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Lorena Alonso Pinheiro

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De sonhos e raivas

Sororidade: o que nom se nomeia nom existe

Lorena Alonso Pinheiro - Publicado: Sexta, 21 Fevereiro 2014 15:40

Desde muito longe já, até boa parte do século XX, a instituiçom do matrimónio mostrava-se na cultura ocidental, quase como a única via a tomar pola moral obrigatória das mulheres: a criaçom dumha família e a subsistência económica.


Trocar a dependência do pai, pola dependência do casal era o próprio da identidade feminina. Ser a candidata do candidato escolhido e assegurar-nos de nom perder a partida contra as nossas confrontantes, é considerado desde a antropologia feminista como um dos motivos principais à hora de analisar as rivalidades, invejas e ciúmes presentes entre as mulheres, ante a insegurança de ficar às margens do beneplácito da cultura patriarcal.

A nossa aceitaçom social e familiar está indissoluvelmente ligada a aprovaçom e aceitaçom do homem. Ser do agrado do casal, dos companheiros de organizaçom, do chefe, do irmam ou do camareiro do local mais frequentado, produz em nós a segurança de estarem a representar o papel que de nós se espera, o correto.

As mulheres vivemos trapadas na loucura do antagonismo genérico. Desde o simbólico e desde a materialidade de nos negar os desejos de sermos individuais, fomos configuradas como submissas, devíeis, dependentes e intelectualmente insignificantes, contrárias por tanto, aos papeis tradicionais representados na masculinidade. Ser mulher na vida cotia, supom ter que comportar-se, mostrar-se e definir-se em base às pautas estabelecidas pola ideologia da feminilidade. A construçom filosófica e política do ser mulher, umha mulher de verdade, umha mulher como manda deus, debuxou para todas umha séria de obrigas e deveres comportamentais. Desviar-se do caminho traçado, supom sofrer de maneira muito mais violenta a repressom machista da heteronormatividade.

Resultaria lógico pensar que na dicotomia das contrárias seria fácil ver-nos como diferentes aos homens e iguais entre as mulheres. Duas categorias opostas, para se complementar em benefício da estabilidade patriarcal. Vem-nos diferentes e se vem iguais entre eles. Atuam juntos, unidos, ocupando todo o espaço como nos pátios dos colégios. O bar, o futebol, o sindicato, as ceias de empresa e a prostituiçom, faz muito forte esse sentimento real e visível de fraternidade. Mas as diferenças com eles, nom produzem semelhanças entre nós. O que deve e nom deve ser umha mulher, marcou a linha divisória entre nós e as outras.

Desde muito pequenas socializamo-nos na crítica, no desprestigiar e ridiculizar a outra, assumindo inconscientemente que nós também éramos derrota. Tam só víamos o que nom devíamos ser. Nem gordas, nem peludas, nem masculinas, nem demasiado "chaponas" nem demasiado burras. Nem santas e muito menos putas. Nom nos identificávamo-nos mais que coa escolhida, com essa melhor amiga que, sabendo da ruindade feminina, sentíamo-nos afortunadíssimas de possuir. Nom víamos às demais como espelhos nos que refletir a nossa imagem. A zorra do colégio representa um dos melhores exemplos.
Nos centros de trabalho muito feminizados, pudemos observar através dos óculos lilás, as desconfianças, a peleja constante por ser a melhor, por acadar a aprovaçom do pai-patrom, distantes, como se nom existira o comum entre nós, como se nom percebêramos a dupla esploraçom à que somos submetidas, dentro e fora dos centros de trabalho. Isto, ligado a tardia incorporaçom das mulheres ao mercado laboral, projeta-se na fraqueza do sindicalismo feminista. Todas maas, todas perigosas, e o cremo-lo tanto que o medo ao contágio, converteu-nos em rivais, confrontantes, inimigas.

Durante anos neguei-me a aceitar a possível existência dessa rivalidade que mostravam as frases feitas como: "as mulheres som(os) mais malas coas próprias mulheres". Doía e ainda doe profundamente escutar a mulheres dizer gostar mais de ter amigos que amigas porque som(os) ruins e víboras. Ainda que sigo a sentir um bicho no estômago cada vez que me topo mais umha vez nestas situaçons, reconheço como real o papel de reprodutoras da misoginia feminina e, a que nom se fala mas se sente, a misoginia feminista.

Na militância ou ativismo feminista se pressupõe, se prejulga, que este agir é contrário à ética que defendemos. A luita pola libertaçom das mulheres nos situa num plano superior a aquelas que nom tomaram consciência ou que incluso dim nom ser feministas. Essa altura, essa superioridade que divide às "mais" e "menos" feministas, é a que mantêm o papel de reprodutoras da misoginia patriarcal. Invejas das que tenham maior presença pública, ciúmes do prestígio e reconhecimento de outras. Críticas às que atraiçoam a autonomia feminista nas organizaçons mistas e as que nom sabem de militância política por nom pertencer a ningum partido. As que pintam os lábios e as que usam tacons. As que levam a criança pegadas ao corpo e as egoístas que priorizam a forma dos seus peitos, negando-se a lactáncia materna. As distinçons entre as históricas, as histéricas e as recém-chegadas.

Agora, no presente, quando nos definimos como mulheres conscientes dos binarismos de género, quando nos definimos como feministas no público e no privado, quando nos fazemos ouvir na rua e na cama, quando militamos em organizaçons mistas ou autónomas, a nossa obriga principal deve ser revolucionar a inimizade feminina e falar como nosoutras.
A sororidade entre as mulheres é muito mais que a adopçom nom sexista da fraternidade. A sororidade significa reconhecer e nomear a contradiçom interessada e presente na ideologia feminina. A dominaçom da mulher polo homem levou-nos a reproduzir e defender as armas coas que nos disparam. Armas que chegamos a utilizar contra nós mesmas. A sororidade é a obriga de criar alianças desde o poder que dá reconhecer-nos como conjunto oprimido, reconhecer-nos como classe para converter-nos em companheiras e amigas, juntas nas batalhas que ainda ficam por ganhar.

Com este artigo nom pretendo idealizar umha suposta mística feminina nem anular as diferenças entre todas e cada umha de nós. Nom pretendo negar as categorias nem opressons de classe, nem nacionais, nem sexuais presentes na realidade social. Mas atrevo-me a dizer que a opressom de género, a condiçom de sermos construidas como mulheres, deve dar-nos a oportunidade de reconhecer-nos nas comuns agressons, desigualdades e injustiças que sofremos todas nós, com maior ou menor virulência. A imensa maioria sofremos também a esploraçom capitalista com o conjunto classe trabalhadora mas, ver-nos iguais a eles, pensar que temos mais a ver com o companheiro de organizaçom que com qualquer mulher doutra ou nengumha organizaçom, é ignorar a nossa história, e negar-nos a nós mesmas.

As cifras nom falam dumha burguesia feminina nem de mulheres poderosas no político ou económico. Segundo dados do Instituto Galego de Estatística no ano 2013 do total de pessoas inativas na Galiza 190.500 galegas estavam a trabalhar no âmbito privado e reprodutivo fronte a 31.400 homens. No IGE fala das suas labores. No 2011, 19.847 mulheres forem dadas de alta no regímen especial de empregadas do fogar fronte a 441 homens. Em relaçom às Pensons nom contributivas, que podem ser de invalidez ou jubilaçom, no 2012, 43.512 pessoas percebiam a PNC, 29.710 som mulheres, representando o 68,8%. Isto significa viver com menos de 400€ ao mês. Quanto às pensons contributivas de jubilaçom do 2013, a retribuiçom media percebida polos homens foi de 975,53 fronte aos 605,06€ percebidos polas mulheres. Umha diferença de 370,47€ mensais é o exemplo da terrível injustiça à que somos submetidas as trabalhadoras galegas. Segundo os dados do 2013, das 37.800 pessoas que trabalharam em postos de direiçom e gerência empresarial, só o 30,2% eram mulheres. Das 315 alcaldias que há no nosso pais, as mulheres representam o 7,62% do total. A estatísticas só reconhecem como violência machista aquela que é exercida a maos das parelhas ou exparelhas. No 2012 houvo 4788 mulheres que denunciarom serem maltratadas, no 2010 solicitarom 1342 ordens de proteiçom. Só o 60% tiverem direito às mesmas e quantas milheiras ficam sem contabilizar.

Ontem sonhei que era chamada a participar na criaçom de algo novo. Sonhei que junto com outras mulheres, começávamos a trabalhar, a criar alternativas, a misturar ideias e conhecimentos próprios e de outras mulheres. Mulheres que admirávamos, que adorávamos as que lhes agradecíamos os seus contributos ao pensamento e a praxe feminista. Mulheres que sentíamos perto, que levávamos dentro por serem muito precisas no dia a dia entre tanta borralha. Mulheres que nos apoiaram, que nos abraçaram, que nos entenderam e coas que nos entendêramos. Sonhei que as compas das organizaçom mistas se entusiasmavam coa soa ideia de tecer novas alianças, de conhecer a mais mulheres, talvez em nada, companheiras ou muito mais que amigas. Sonhei que as compas das organizaçons autónomas achavam muito positivo essa combinaçom de ativistas para estenderem a ética e cultura feminista às organizaçons mistas. Sonhei também que muitas outras se achegavam ao sentir passar, um arrecendo muito cálido e fresco. Despertei e ao sair à rua, como sucede as vezes com os sonhos, tivem a sensaçom de que estava a suceder. De pronto, ali estava ela, vendo para mim como se nunca antes nos conhecêramos. Esta vez dim o passo, sorrim, saudei e devoltou o sorriso. Amanhá quizais lhe diga de ir tomar algo e saber como leva a vida. Perguntarei-lhe se ainda sente as feridas de todas as humilhaçons que sofreu no colégio, mostrarei-lhe as minhas sinceiras desculpas e de seguido intentarei faze-la partícipe do sonho que tivem ontem a noite.

Nom será facil e se calhar, finalmente optamos por continuar ancoradas no cepticismo, nas desconfianças e na divissom dessas raíces profundas que citava acima. Mas, negando-nos até a sonhar com algo que já está a ser, dispararemos mais umha vez contra nós mesmas e contra as que virám. Porque as feministas, sem quere-lo, também alimentamos o monstro da dominaçom patriarcal. Alimentemos conscientemente o sonho, e que flua a interaçom, fagamos da opressom comum o campamento base no que unir as nossas forças e convidemos ao mundo, a um mundo novo. Pintemos de lilás este presente-futuro ao que aínda com tanto em contra, fomos quem de chegar já.


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