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080614 quebequeQuebeque - Le Monde Diplomatique - [Jean-François Nadeau] Fragilizado por uma longa greve estudantil, implicado em casos de corrupção e desgastado por dez anos no poder, o PLQ registrou, em setembro de 2012, a derrota mais severa de sua história.


Partido Quebequense (PQ) sofreu sua derrota eleitoral mais aguda no dia 7 de abril de 2014. Um mês antes, a primeira-ministra Pauline Marois, do Partido Quebequense (PQ), decidiu chamar eleições. Confiante em sua vitória, esperava obter as cadeiras de deputados que faltavam para formar um governo majoritário. Mas, contra todas as expectativas, o Partido Liberal do Quebec (PLQ), dirigido pelo médico Philippe Couillard, levou a maioria dos colégios eleitorais – 70 de 125 – com, mágica do sistema político provincial (ver box), uma minoria dos votos válidos (42,5%). O PQ recolheu apenas 25% dos votos e trinta cadeiras. Jamais um governo se sustentou por tão pouco tempo.

Para medir a amplitude da decepção suscitada pelo PQ, é preciso voltar à primavera canadense de 2012. Após o anúncio do aumento das mensalidades universitárias, feito pelo primeiro-ministro liberal Jean Charest, os estudantes foram às ruas e fizeram a greve mais longa da história do ensino superior canadense. A adoção de uma “lei especial”, que proíbe as aglomerações e justifica inúmeras detenções, levou uma parte importante da população a se somar aos estudantes.1 A própria Pauline aderiu ao quadrado vermelho de tecido preso à roupa que se tornou emblema da greve e tentou apresentar o PQ como o elo político natural do movimento.

Logicamente, os eleitores que a levaram ao poder em setembro de 2012 esperavam que ela rompesse com a política de seu predecessor. Em fevereiro de 2012, por ocasião do Encontro de Educação Superior, o PQ anunciou a revogação do aumento de 75% nas taxas de escolaridade (em cinco anos), mas paralelamente reduziu os créditos no imposto para essas taxas, que caiu de 20% para 8%. O aumento dos benefícios destinados aos estudantes menos favorecidos não foi significativo: vindo de um partido que se apresenta como a face legal da “primavera canadense”, essa política decepciona. “A justiça social, o meio ambiente e a cultura estavam no centro do movimento de 2012; mas quiseram fechar novamente as discussões pelo jogo eleitoral”, analisa Gabriel Nadeau-Dubois, um dos líderes do movimento estudantil.

Com a falta de interesse dos grandes partidos em relação ao tema, a educação não foi alvo de grande atenção política na campanha de 2014 – ficou em décimo lugar nas prioridades orçamentárias do Quebec, depois da saúde. Na ocasião do debate televisivo entre os chefes dos partidos, Couillard se contentou em anunciar sua vontade de instaurar o ensino de inglês na escola primária – o que levou a adversária Pauline a responder evocando o atraso das escolas. Nenhuma palavra sobre o acesso ao ensino superior, cada vez mais ameaçado no Quebec. Sinal de ruptura da relação entre o PQ e a “primavera canadense”: Léo Bureau-Blouin, sindicalista e estudante ligado ao partido independentista e vitorioso nas eleições anteriores, e Martine Desjardins, outra figura do movimento de 2012, foram derrotados no dia 7 de abril.

Incapaz de responder ao descontentamento estudantil a longo prazo, o PQ tampouco soube aproveitar os casos de corrupção que giravam em torno do adversário. Desde a criação de uma comissão de investigação, em outubro de 2011, vários homens de negócios ligados à indústria da construção civil compareceram diante do juiz France Charbonneau. Contratos públicos por tráfico de influência, funcionários subornados, favorecimento em licitações: há três anos estão sendo realizadas investigações em locais do PLQ; o prefeito de Laval, segunda cidade do Quebec, foi preso; eleitos liberais foram obrigados a pedir demissão; uma ex-ministra, Nathalie Charbonneau, foi acusada de ter concedido uma subvenção de US$ 11 milhões a uma empresa de engenharia em troca de apoio financeiro ao PLQ etc. Mas como o PQ poderia ter aproveitado tais desvios de conduta quando revelações recentes colocaram em questão o próprio governo?2

Independência quebequense

Contudo, é principalmente com relação à questão da independência nacional, outrora no centro de seu programa, que o partido fundado por René Levesque se mostrou particularmente silencioso, se não constrangido, durante seu curto mandato. Em suas duas passagens precedentes pelo poder (1976 e 1994), a legenda havia organizado um referendo sobre soberania. Pauline, por sua vez, jamais evocou tal ideia, a não ser para rejeitá-la.

Antes de falar de soberania, defesa da língua francesa ou extensão das prerrogativas provinciais, o PQ expressou seu nacionalismo por meio de um “programa de valores”, também chamado “programa de laicidade”. Revelado em setembro de 2013, o texto divide a população: vai na contramão do relatório da comissão de consulta sobre as “práticas de acordos ligados às diferenças culturais”,3 que após meses de trabalho concluiu em maio de 2008 que os “acordos razoáveis – quer dizer, as concessões feitas sobre bases culturais ou religiosas – não representavam um problema verdadeiro ao PQ, já que os casos litigiosos eram muito poucos”. O relatório sugeria restringir a proibição de “símbolos religiosos ostentatórios” apenas aos representantes de autoridade do Estado (magistrados, policiais etc.).

Fundada sobre noções fluidas como o “patrimônio comum” e os “valores” da sociedade quebequense, a carta-programa do PQ advogava a proibição de símbolos religiosos para o conjunto dos funcionários do setor público. De acordo com os defensores do projeto, em particular o ministro das Instituições Democráticas, Bernard Drainville, as demandas cada vez mais numerosas de imigrantes em termos de acordos religiosos interferia nos valores do PQ e notadamente na igualdade entre homens e mulheres. Apesar de nenhum estudo indicar tal evolução, o governo deveria, segundo Drainville, “arregaçar as mangas” e agir contra o aumento do integrismo.

Esse desvio dos fundadores do PQ de um nacionalismo cívico para um nacionalismo cultural dividiu o movimento independentista e desencadeou uma dispersão de vozes fortemente prejudicial ao bloco de Pauline. Em uma manchete publicada no Le Journal de Montréal (3 out. 2012), o ex-primeiro-ministro do PQ, Jacques Parizeau – que estava no poder quando houve o referendo de 1995 –, considerava que o programa corria o risco de afastar do projeto de soberania os cidadãos da imigração recente. Também o considerava contrário à tradição quebequense em matéria de laicidade: “Até agora, a questão do vestuário religioso não tinha dado espaço a intervenções. A batina dos religiosos e o penteado das religiosas desapareceram e o colarinho romano permaneceu sem que houvesse a necessidade de fazer leis e regulamentos a respeito”. Parizeau, finalmente, deu seu apoio à Coalizão Futuro Quebec, de François Legault, um dissidente e ex-ministro do PQ.

No programa de governo de Pauline, a laicidade não era defendida por ela mesma, e sim instrumentalizada com fins eleitorais. Para Gérard Bouchard, um dos dois autores do relatório sobre os acordos razoáveis, esse texto corre o risco de “despertar em parte da população sentimentos primários de xenofobia e temores irracionais (o grande complô islâmico que age secretamente no Quebec, a tomada do poder pelos muçulmanos: ‘eles se recusam a integrar-se’, ‘eles nos impõem seus valores’)”4 (ler artigo na pág.18).

Além disso, o PQ defende uma concepção de laicidade com geometria variável. No momento em que considerou proibir os símbolos religiosos no conjunto da função pública – os funcionários que se recusassem a tirar o véu, o turbante ou a quipá seriam demitidos –, permitiu aos eleitos, em nome da “imunidade parlamentar”, continuar a exibir seus adereços. Quanto à Assembleia Nacional, foi “em nome da história” que ela obteve a autorização de conservar o crucifixo instalado em 1936 pelo governo de Maurice Duplessis, na época do “grande obscurantismo”, quando a imbricação do poder político e da Igreja católica atingiu seu apogeu no Canadá. Onipresentes na vida quebequense, os símbolos oriundos da monarquia britânica, pilar da Igreja anglicana, também foram preservados.

Em realidade, o debate sobre o programa é focado principalmente no véu islâmico. Se nada indica que a laicidade do Estado quebequense esteja ameaçada, o discurso que aponta o dedo para os muçulmanos e, de forma mais geral, para a imigração se tornou moeda corrente nos últimos meses. A alguns dias do pleito, Pauline, preocupada em relançar sua campanha – as pesquisas indicavam que a maioria dos quebequenses apoiava a “carta-programa de valores”, em particular fora de Montreal –, saiu em público com Janette Bertrand, escritora popular, feminista de televisão e consignatária da carta-programa. “Moro em um edifício com piscina”, contava Janette durante um “brunch sobre laicidade” organizado pelo PQ no dia 30 de março de 2014. “Vou uma vez por semana para fazer hidroginástica. E, quando chegam dois homens, ficam decepcionados porque há duas mulheres [...]. Imaginemos que eles vão embora, conversam com o proprietário [...], e pedem: ‘Bem, queremos ter um dia de sossego na piscina’. E, em alguns meses, são eles que dominam a piscina o tempo todo. Essa é a manobra, isso é o que tememos, e isso é o que acontecerá se não tivermos a carta.” Essa história se revelou inventada – a própria Janette acabou por reconhecer –, mas os meios de comunicação já tinham difundido a informação.

A multiplicação de propostas desse tipo levou a uma exacerbação das tensões e a uma forte mobilização contra o PQ em alguns bairros multiétnicos de Quebec. No norte de Montreal, por exemplo, na circunscrição de Bourassa Sauvé, onde reside uma importante comunidade magrebina, cerca de 60,5% dos votos foram para a candidata do Partido Liberal, contra 42,3% em 2012. E, apesar das contorções do PQ para evitar abordar frontalmente a questão da soberania, ela apareceu de repente na campanha, pela voz de Pierre Karl Péladeau (“PKP”). O magnata dos meios de comunicação – possui a 16afortuna da província, e seu império, Qebecor, compreende 43 jornais, canais de televisão e serviços de telefonia – anunciou, em 9 de março de 2014, sua candidatura pelo PQ na circunscrição de Saint-Jérôme. Com o punho em riste, afirmou sua vontade de “fazer do Quebec um país”.

Pauline, que prefere falar de véu islâmico a discutir soberania, viu-se obrigada a tratar de independência e referendo: com PKP no governo, o PQ não deveria reavivar as brasas de seu projeto fundador? Isso seria feito segundo as perspectivas neoliberais de Péladeau, ex-militante comunista que se tornou símbolo da luta antissindical, notadamente noJournal de Montréal, no qual sua intransigência conduziu a uma greve patronal de duração recorde (764 dias)? Interrogada pelos jornalistas, Pauline precisou improvisar respostas sobre o eventual uso do dólar canadense, lembrando de passagem que a independência na versão do PQ não implicava de forma alguma ruptura econômica.

A primeira-ministra poderia ter repetido que não havia qualquer referendo em vista, mas nada foi feito: os membros do PQ dão a impressão de fugir de sua vocação fundamental no momento em que os adversários não param de recordá-la – ao ponto de caricaturá-la e transformá-la em espantalho. Em três dias, essa campanha que parecia não ir a nenhuma parte se transformou em um referendo sobre a independência.

No dia seguinte às eleições, os jornais da Power Corporation (La PresseLe SoleilLe NouvellisteLa TribuneLe Quotidienetc., propriedade da família do bilionário Paul Desmarais) triunfaram: os quebequenses finalmente tinham rejeitado a opção da soberania. julgamento precipitado, pois, se observados de perto, os indicadores sobre o tema não mudaram. Desde 1995, até mesmo quando a questão não estava no centro dos debates, a proporção dos partidários da soberania permanece estável: ao redor de 40%. Mas esse eleitorado se dispersou em diferentes blocos políticos. Juntos, PQ, Quebec solidário (altermundialista e partidário da soberania) e coalizão ação Quebec teriam obtido 56% dos votos. Dessa forma, é principalmente o PQ, como instância que reúne várias formas de apoio à independência, que explodiu no dia 7 de abril. 

BOX

A magia das eleições quebequenses

Mais uma vez, as eleições do dia 7 de abril mostraram os limites democráticos do sistema eleitoral canadense. Em porcentagem de votos válidos, os resultados do Partido Quebequense (PQ) estão entre os piores de sua história: 25,38%, atrás dos que se abstiveram (28,57%). Mas a legenda obteve trinta cadeiras de deputados, o que não configura um mau desempenho. Com apenas 2,38% de votos a menos, a Coalizão Futuro Quebec obteve apenas 22 cadeiras. E o governo liberal ganhou a maioria das cadeiras com menos de 50% dos votos. Certas regiões importantes, como o oeste do Quebec, serão representadas unicamente por liberais, quando apenas uma fração do eleitorado votou neles. São muitas as distorções presentes no sistema eleitoral majoritário uninominal de tipo britânico em vigor no reino de sua majestade, a rainha do Canadá. Contudo, já com as cartas na mesa é que começaram a circular novas petições para reformar o sistema eleitoral do país – como acontece a cada eleição há quarenta anos.(J.-F.N.)

Notas:

1  Ler Pascale Dufour, “A tenacidade dos estudantes do Quebec”, Le Monde Diplomatique Brasil, jun. 2013.

2  Cf. Robert Dutrisac, “Commission Charbonneau: le PQ sur la défensive” [Comissão Charbonneau: o PQ na defensiva], Le Devoir, Montreal, 23 jan. 2014.

3  Também conhecida como Comissão Bouchard-Taylor, ou “comissão sobre os acordos razoáveis”.

4 Gérard Bouchard, “La démagogie au pouvoir” [A demagogia no poder], La Presse, Montreal, 10 jan. 2014.

 Jean-François Nadeau é jornalista e historiador.

Ilustração: Oliver Jean/Retuers.


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