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Alberto Garcia

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Em coluna

Como fazer política com os mapas

Alberto Garcia - Publicado: Domingo, 12 Junho 2011 02:00

Alberto Garcia

INTRODUÇÃO

No ano de 1988 foi realizado um estudo por parte de investigadores da National Geographic no que pediram 3800 crianças de diferentes países que fizessem um desenho do mapa do mundo.


O resultado foi muito curioso: sem ser conscientes disso, e sem se importar a sua procedência –havia amostras significativas de meninos de todos os continentes–, a imensa maioria deles reproduziu a típica visão euro-cêntrica perpetuada desde a época colonial pelos seus antepassados: uma Europa sobre dimensionada no centro do hemisfério norte. Tratava-se da projecção de Mercator, a mesma que deixou a sua marca desde a infância de cada ocidental, e que é aceite sem discussão como uma realidade objectiva.

Só para realizarmos um exercício de reflexão, um pode se propor a seguinte questão: podem mentir os mapas? Que loucura, poderia se pensar. Os mapas são representações do território baseadas em modelos geométricos; e as matemáticas não mentem, ou sim o fazem? As matemáticas não são mais do que um código que nos serve para representar ideias –do mesmo modo que o faz qualquer língua–. É por isto que não é a geometria a que mente, senão aqueles que se servem dela de determinada maneira para tratarem de persuadir de certas mensagens que convêm aos seus interesses.

ALGUMAS QUESTÕES TÉCNICAS DE CARTOGRAFIA BÁSICA

A cartografia é uma ciência muito complexa. O globo terrestre é uma superfície esférica imperfeita –uma esfera achatada nos pólos, ou elipsoide de revolução–, o que faz muito difícil a sua representação numa superfície plana, isto é, num mapa. Para realizar esta transferência de esférico a plano –isto é, para fazer uma projecção cartográfica– têm de realizar-se certas concessões. Isto quer dizer que para ganhar exactidão numa feição, temos de perder necessariamente noutra, com o que sempre terá alguma magnitude que ficará com distorção. Actualmente existem milhares de projecções cartográficas possíveis, em função de que elemento nos interesse representar adequadamente e de qual nos importe menos que fique com distorção. Segundo isto, e num acto de redução, podemos distinguir dois grandes grupos de projecções: as que tratam de representar com exactidão os ângulos, e as que tratam de representar com exactidão as superfícies.

Se uma projecção respeita os ângulos –isto é, é equiangular– será muito útil para o cálculo de rotas de navegação marítima, por exemplo. É por isto que este tipo de projecções começaram a fazer-se durante a época das grandes explorações marítimas, nos séculos XV e XVI. Do outro lado, se uma projecção respeita as superfícies –isto é, é isoareal– poderá ser muito útil para realizar cálculos de distâncias ou de superfícies mais exactos, assim como para de uma olhada poder fazer comparações direitas de tamanho entre continentes ou países, por exemplo.

MERCATOR, OU O EURO-CENTRISMO FEITO MAPA

No ano 1569 foi realizada a projecção cartográfica do mundo mais conhecida da História, esse mapa que reproduziram as crianças do estudo da National Geographic e que estamos acostumados a ver em cada sala de aulas de qualquer escola. A sua autoria corresponde a Gerardo Mercator, um cartógrafo flamengo que procurava um meio para melhorar o estabelecimento de rotas na navegação marítima. Por isto aplicou uma projecção equiangular. Conquanto conserva fielmente a forma dos continentes, o principal problema deste mapa é que não conserva as áreas, senão que as amostra com distorção, tanto mais quanto mais longe do Equador. Um exemplo desta aberração é o efeito Gronelândia, que neste mapa parece quase do mesmo tamanho que a África, quando em realidade o Continente Negro é umas catorze vezes maior que a gélida ilha. Outro problema importante é que toda a massa continental do hemisfério norte parece ocupar o mesmo espaço que a do sul, quando a verdade é que a do sul ocupa mais do duplo, uns 100 milhões de quilómetros quadrados em frente a menos de 49. Algo parecido ocorre ao comparar a Europa e a América do Sul, que parecem do mesmo tamanho, quando em realidade a Europa tem um tamanho de pouco mais da metade da América do Sul.

Por se fosse pouco, Mercator popularizou elementos que depois estabelecer-se-iam no ideário colectivo, como a convenção de atribuir o norte à parte superior do mapa, ou a posição da Europa justo no centro, com um tamanho muito maior do que realmente tem. Representação muito fiel ao ideário imperialista europeu que começaria com as grandes expansões marítimas e as conquistas de novos territórios nos séculos XV e XVI, e que se faria firme com a época da expansão colonial do século XIX. Obviamente, esta é a explicação para que este seja o mapa que se escolhe sempre, dentre os milhares de possibilidades que existem. É o verdadeiro retrato de um mundo injusto e desigual, que favorece a invisibilidade e o menosprezo dos países "periféricos" em vias de desenvolvimento, em favor das potências centrais euro-americanas.

A ALTERNATIVA ISOAREAL: PROJECÇÃO DE GALL-PETERS

Em 1974 foi realizada uma rolda de imprensa para arremeter contra o mapa de Mercator e apresentar uma alternativa mais justa e igualitária. Este ato foi levado a cabo por um alemão muito controvertido e ecléctico, Arno Peters, que além de cartógrafo em momentos livres, se tinha dedicado à propaganda e ao cinema. O que fez realmente é apresentar como absoluta novidade uma projecção isoareal, atribuindo-se a autoria da mesma. O certo é que esse tipo de projecções não tinham nada de novo, e o que tinha feito Peters realmente é um calco dum mapa realizado em 1855 por um cartógrafo escocês chamado James Gall, por isto se conhece esta projecção popularmente como projecção de Peters-Gall (ou melhor ainda, de Gall-Peters). Embora por este motivo os cartógrafos deram-lhe as costas, o acontecimento teve muita repercussão, e o mapa foi tomado por muitas ONGs e pela UNESCO como elemento de apoio de programas de sensibilização para pôr em prática programas de desenvolvimento no Terceiro Mundo. Conquanto está claro que Peters era um oportunista, deve ser reconhecida a sua contribuição por sacar este tema a debate e avivar alguma que outra consciência. Quiçá foi o primeiro em chamar a atenção sobre o facto de que os mapas são inevitavelmente políticos.

Este tipo de projecções têm a vantagem de ser justas para todas as pessoas do mundo, já que solucionava todos os problemas de proporção que tinha a projecção de Mercator. No complexo e interdependente mundo em que vivemos, as pessoas merecem dispor de um retrato do mundo que verdadeiramente lhes faça justiça. Realmente representa os países subordinados na sua verdadeira proporção, o que pode ser um elemento mais que sirva de apoio aos seus habitantes na sua luta por obter melhores condições de vida.

01_Peters_Map

[Imagem 1] – Projecção de Gall-Peters.

OUTRAS ALTERNATIVAS. CARTOGRAMAS

O mundo está a mudar. As potências que antes mantinham um poderio que parecia eterno estão a ver como a sua posição começa a ser ameaçada por outras que ascendem a um ritmo brutal. Valham os exemplos da China, Índia ou Brasil, que talvez tutelem a economia mundial em poucas décadas. Para representar graficamente todas estas mudanças, e os desiguais relacionamentos entre países e continentes, já não basta com fazer mapas. Há que ter em conta muitos outros factores geopolíticos, sócio-económicos e demográficos. É com esta ideia que se criam os cartogramas, que permitem obter informação com uma olhada da distribuição dos países do mundo em função de diferentes variáveis estatísticas. A isto se dedicam projectos como Gapminder (www.gapminder.org) ou Worldmapper (www.worldmapper.org) Muitos deles tenham a vantagem de poderem-se observar em movimento num sentido diacrónico, uma ferramenta muito útil para dar ideia das mudanças geopolíticas que foram acontecendo no mundo.

02Gapminder

[Imagem 2] – Cartograma de Gapminder que cruza estatísticas de saúde (esperança de vida), dinheiro (renda per cápita) e cifras de população.

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[Imagem 3] – Cartograma de Woldmapper que presenta unha imagem do mundo com distorção de cada estado em função dos seus valores de pobreza. Quanta maior é a pobreza, maior é o tamanho relativo. Repare-se na case inexistente Europa ou Austrália fronte ao imenso tamanho da África ou da região peninsular do Indostão.

Quanto melhoraria a educação dos jovens de todo o mundo se dispusessem doutras alternativas à hora de se fazer um esquema mental da realidade geográfica do nosso mundo. Seria mais um passo para a formação de pessoas mais responsáveis e conscientes das injustiças que sofrem milhares de milhões de pessoas a diário; o que acho é um elemento indispensável para a construção de um outro mundo mais justo e equilibrado.

Eu já tenho um mapa de Peters e um cartograma na minha casa. E tu, a que aguardas?


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