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Jorge Beinstein

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TTIP: a integraçom das decadências

Jorge Beinstein - Publicado: Sábado, 21 Março 2015 18:24

O projeto de integraçom entre os Estados Unidos e a Uniom Europeia (TTIP) é a vertente atlántica do TPP, o acordo transpacífico, ambos aparecem como a estratégia de criaçom de umha vasta articulaçom dirigida por Washington, rodeando a convergência eurasiática motorizada pola aliança russo-chinesa que estende sua influência para a periferia africana e latino-americana (tentando umha Europa a caminho da desintegraçom).


Na prática, cada umha dessas ofensivas norte-americanas assume um duplo aspeto. O acordo transpacífico tenciona assegurar o controlo razoavelmente organizado do que poderíamos qualificar como o arco periférico, formado por países de alto desenvolvimento, como o Japom, e subdesenvolvidos, como as Filipinas ou a Colômbia. E, a partir dessa zona controlada, cercar, hostilizar e pressionar a China. Por sua vez, o projetado acordo transatlántico pretende realizar umha operaçom similar controlando os países da atual Uniom Europa e apontando para a Rússia. A partir do Leste e do Oeste, o Império estabeleceria assim umha espécie de jogo de pinças sobre o espaço euroasiático, confrontando com a aliança russo-chinesa, que os estrategas imperialistas consideram "o inimigo principal".

Este desdobramento pretende apoiar-se sobre umha dinámica flexível, combinando diferentes doses de ordem e de caos: em princípio, trata-se de conseguir o controlo ordenado da "retaguarda estratégica" (países do TTIP e do TPP) e o controlo caótico do "espaço hostil".

É importante levar em conta os antecedentes ideológico-geopolíticos desta mega-estratégia global, bem como as suas componentes militar e energética (estendida a outros recursos naturais).

O pensamento geopolítico imperial prolonga e, de certa forma, renova umha velha obsessom ocidental, apontando para o espaço continental eurasiático, desde o este europeu até o Pacífico, visto como umha área destinada à conquista colonial, ao saque dos seus recursos naturais, à sobre-exploraçom das suas populaçons, seguindo as tradiçons de Napoleom e Hitler. Para começar a entender os estrategas do Pentágono, é necessário remontar a Halford J. Mackinder, pai fundador da geopolítica anglo-saxónica, quem assinalava a começos do século XX que a prevalência global de Inglaterra, potência marítima, dependia do controlo do continente eurasiático, principalmente da sua zona central, o "heartland" ou coraçom estratégico do mundo, incluído naquela altura o Império russo [1]. Conter, desarticular, calcar a essa potência e seus possíveis aliados para o centro-este europeu ou para o este asiático, impedir possíveis convergências russo-alemás ou russo-chinesas. Segundo essa visom o planeta aparecia dividido em três espaços; a "ilha mundial", abrangendo a Ásia, África e Europa continental, rodeada por umha faixa marginal próxima, marítima, com Inglaterra, Japom, etc; e por trás dela, umha faixa marginal longínqua com a América, Austrália, etc. Mal terminada a Primeira Guerra Mundial, Mackinder resumia a teoria com a sua célebre frase: "Quem governar o Heartland dominará a Ilha-Mundial; quem governar a Ilha-Mundial, controlará o mundo".

O contra-almirante Alfred Mahan, a partir dos interesses dos Estados Unidos e na mesma época, apontava para o mesmo objetivo [2].

Mais adiante , Nicholas Spykman, durante a Segunda Guerra Mundial, continuando de maneira crítica as ideias de Mackinder e Mahan, sentou as bases da escola geopolítica estado-unidense, cujos seguidores serám personagens como Henry A. Kissinger, George F. Kennan, John Foster Dulles, Zbigniew Brzezinski e falcons de última geraçom como Robert Kaplan ou Robert Kagan. Spykman criticava a teoria de Mackinder, na realidade alargava-a, ao "heartland" ou coraçom continental do estratega británico agregava-lhe o "rimland", o anel de territórios e espaços marítimos que o cercam. Dito de outra maneira, a contençom e depois a desarticulaçom colonial do inimigo eurasiático devia ser desenvolvida a partir da Europa nom russa (ou anti-russa), do Pacífico contra a China e da Rússia e do Sul marítimo e continental da Ásia e África.

Obras como "O grande tabuleiro mundial" de Zbigniew Brzezinski [3] reafirmavam as teorias de Mackinder e Spykman nos anos 1990, no pós Guerra Fria, dando os primeiros passos do que agora alguns autores denominam Guerra Fria 2.0, tentando a conquista integral da periferia facilitada pola desarticulaçom de seu coraçom estratégico: a convergência russo-chinesa (que vai alargando as suas áreas de influência na Eurásia, África e América Latina).

Visto com o ángulo dos recursos naturais a Federaçom Russa, aparece como o aparelho estatal (ou estatal-militar) que bloqueia o domínio imperial completo da chamada elipse estratégica dos recursos energéticos globais, território politicamente complexo que acolhe cerca de 60 % das reservas mundiais de petróleo e 80 % das de gás, abrangendo os países da bacia do Mar Cáspio e do Golfo Pérsico, estendendo-se para a Rússia.

Com umha visom económica mais ampla, nom só deve ser agregado um leque de recursos mineiros: desde antimónio (a China mais a Rússia tenhem 80 % das reservas globais) até as "terras raras" (a China possui cerca de 60 % das reservas globais) passando polo bismuto (a China tem 70 % das reservas globais), o manganês (a Ucránia dispom de um quarto das reservas globais), a potassa (a Bielorússia tem algo mais de metade das reservas globais). Também é necessário considerar os 230 milhons de operários industriais da China, cuja incorporaçom à economia mundial através de exportaçons baratas dirigidas principalmente para os Estados Unidos, Japom e Europa ocidental permitírom suavizar os desajustes estruturais causados pola onda neoliberal.

Mas o desenvolvimento do mercado interno chinês foi tornando mais cara essa mao de obra sobre-explorada (atualmente, por exemplo, o salário média na China é superior ao do México), o capitalismo chinês ia-se autonomizando e finalmente encabeçava junto à Rússia um processo de integraçom regional e de concorrência global com o Ocidente. Nesse sentido, é razoável pensar que os Estados Unidos, os seus sócios-vassalos da Europa e o Japom tenhem intençom nom só de dominar a elipse energética global, como também de submeter, sobre-explorar e embaratecer os operários chineses, redirecionando completamente a sua força de trabalho (ou o que ficar dela se se concretizar a colonizaçom da China) para as necessidades dos capitalismos centrais tradicionais.

Os três níveis do desenho

A imaginaçom imperial edificou umha hierarquia flexível de três níveis: o primeiro nível é o do espaço próprio, os Estados Unidos, que desde a chegada de George W. Bush à Casa Branca vai-se convertendo numha sociedade policial, aproximando-se de um modelo de tipo neofascista, a tendência viu-se reforçada na era Obama e será assim seguramente bem mais no futuro.

O segundo nível estaria integrado pola retaguarda estratégica, isto é os países "seguros", aliados do Império que atenazan geograficamente ao "espaço hostil". Trata-se basicamente da Uniom Europeia e dos vassalos do Pacífico, o TTIP e o TPP seriam seu enquadramento económico, a NATO e os acordos militares dos Estados Unidos no Pacífico conformariam a sua estrutura bélica.

O terceiro nível seria o "espaço hostil", países periféricos destinados a ser objeto de desarticulaçom e saque.

Porém, o arco ou retaguarda estratégica nom é integrado por duas subespaços economicamente homogéneos, mas por zonas heterogéneas, com países de primeira classe e outros de segunda ou terceira. Alguns que começam a declinar a partir de grandes alturas, como a Alemanha, França ou Inglaterra e outros que se encontram em pleno desastre social, como a Grécia, Roménia ou Bulgária. No Pacífico, temos umha economia hiperdesenvolvida e decadente como o Japom e outras tanto ou mais decadentes, mas completamente subdesenvolvidas como as Filipinas, Colômbia, Peru ou Indonésia. Esta simples constataçom serve para pôr em dúvida a viabilidade do desenho. A retaguarda estratégica segura, as tenazes dos serventes do Império, nom parecem ser seguras, antes apresentam-se como um monte de zonas doentes às quais os estrategas imperiais pensam encomendar missons que estám muito acima das suas possibilidades reais. É o que ocorre atualmente no caso ucraniano, onde os Estados Unidos obrigam a Uniom Europeia a reduzir as suas relaçons comerciais com a Rússia, incentivam a histeria anti-russa dos países bálticos e Polónia e fabricam um espaço caótico na Ucránia, instalando no seu governo a umha mistura insólita de neonazis, oligarcas e bandidos, com o fim de desestabilizar a Federaçom Russa. O que consegue é em primeiro lugar a derrota militar do governo ucraniano, o desabamento do seu aparelho punitivo empurrado para a armadilha de Deváltsevo, desestabilizar a Uniom Europeia e fortalecer a popularidade de Putin, consolidando o sistema de poder da Rússia.

Em conseqüência, o jogo entre ordem e caos (controlo ordenado do espaço próprio e do campo dos aliados... caos para o resto do mundo) devém um mega-espaço universal com fronteiras borrosas. A dinámica da crise global (económica, política, civilizacional) fai rebentar os esquemas teóricos dos estrategas imperiais.

A prática imperialista nom consegue os seus objetivos, convertendo-se antes num catalisador da decadência sistémica global, um de cujos aspetos mais notáveis é a fuga militarista para adiante, realidade extremamente perigosa qualificada de maneira conservadora como Guerra Fria 2.0, quando na verdade se trata de um processo de guerras locais que começárom como guerras assimétricas (a superpotência militar contra países subdesenvolvidos fracos) como no Iraque, Afgeanistám ou Líbia, mas que no caso da Síria e agora com a Ucránia aparece como a confrontaçom entre os Estados Unidos e a Rússia, as duas principais potências militares do mundo.

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O TTIP: a integraçom entre a fome e a vontade de comer

O TTIP aparece como o projeto económico mais ambicioso dos Estados Unidos que trataria de integrar sob o seu controlo direto, num só espaço, o conjunto de Ocidente, o que somado à NATO daria teoricamente como resultado a existência de umha força mundial irresistível. Mas a teoria e a manipulaçom mediática que a acompanha nom coincidem com a realidade.

A propaganda fala-nos da uniom de dois espaços económicos que ao se integrarem representariam cerca de metade do Produto Bruto Mundial, em geral trata-se de cálculos em dólares correntes que sobre-estimam economias com moedas sobrevalorizadas, como o é atualmente a dos Estados Unidos e o seu dólar, e subestimam outras com moedas subvalorizadas, como a da China. Tanto o Banco Mundial como o FMI, que nom podem enganar-se a eles próprios de maneira tam extrema, apresentam cálculos de Produto Bruto Interno medidos a Paridade de Poder de Compra em cada país, o que brinda umha visom mais realista.

Segundo esses cálculos, o potencial TTIP representava em 1990 46,1 % do Produto Bruto Mundial, para descer suavemente até 44,2 % no ano 2000 e depois percorrer umha trajetória de queda rápida, baixando em 2013 até 33,8 %, escassamente superior ao produto bruto dos países do BRICS (29,3%). Como é sabido e segundo dados do FMI, o produto bruto chinês (medido a paridade de poder de compra) ultrapassou o dos Estados Unidos em 2014.

A economia norte-americana está superendividada e conseguiu modestos crescimentos depois da recessom de 2009, graças a gigantescas injeçons de dinheiro a cada vez menos eficazes em termos de crescimento produtivo, dispom de umha estrutura industrial declinante, os seus desocupados reais (nom os que indicam os dados oficiais manipulados) aumentam. Por sua vez, a economia da Uniom Europeia deixou de crescer e em 2015 sofre deflaçom.

O TTIP, se vinher a se concretizar, aumentará os lucros das grandes empresas transnacionais de cada zona, a anulaçom de escudos protecionistas que implica esse tratado gerará desempregos que nom poderám ser compensados por hipotéticas geraçons de empregos graças aos acréscimos das vendas aos respetivos mercados desprotegidos.

Em ambas zonas, aumentará a concentraçom de rendimentos, arrefecerám ainda mais esses mercados, a pobreza alastrará e as taxas de crescimento económico serám nulas, muito baixas ou negativas. Em definitivo, a via de salvaçom para um grupo concentrado de capitalistas será ao mesmo tempo um colete de chumbo para as grandes maiorias populares de Ocidente.

Mas a salvaçom do mundo burguês nom chegará do heartland, da Eurásia (ou do BRICS), que nom consegue subtrair-se do desastre geral, o Brasil e a Rússia oscilam entre o crescimento zero e negativo, a China e a Índia desaceleram, nom há desacoplamento periférico, a crise mundial começa a se perfilar como decadência geral do sistema.

Notas:

[1] H. J. Mackinder, "The Geographical Pivot of History", The Geographical Journal, Vol.XXIII, 1904, Londres.

[2] Alfred Mahan, "The Influence of Sea Power Upon History", Little, Brown and Company, Boston 1890.

[3] Zbigniew Brzezinski, "El Gran Tablero Mundial", Paidós Ibérica 1998.

Fonte: Primeira Linha.


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