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Joseph Ghanime

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Louvor do pequeno

Não vinha ao caso

Joseph Ghanime - Publicado: Sexta, 21 Outubro 2011 16:31

Joseph Ghanime

Bem sei que não vinha ao caso falar aqui de Muammar Khadafi.


Sei-o bem. Mas as imagens da televisão de ontem dérom-me voltas ao estômago. São as cinco da madrugada e não consigo dormir. Levanto-me, dou uma volta pola cozinha, abro a panela e como ansiosamente na coxa de polo da sopa; meto novamente a coxa roída na pota, estupidamente, mecanicamente; apercebo-me da porcaria que acabo de fazer – que nojo; tiro novamente a coxa de polo da pota e deito-a no caixote do lixo.

Que nojo que a televisão pública nos traia com o prato da ceia uma coxa de polo tão roída. Aconteceu com o enforcamento de Saddam Hussein; aconteceu com o vídeo-game do assassínio de Bin Laden; e agora, Muammar Khadafi. O espetáculo mediático da morte, o regozijo da supressão de uma pessoa.

Seica, à morte de Bin Laden, Obama reagiu com um we got it.

Dizque, à morte de Muammar Khadafi, Hillary Clinton reagiu com um wuaw.

Logo: a maior potência do mundo é governada por cãezinhos pavlovianos?

E não é que eu tivesse, crede-me, um grande apreço por Saddam ou Khadafi – muito menos ainda por Bin Laden.

Simpatizo com os ideais libertários, o que quer dizer que antipatizo por princípio com todos os líderes e estadistas. Mas porque são sempre os líderes árabes os alvos desse espetáculo? Porque se nos quer mostrar que a vida de um árabe vale tão pouco? Porque se pretende humilhar um povo inteiro na pessoa do seu presidente?

E ainda bem, o tratamento dado pola Telesur à notícia, falando abertamente de assassínio.

Ainda bem, que na coluna de opinião do Portal Galego da Língua, José Alberte Corral fale com tanta dignidade dos líbios.

Ainda bem, que o Grupo de Agitação Social continue a fazer antimilitarismo nas ruas de Vigo.

Ainda bem, que a Quenlha continue a encerrar os concertos com o Irmãos de Celso Emílio, um canto ao internacionalismo proletário.

Ainda bem, sim, que em Euskadi se procurem novos caminhos de luita, deixando a violência armada de lado.

E ainda bem, ainda, o sacerdote vasco que saiu anteontem na televisão, a dizer que ele era abertzale, clara, aberta, inteiramente – mas que a morte de um homem ou uma mulher não serve para nada, que o assassínio é algo grave demais para ser instrumentalizado em nome de um qualquer ideal.

Mas que vergonha que continuemos na OTAN.

Mas que vergonha esses aviões não pilotados ou drones.

Mas que vergonha que a Ministra de Negócios Estrangeiros espanhola se tenha reunido com essa matilha de bandoleiros do Conselho Nacional de Transição Líbio, enquanto se recusa aos vascos o direito a um referendo.

Mas que vergonha esses tiros de metralheta dados ao ar; esses gangues de varões barbudos apoiados polos governos da UE.

Mas que vergonha que a Líbia e o Egito venham a ter o Islão com religião oficial; que patética primavera árabe, essa aí.

Que vergonha Aznar a dizer que os egípcios não são civilizados.

Que vergonha que os governos da UE estejam a torcer abertamente polo islamismo, na Líbia.

Que vergonha que os governos da UE estejam a apoiar o islamismo armado na Síria – o islamismo sunita de Saad el Hariri, que tão bem quadra na agenda da Arábia Saudita, Israel e Turquia.

Que vergonha, a Arábia Saudita.

Os nossos governos querem que vejamos os árabes a matarem-se entre eles; os nossos governos querem que vejamos os árabes divididos por credos religiosos; os nossos governos querem que interiorizemos que os árabes são natural e irremediavelmente fanáticos e nós natural e cartesianamente democratas.

Os nossos governos não querem que os árabes tenham democracia; os nossos governos não querem que os árabes tenham laicismo; os nossos governos não querem que os árabes tenham direitos humanos; os nossos governos não querem que os árabes tenham paz.

E que tristeza, que aqueles que nos dizíamos resistentes à guerra andemos na casa a roer os ossos da sopa; e que remorso que a invasão imperialista da Líbia nos tenha passado polos focinhos com tanta impotência.

São as seis e meia da madrugada e aqui a gente ainda não conseguiu dormir.

Padre-nosso pequenino: já os galos pretos cantam.

Cruz em monte, cruz em fonte.

Que a brêtema de Lugo nos proteja da luz nociva do novo dia

- que já fareja por este Minho acima como um cão pavloviano.


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