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Erik Haagensen Gontijo

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Comentários a respeito do ''Manifesto da Esquerda Festiva'' publicado pela CartaCapital

Erik Haagensen Gontijo - Publicado: Quinta, 02 Junho 2011 02:00

Erik Haagensen Gontijo

No dia 25 de maio a CartaCapital publicou em seu site um manifesto escrito pela jornalista Cynara Menezes, no qual defende a atualidade de uma certa forma de “manifestação popular anticonservadora” que ficou conhecida através da alcunha “esquerda festiva”. Se no passado esta “esquerda” era ridícula, no presente ela se justificaria; de tal modo que, afirma a autora, está na hora da esquerda festiva “se assumir como tal”. Para isto a sra. Menezes toma para si a tarefa de nos oferecer algumas “idéias surgidas pelos bares da vida e esquinas virtuais”.


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O Manifesto pode ser lido aqui: http://www.cartacapital.com.br/politica/manifesto-da-esquerdafestiva/comment-page-5#comment-78540

A militância festiva não perdeu tempo e fez circular o texto pela internet, esfuziantes frente à novidade que finalmente os contemplava. Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma “esquerda de bairro nobre”. É aquele pessoal bonitinho, light, antenado na moda, pouco afeito a qualquer rigor teórico, satisfeito com noções e reivindicações difusas, e se retro-alimentando de indignação com “os políticos”, bobagem típica que povoa o senso comum mais rasteirinho (pois sequer concebe colocar em questão o papel da sociedade civil e sua relação determinante para com a política).

Vamos comentar esse fantástico panfleto. Cito a sra. Cynara Menezes e faço minhas colocações logo em seguida:

Acabou-se a tortura”. Não se trata de uma mera frase de efeito, à guisa de impressionar o leitor, para a autora relativizar depois. É uma afirmação categórica, o que a torna ainda mais chocante. Imediatamente pensamos em Guantánamo, em Bradley Manning, ou nos relatos das barbaridades que os ativistas dos Direitos Humanos trazem das prisões e delegacias brasileiras.

Vivemos em democracias, podemos nos manifestar alegremente”. SIC! Acabamos ter a comprovação desta tese em São Paulo, na Marcha da Maconha, duramente reprimida. Sequer foi preciso que alguém acendesse um baseado por lá, para que os manifestantes, no entender da sra. Menezes, “paquerassem” a polícia pelo caminho!

A luta armada acabou, viva a luta AMADA”. O manifesto mal começou, e já seria bom dar uma pausa em sua redação, se levantar da mesa do pub do Pátio Brasil Shopping e tomar um ar fresco lá fora. Já notamos que a relação amorosa aqui envolve o uso de coturnos, consolos, algemas, cães e secreções viscosas avermelhadas; ou seja, a proposta é encarar o sadismo do “parceiro” com uma boa dose de masoquismo. Para um casamento tão perfeito, a lua de mel bem poderia ser na Colômbia.

Lutamos em favor do que acreditamos, do que queremos, do que amamos”. Certamente isso distingue essa “nova esquerda”, enquanto a “esquerda de cenho franzido” lutava por algo que não queria, nem acreditava, nem amava!

É possível empunhar cartazes juntos, tomando cerveja, ouvindo música, comendo churrasco ou paquerando alguém pelo caminho. No hay más que endurecer”. Não temos mais que endurecer, nem a obrigação de nos manifestarmos. Como se antes alguém pudesse obrigar os indivíduos a sair de suas casas para atender à convocação de algum líder... Talvez ela queira dizer que não somos mais obrigados a nos indignarmos. Nem de sermos explorados, ou de ficarmos desempregados! Que beleza, as lutas sociais viraram festas populares! As revoluções viraram grandes carnavais! Estamos em pleno socialismo e não tínhamos percebido!

É proibido proibir”. O que significa isso, senão o vale tudo? A “esquerda” festiva acredita que a absoluta permissividade é uma forma razoável de contestação, como se toda autoridade fosse autoritária. Assim, podemos esperar que o indivíduo imediatamente permita a si mesmo atender apenas seus interesses particulares – por que não? Se o outro lado me cooptar, se me oferecer algum dinheiro, ou talvez algumas prostitutas gostosas, ou talvez um pirulito, qual é o problema de trair os demais? E quem disse que isso seria traição? Estou aqui pra festejar: viva eu mesmo! Sirvam-me!

Nossas bandeiras: liberdade, igualdade, fraternidade, tolerância, solidariedade, gentileza, generosidade, paz, amor, alegria”. Afinal, voltamos à Revolução Francesa e suas bandeiras abstratas. O que esses termos significam? Que será, por exemplo, essa tal igualdade que se dirige a todos? Quem é o referencial? Seremos iguais em quê? E por que tolerância, já que seremos iguais? O absoluto vácuo das bandeiras da “esquerda” festiva mostra o completo descompromisso e a completa ignorância do que sejam as lutas sociais, ou melhor, a luta de classes.

Seria de grande valia aos amorosos manifestantes consultar o que o velho e desconhecido Marx tem a dizer sobre a liberdade, a igualdade e a fraternidade (na qual estão reunidas as demais bandeiras festivas) em seu texto Sobre a Questão Judaica.

Lutamos contra o capitalismo predatório”. Quer dizer: almejamos o capitalismo justo, não-predatório, que existe no fundo de nossas fantasias pequeno-burguesas, o capitalismo festivo. Opa, o que há de novo em uma proposta que concilia capital e trabalho? Nada; a novidade está apenas no extremismo da ficção.

Lutamos contra a corrupção”, mas sequer imaginamos que existem os corruptores e de onde eles vêm.

Lutamos contra os regimes autoritários”; para nós os regimes democráticos estão excelentes! Viva o Estado! Viva o capitalismo da igualdade!

Lutamos contra o transporte individual”, pois queremos abolir o indivíduo; queremos a igualdade do coletivismo democrático para podermos andar em nossos confortáveis e festivos ônibus lotados (nota: a propósito deste assunto e do anterior, ou seja, do coletivismo contra o indivíduo e da politolatria em torno da democracia, tratamos em um próximo artigo).

A esquerda festiva será convocada a se reunir em passeatas, marchas e manifestações, mas também em bicicletadas, piqueniques, raves, shows, palhaçadas, churrascos, caminhadas, escaladas, cachoeiradas, contemplações da natureza, meditações e o que mais imaginar a criatividade de seus integrantes”. Ou seja, vamos estragar tudo aquilo que for lúdico, esportivo, familiar etc., politizando o que poderia ser um ótimo momento de lazer. Assim como toda forma de luta social será dissolvida em brincadeira, pois a “esquerda” festiva pensa que luta social é coisa por demais ranzinza e aborrecida; talvez porque reduz luta social a uma espécie de luta política, e como tal, diz respeito apenas a interesses particulares – particulares demais para tomarmos como nossos e levarmos tão a sério.

Nas manifestações será permitido paquerar, beijar, abraçar e fazer cafuné para não perder a ternura”. Será também permitido levar cacetadas na cabeça e balas de borracha na cara. Aliás, de onde essa senhora tirou que nas manifestações teríamos que ter permissão de alguém para beijar e abraçar as pessoas? Cá entre nós, é ideia “jenial” que só pode ter surgido ao ouvir descrições das manifestações da esquerda feitas por algum ressentido, como faz Arnaldo Jabor e demais ex-esquerdistas.

A esquerda festiva não admite paredões, fuzilamentos, exílio ou prisão de dissidentes. Quem pensa diferente é só alguém que pensa diferente”. A sra. Cynara nunca ouviu falar em facções? Ela deve imaginar que a esquerda sempre foi monolítica e sempre recorreu a expurgos stalinistas para eliminar os dissidentes. Não concebe também a possibilidade da traição, pois em sua democracia alegre não há revolução, muito menos contrarrevolução! De modo que deve pensar que presos políticos são presos comuns. E que quem pensa diferente seria exilado ou fuzilado por PENSAR diferente. Não pensa ela que quem é preso, exilado ou fuzilado fez mais que apenas pensar. Agora me ocorre uma hipótese: se houver um levante e os trabalhadores saírem pras ruas, quem atuar em defesa da propriedade privada estará simplesmente “pensando diferente”? Ao jogar contra eles a polícia, estará defendendo a exclusão da maioria da humanidade de qualquer propriedade, e sem dúvida estará pensando algo “diferente” em relação ao que aqueles pensam! Mas tudo indica que a sra. Cynara pensa que as diferenças se igualam e não há critérios, porque em seu pensamento pós-modernóide a diferença é apenas uma diferença e até mesmo a vida humana deixou de ser critério para julgar o pensamento. A diferença se tornou um absurdo: o “incomparável”.

Se os trabalhadores saírem para as ruas, os proprietários privados e seus cães de guarda fardados irão tentar detê-los, e vão usar armas, e não beijos. Então talvez os trabalhadores também peguem em armas. Estão mandando a polícia em nós? O Exército? Bem, frente a isso, duas coisas: rachar a polícia e o exército, e cooptá-los para o nosso lado; e bala na cabeça dos outros. É guerra, não é churrasco na casa de madame. Nessas horas, pode não haver nem tribunal, porque a autoridade do Estado já era. O sujeito está ali, na minha frente, armado. Eu vou dialogar com o fuzil dele? Devo encarar a situação como uma mera conversa de bar com alguém que apenas está a pensar diferente? Estaremos em pleno socialismo e ainda não fomos informados disso?

Pessoas de todos os partidos serão bem-vindas: a esquerda festiva independe de partidos ou classe social”. Essa é uma pérola de imensa sabedoria social! A sra. Cynara parece conhecer as classes sociais a partir da empiria no Shopping Iguatemi. Todas as classes e seus partidos estão convidados a comer salgadinhos na boca-livre da “esquerda” festiva! Todas as questões que levam os indivíduos a ponto de declararem guerra podem ser diluídas em happy-hours descontraídos. Convidaremos demotucanos e petistas, FHC e Lula, Serra e Aécio, Bolsonaro e Jean Wyllys, ACM Neto e Aldo Rebelo et caterva para grandes sessões de cafunés em espetaculares raves, organizadas por voluntários que distribuirão cervejas gratuitas! Afinal, a Ambev já foi assumida pelos seus funcionários e disponibiliza tudo de graça agora – o que só pode ser possível se assim acontecer com todas as demais indústrias. Mas porque haverá ainda uma “esquerda”, quando as classes sociais superaram suas diferenças a esse ponto, quer dizer, foram abolidas, é coisa que não dá para entender.

Discursos (curtos) serão aceitos, mas a esquerda festiva considera que rodas de samba e batuques em geral falam mais do que mil palavras”. Daqui a pouco, a sra. Cynara vai propor que a gente deixe as palavras de lado e passe a falar “mais” por meio de grunhidos. Discursos que a sra. Cynara julgar longos serão proibidos? Mas vejam só que contradição!... Peraí, esse artigo foi publicado na sessão de humor da CartaCapital? Ou estão fazendo hora com a nossa cara, publicando essa merreca ideológica???


Erik Haagensen Gontijo é mestre, licenciado e bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, defendeu dissertação intitulada "Natureza, Sociedade e Atividade Sensível na Formação do Pensamento Marxiano" sob orientação da Dra. Ester Vaisman. Professor de filosofia no ensino superior e médio em Belo Horizonte.



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