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Nuno Gomes Lopes

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Galiza não é Galicia

Nuno Gomes Lopes - Publicado: Domingo, 01 Agosto 2010 20:45

Nuno Gomes

Como leitor assíduo do Público desde há alguns anos, assisti relutantemente à queda da qualidade ortográfica do jornal.


Isto verifica-se em títulos, subtítulos e legendas, mas sobretudo no corpo das notícias. A utilização correta da toponímia é uma das bases da credibilidade jornalística, e se quando os jornalistas do Público referem localidades portuguesas os enganos são raros (apesar do recorrente erro de grafar a Póvoa como sendo do Varzim), quando a notícia versa localidades no exterior do país é necessário, para além de acerto, critério. Paris não tem alteração de grafia na maior parte das línguas europeias; já New York é normalmente apresentada como Nova Iorque, com algum consenso. Isto acontece em cidades (ou países) que apresentam a sua grafia original em alfabeto latino; quando estas se grafam noutros alfabetos (cirílico, canji), o critério é mais nebuloso. Rossíya poderá ser traduzida para Rússia, mas será Japão o país Nihon Koku? Japão é a forma utilizada desde há séculos na língua portuguesa, mas é fácil comprovar a total dissemelhança em relação ao nome original do país.

Na totalidade da imprensa escrita em Portugal, nota-se a vontade dos jornalistas em restringir o uso de caracteres "estrangeiros" nos textos (começa a ser vulgar Quioto e Osaca, ao invés de Kyoto e Osaka). De volta à Península, o "Livro de Estilo do Público" explica que Valhadolid é mais apropriado que Valladolid – sendo o português e o castelhano as duas línguas romances mais próximas, e sendo a fonia do ll idêntica à do lh, preferiram a grafia portuguesa. Neste caso trata-se de um topónimo castelhano, sem lugar a grandes equívocos.

Quando se fala da Galiza, o equívoco é recorrente. Ao contrário de Comunidades Autónomas do Estado espanhol como a Catalunha ou Euscadi, na Galiza apenas a forma galega é válida, e nunca surgem casos de dupla sinalização como Lleida/Lérida ou Donostia/San Sebastián. Os critérios que guiaram a galeguização da toponímia, iniciada em 1983, seguiram os ditames da Real Academia Galega. São uma aproximação ao nome original dos lugares, seguindo a grafia castelhana, o que constituiu uma grande evolução em relação ao que sucedia anteriormente, em que se reconhecia o nome castelhanizado como oficial (La Coruña, La Guardia, Tuy).

As diferenças linguísticas entre os dois lados da raia são consideradas insuficientes pela grande maioria dos especialistas para decretar que se falam aqui duas línguas diferentes. Entendem esses linguistas que "galego", "português" e "brasileiro" não são mais que diferentes nomes para uma mesma família linguística. Independentemente de se reconhecer ou não a unidade linguística, tem de se reconhecer que as afinidades linguísticas existem e se estendem ao nome dos lugares. Quando muita desta toponímia nasceu, não existia qualquer diferença linguística reconhecida entre os dois lados da fronteira (em certas alturas, nem existia sequer fronteira), não subsistindo razões objectivas para achar que Vilarinho se deva grafar Vilariño apenas porque se situa fora do território nacional.

Nos jornais portugueses, Público incluído, sucedem tropelias linguísticas difíceis de explicar. Quando se referem à cidade do norte da Galiza, esta pode ser grafada: com a forma portuguesa do topónimo, Corunha; com o meio-termo, A Corunha; com a forma galeguizada, A Coruña; e, por vezes, com a ilegal forma castelhana, La Coruña. Verifica-se, no entanto, que a população do Norte de Portugal mantém uma relação próxima com essa cidade, e a forma portuguesa (Corunha) é, felizmente, a mais utilizada. Tornando-se claro com este exemplo que o nh tem validade na referência à toponímia galega, é difícil perceber como ainda surge Salvaterra de Miño em vez de Salvaterra de(o) Minho ou O Porriño em lugar de Porrinho (os artigos, assim como em Portugal, não deveriam fazer parte da toponímia. essa ideia – errada – deu origem a abortos linguísticos como Oporto). E assumindo Valhadolid como a forma correcta, não se entende como se pode grafar como O Carballiño o concelho de Carbalhinho (ou mesmo Carvalhinho). Ou que Tui surja ocasionalmente como Tuy, forma castelhanizada do topónimo, desaparecida entretanto.

Há que entender, por último, que o galego se encontra ainda em fase de normalização, e que existem topónimos à procura da forma mais "galega" (como Belen, que recentemente se tornou Belem, ou Mera de Abaixo e Mera de Arriba, transformadas em Mera de Baixo e Mera de Riba). O que não tem sentido é que nós, deste lado da fronteira, lhes compliquemos ainda mais a tarefa.

(escrito a pensar numa publicação no jornal Público, que não chegou a acontecer)


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