Impulsionados pela indignação pública em virtude do assassinato à luz do dia de Michael Brown pela polícia, em Ferguson, Missouri; pela morte por estrangulamento de Eric Garner no final de julho pelas mãos de um esquadrão de polícia da cidade de Nova Iorque; e pelo fracasso dos promotores públicos em assegurar o indiciamento e o julgamento público dos policiais envolvidos; os protestos explodiram a tampa do descontentamento popular generalizado que fervia a fogo lento, trazendo-o à luz.
De acordo com os organizadores, entre 50 mil e 60 mil pessoas desfilaram nas ruas de Nova Iorque no sábado, dentro da ação "Milhões em Marcha" – organizada quase que exclusivamente através das redes sociais – na maior manifestação até agora da onda nacional de protestos contra a violência cotidiana da polícia contra os trabalhadores e jovens negros, e contra sua justificação legal, de fato, pelas instituições do governo em todos os níveis.
Na capital do país, Washington DC, entre 40 mil e 50 mil manifestantes responderam à convocação da "Rede de Ação Nacional" do Reverendo Al Sharpton, para uma marcha e comício sob a palavra de ordem "Justiça para Todos". Os organizadores do comício tinham previsto o comparecimento de apenas 10% deste número.
Milhares mais marcharam e se reuniram em Boston, San Francisco e muitos outros locais.
O movimento de protestos explodiu por todos os poros da sociedade estadunidense. Um número incontável de marchas menores e "die-ins" [pessoas deitadas como se estivessem mortas] eclodiram nas metrópoles, cidades e bairros por todo o país, pondo em ação uma população que tinha permanecido em grande parte silenciosa diante dos atos cotidianos de violência policial e da queda dos padrões de vida da classe trabalhadora ao longo da dita "recuperação" da "Grande Recessão" de 2008.
Celebridades e esportistas protagonizaram demonstrações públicas de protesto. Os jogadores de basquete da NBA se aqueceram antes dos jogos com camisetas estampadas com "I Can't Breathe" [Não Posso Respirar]. Personalidades da televisão realizaram manifestações de protesto "hands up" ["mãos ao alto"] durante as transmissões. Até mesmo membros da assessoria dos representantes do Congresso dos EUA saíram na semana passada em uma demonstração pública de solidariedade.
"Black Lives Matter" [A vida dos negros importa] e "Hands Up, Don't Shoot!" ["Mãos ao alto, Não atire!] estiveram entre as mais populares palavras de ordem e cânticos em todos os protestos.
O que é notável nesta onda de protestos é a súbita entrada em cena de praticamente todos os estudantes secundaristas em Denver CO, Elgin IL, e em outros lugares ao redor dos EUA. Greves de protesto de estudantes foram vistas em muitas localidades, na maioria dos casos encontrando o apoio dos professores e das administrações escolares.
Igualmente notável foi a ausência de liderança demonstrada pelos dirigentes sindicais. Apesar de algumas declarações moderadas de protesto terem sido emitidas pelos líderes dos sindicatos do setor público, tais como AFSCME e AFGE, a maioria permaneceu em silêncio. O presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, fez um discurso na convenção de setembro da federação sindical do Missouri que, embora simpática à luta contra o racismo, se absteve de mobilizar os recursos do sindicato e de tomar a iniciativa para organizar a resistência.
Nas ruas, a polícia tem décadas de experiência em reprimir trabalhadores, particularmente negros e latinos. Esta experiência tem a função de intimidar e castigar os trabalhadores, e também de ir aclimatando os policiais ao trabalho sujo de reprimir as lutas das massas e as rebeliões urbanas que a classe dominante sabe que estão no horizonte.
No entanto, até o momento, na maioria dos casos, as forças policiais não sabem como agir diante do recente surto de protestos, temem a reação que a repressão poderia causar. Até mesmo a polícia de Nova Iorque está ficando sem ação, apesar da excessiva presença da polícia em muitas zonas potenciais de protestos na cidade e da utilização, na semana passada, de uma LRDA contra os manifestantes (LRDA – uma arma sônica originalmente projetada para propósitos militares).
Até agora, não surgiu nenhuma coesão organizativa nacional dos protestos. A pretensão de certas personalidades de se tornarem lideranças das massas, como o Reverendo Sharpton, foi contestada na ação das forças frescas da juventude, que assumiram a vanguarda.
Esta onda de protestos aflorou do profundo poço de descontentamento nos EUA e mostra sinais de manter seu vigor no período à frente. Enquanto os números de manifestantes envolvidos ora se elevam, ora recuam de novo, milhares mais de trabalhadores e jovens estadunidenses permanecem buscando respostas à grande questão de como mudar a sociedade de forma efetiva e coletiva.