.

Se observarmos o conjunto da periferia actual desde o longo prazo histórico constataremos que de um lado se situa um poder imperial desquiciado enfrentado umha gigantesca onda plural de povos submersos desde o Afeganistám até a Bolívia, desde a Colômbia até as Filipinas, expressom da crise da modernidade subdesenvolvida. É o começo de um acordar popular muito superior ao do século XX.

No meio dessas tensons aparece um colorido leque de ilusons periféricas fundadas na possibilidade de gerar um desacople encabeçado polas naçons chamadas emergentes, fantasia que nom toma em consideraçom o facto decisivo de que todas as "emergências" (as da Rússia, a chinesa, o Brasil, a Índia, etc.) se apoiam na sua inserçom nos mercados dos países ricos. Se esses estados que venhem praticando neokeyneesianismos mais ou menos audazes compensando o arrefecimento global quigessem aprofundar esses impulsos mercadointernistas e/ou interperiféricos encontrariam-se tarde ou cedo com as barreiras sociais dos seus próprios sistemas económicos ou para dizê-lo de outra maneira: com os seus próprios capitalismos realmente existentes, em especial os interesses das suas burguesias financeirizadas e transnacionalizadas.

À medida que a crise se aprofunde, que as debilidades do capitalismo periférico se tornem mais visíveis, que as bases sociais internas das burguesias imperialistas se deteriorem e que o desespero imperial se agudize; a onda popular global já em marcha nom terá outro caminho que o da sua radicalizaçom, a sua transformaçom em insurgência revolucionária. Complexa, a diferentes velocidades e com construçons (contra)culturais diversas, avançando desde diferentes identidades para a superaçom do inferno. É só desde essa perspectiva que é possível pensar ao pós-capitalismo, ao renascimento (à reconfiguraçom) da utopia comunista, já nom como resultado da "ciência" social elitista, desde a superaçom ao interior da civilizaçom burguesa através de umha sorte de "aboliçom suave" senom da sua negaçom integral em tanto expansom ilimitada da pluralidade recuperando as velhas culturas igualitárias, solidárias elevando-as para um colectivismo renovado.

Os movimentos insurgentes da periferia actual costumam serem apresentados polos meios globais de comunicaçom como causas perdidas, como resistências primitivas à modernizaçom ou como o resultado da actividade de misteriosos grupos de obstinados terroristas. A resistência no Afeganistám e a Palestina ou a insurgência colombiana aparecem em dita propaganda protagonizando guerras que nunca poderiam ganhar ante aparelhos superpoderosos, nom faltam os pacificadores profissionais que aconselham aos combatentes depor a sua intransigência e negociar algumha forma de rendiçom vantajosa "antes de que seja demasiado tarde". O século XX deveria ser umha boa escola para quem alucina ante o gigantismo e a eficácia dos aparelhos militares (e dos aparelhos burocráticos em geral) porque esse século viu o nascimento vitorioso dos grandes aparelhos modernos como o é hoje o Complexo Militar Industrial dos Estados Unidos e também foi testemunho da sua ruína, da sua derrota ante povos em armas, ante a criatividade e a insubmissom dos de abaixo.

Nos anos 1990 os neoliberais explicavam-nos que a globalizaçom constituia um fenómeno irreversível, que o capitalismo tinha adquirido umha dimensom planetária que arrasava com todos os obstáculos nacionais ou locais. Nom se davam conta que essa irreversibilidade transformada pouco depois em decadência global do sistema lhe abria as portas a um sujeito inesperado: a insurgência global do século XXI, o tempo (a marcha da crise) joga ao seu favor. O Império e os seus aliados directos e indirectos quigessem fazê-la abortar, começando por tentar apagar a sua dimensom universal, tratando mediáticamente de convertê-la (fragmentá-la) numha modesta colecçom de resíduos locais sem futuro, mas essas supostas resistências residuais possuem umha vitalidade surpreendente, reproduzem-se, sobrevivem a todos os extermínios e quando observamos o percurso futuro da declinaçom civilizacional em curso, a profunda degradaçom do mundo burguês, o seu despregue de barbárie antecipando crimes ainda maiores, entom a globalizaçom da insurgência popular aparece como o caminho mais seguro para a emancipaçom das maiorias submersas que é por sua vez a sua única possibilidade de sobrevivência digna.

Notas

(1) Bud Conrad, "Beyond the Point of Nom Return", GooldSeek, 12 May 2010.

(2) "La explosión de la deuda pública. Previsiones de la OCDE para 2010?, AFP, 25-11- 2009

(3) Fonte: FMI. OCDE, McKinsey Global Institute.

Fonte: Primeira Linha.


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