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japao1Japão - Le Monde Diplomatique - [Marc Humbert] O primeiro-ministro Abe Shinzo e seu partido liberal-democrata ganharam as eleições legislativas de dezembro de 2014. Apesar do recorde de abstenções (47,4%), durante os próximos quatro anos eles estarão livres para desenhar reformas estruturais impopulares, entre as quais uma nova política de imigração restritiva.


Diante dos parcos resultados de sua política liberal destinada a “revitalizar o Japão”, chamada “abenomics”, o primeiro-ministro Abe Shinzo decidiu, em novembro de 2014, pedir o consentimento das urnas para prosseguir com seu programa. Os eleitores votaram sob o slogan Kono michi shikanai (“Existe apenas esse caminho”) – um derivado do célebre Tina (There is no alternative, “Não há alternativa”), entoado pela dirigente britânica Margaret Thatcher. Se por um lado Abe desistiu de aumentar pela segunda vez o imposto sobre o consumo, por outro pretende atirar a terceira flecha de suas “abenomics” – as reformas estruturais – após ter lançado as duas primeiras: rodar a máquina de fazer dinheiro e reforçar o serviço público.1

Entre todas as medidas impopulares em vista, há aquelas que permitem a entrada de trabalhadores estrangeiros para responder à penúria da mão de obra não qualificada. Essa lacuna afeta principalmente o setor da construção e de obras públicas, já sobrecarregado pela reconstrução de Fukushima após a catástrofe. Em breve, também deverão ser iniciados os trabalhos para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020. Enquanto isso, há sete anos a população declina, e essa queda demográfica tende a se acentuar. Em 2000, eram 3,6 trabalhadores ativos para cada aposentado; em 2025, a perspectiva é de que essa relação se reduza a 1,9 trabalhador para cada aposentado.

Abe começou a abordar o problema antes das eleições, ao empreender uma campanha para aumentar a taxa de atividade das mulheres (será um árduo trabalho) e mencionar a possibilidade de trazer mão de obra estrangeira. Em fevereiro de 2014, diante do comitê de orçamento da Câmara dos Deputados, ele afirmou que a “aceitação ou não de mais imigrantes é uma questão essencial para o futuro do país e as condições de vida do nosso povo”.2

Partindo dessa premissa, especialistas foram mobilizados e convidados a participar de um encontro em sua residência oficial, em abril, quando a imprensa também foi acionada para divulgar o cenário de combate à queda populacional. Em vez de cair de 127 milhões em 2010 para 87 milhões em 2060, como preveem os estudos japoneses, a população se estabilizará ao redor de 110 milhões se a taxa de fecundidade for 2,07 em 2030 (atualmente é 1,39, contra 2,1 na França) e se o Japão acolher, a cada ano, 200 mil imigrantes. Abe entoou o mesmo discurso na televisão no fim de abril, defendendo-se: “Não se trata de uma política de imigração. Queremos que os estrangeiros trabalhem, ganhem dinheiro por um período de tempo limitado e depois voltem para seu país”.3

No mês seguinte, ele confirmou o sentimento geral reticente diante de uma eventual política de imigração: “Nos países que empreenderam projetos semelhantes, há muita tensão e insatisfação tanto da parte dos novos habitantes como da população já presente no país” (Japan Times, 2 jun. 2014). A versão revisada de sua “Estratégia de revitalização do Japão” publicada no fim de junho de 2014 retomou a ideia de acolher maciçamente trabalhadores não qualificados, sem falar em números.

Sem acesso aos empregos públicos

Em seguida, a economia decaiu, o aumento do imposto sobre o consumo de 5% para 8% em abril de 2014 não foi bem aceito e Abe mergulhou em sua campanha eleitoral deixando essa questão em suspenso. No entanto, ela retornaria às discussões porque, como indicava o jornalista Yoshida Reiji, do Japan Times, já no título de seu artigo, “o sucesso das ‘abenomics depende da política de imigração’” (10 maio 2014).

Organizar a chegada anual de um grande número de trabalhadores não qualificados pode apresentar dificuldades, pois a medida entra em contradição com o princípio estabelecido pelo Japão desde o pós-guerra: não à imigração. Se esse princípio foi parcialmente contornado em 1985, tanto as entradas como a naturalização dos imigrantes permaneceram baixas em relação às dos principais países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo a instituição, o Japão contava com 1,6% de estrangeiros em 2008 (últimas estatísticas divulgadas), contra 5,8% na França, 6,7% nos Estados Unidos e 8,6% na Alemanha. O índice de mão de obra nascida fora do país entre os trabalhadores ativos é irrisório (0,3%), enquanto na França chega a 5,6%, na Alemanha a 9,4% e nos Estados Unidos a mais de 15%. Além disso, as naturalizações são concedidas em conta-gotas: 0,5% dos estrangeiros se naturalizaram japoneses em 2013 (dos quais 43% eram coreanos), contra 2,6% na França, por exemplo.

Os coreanos já somam quatro quintos dos estrangeiros presentes no Japão há muito tempo. A colonização da Coreia, a partir de 1910, foi um dos focos do imperador, que a anexou; e os coreanos, uma vez presentes em solo nipônico, adquiriram o direito de voto, mas tornaram-se oficialmente estrangeiros quando o Japão recuperou sua soberania diante dos Estados Unidos, em 1952. O governo adotou uma lei que definia a nacionalidade japonesa, excluindo qualquer outro povo, inclusive o coreano.

Aos mais de 2 milhões de coreanos que viviam no Japão naquele momento foi dado o direito de voltar à pátria de origem, liberados do jugo nipônico. Cerca de 620 mil deles permaneceram em solo japonês, mas foram vítimas de discriminações ainda mais acentuadas que no passado. Apesar disso, quiseram continuar a viver no Japão – cujo idioma eles e seus filhos dominavam – e manter seus próprios costumes, mas também se beneficiar dos mesmos direitos que os japoneses.

Eles até poderiam solicitar a nacionalidade japonesa, mas até 1985 precisavam renunciar à coreana. Até essa época, apenas 150 mil coreanos tinham se naturalizado. Desde então, é possível ter dupla nacionalidade, mas as condições continuam drásticas e as naturalizações, escassas.

À exceção de seus centros culturais e escolas, os coreanos se fundem na população e nem sequer são notados até mostrarem seus documentos. Apesar de inúmeras famílias japonesas temerem que um de seus filhos se case com um coreano, o amor aflora entre os dois povos e os casamentos mistos são numerosos. De acordo com um estudo do sociólogo Yasunori Fukuoka de 1995,4 a cada onze casamentos dos coreanos zainichi(residentes no Japão) ou oldcomers(antigos imigrantes), sete são com pretendentes japoneses; portanto, somente quatro casamentos a cada onze são celebrados apenas entre coreanos. Os casamentos mistos são ainda mais numerosos se contabilizados os newcomers(recém-chegados) provenientes da Coreia do Sul, em número crescente desde a década de 1980. Atualmente, os newcomerssomam cerca de 180 mil – o dobro dos zainichi(coreanos residentes).

Ao longo do tempo, a situação dos coreanos no Japão melhorou: obtiveram um estatuto especial de residentes de longo prazo (em 1991) e, após uma série de manifestações e protestos, foram dispensados da necessidade de ter as impressões digitais em suas cartas de residência (1993). Essa última medida foi estendida a todos os residentes em 2000 – para sete anos depois ser revogada novamente, em nome da luta contra o terrorismo. Alguns direitos sociais, como a aposentadoria, foram acordados. Apesar de serem, em certa medida, cidadãos de segunda classe (sem direito a voto ou acesso a cargos públicos e não raro discriminados pela população), eles alcançam sucesso profissional e social tanto quanto os japoneses, segundo o sociólogo Kim Myung-soo.5

Desde o fim dos anos 1980, os coreanos perderam o posto de quase única comunidade estrangeira presente no país. Não pela naturalização acelerada, e sim porque o número de estrangeiros – até então estável – começou a crescer. Sob pressão internacional, o Japão acolheu refugiados da Indochina. Além disso, empresas que criaram postos de trabalho não qualificado com baixos salários incitaram as autoridades a flexibilizar as condições de entrada de trabalhadores estrangeiros, em particular asiáticos.

O governo, então, lançou dois dispositivos: em 1993 criou um sistema de estágio para aprendizes técnicos, que perdura até hoje com algumas evoluções; essa cobertura formal permitiu a imigração de jovens trabalhadores pouco qualificados por uma duração-limite de três anos.6 No fim de 2013, havia no Japão 53 mil aprendizes, dos quais dois terços eram chineses.

O segundo dispositivo se apoiou na criação de um visto para pessoas de origem japonesa. Adepto do princípio do direito sanguíneo, o Japão abriu suas portas não a trabalhadores, mas aos nikkeijin, descendentes de japoneses oriundos dos países para onde seus pais imigraram no início do século XX, como o Brasil. As empresas fazem seus recrutamentos in loco, mas oficialmente isso era tratado como um “retorno ao país”. Esses jovens possuem sangue e traços japoneses, e parecem prontos para se fundir com a população local. A realidade, porém, é diferente.

O número de nikkeijin, principalmente brasileiros, rapidamente aumentou de 15 mil, quando a lei foi votada em 1989, para mais de 300 mil em 2007. Concentraram-se em seis dos 47 departamentos: Aichi, Shizuoka, Mie, Gifu, Gunma, Kanagawa (situados entre Tóquio e Kyoto). Uma pequena cidade como Oizumi (42 mil habitantes) abrigaria 12% de estrangeiros, quase dez vezes mais que a taxa média do Japão. A concentração também se deu na moradia, em razão da discriminação do setor imobiliário privado em relação aos estrangeiros.

Esses brasileiros se parecem com os japoneses sem falar japonês e, por isso, são considerados analfabetos. Cidadãos criaram associações de apoio para acompanhá-los em seu desenvolvimento e aprendizado do idioma. As municipalidades envolvidas instituíram auxílios para facilitar a vida desses estrangeiros em suas cidades. Alguns municípios, como Kawasaki e Tóquio, organizam uma participação política local específica, criando instâncias como conselhos consultivos de residentes estrangeiros. Um movimento a favor do direito de voto local aos estrangeiros nasceu.

Durante a crise de 2008, muitos dos nikkeijin se formaram, e o governo criou um auxílio para que voltassem ao Brasil, em troca de não poder voltar ao Japão nas mesmas condições.7 Hoje, não passam de 80 mil.

“Uma nação, uma língua, uma raça”

Em 2005, com o plano de controle de imigração, o governo absorveu iniciativas locais e os estrangeiros passaram a não ser mais considerados cidadãos, e sim seikatsusha, que significa mais ou menos “pessoas da vida cotidiana”.

Os ministérios do Interior e das Comunicações delegaram à população a decisão de promover uma tabunka kyosei, ou seja, uma “coexistência multicultural”. Os estrangeiros não são mais exclusivamente objetos de controle.

Nem todos gostam da iniciativa. A extrema direita continua mobilizada contra os coreanos e todos os estrangeiros, e formou os coletivos zaitoku-kai contra os considerados “privilégios” que recebem. Entoam palavras de ordem racistas e ameaças em lugares onde há uma proporção significativa de estrangeiros.

Ainda que a grande maioria da população japonesa reprove esse comportamento, permanece uma inquietude em relação aos estrangeiros, considerados uma ameaça potencial à ordem pública em um país onde a criminalidade é baixa – quatro roubos para cada 100 mil habitantes, contra 181 na França e 133 nos Estados Unidos; 1,1 estupro a cada 100 mil habitantes, contra 16,2 na França e 28,6 nos Estados Unidos; e 0,5 morto a cada 100 mil habitantes (contra 1,4 na França e 5 nos Estados Unidos).8 A opinião pública tende sempre a responsabilizar estrangeiros, notadamente os que não possuem documentos.

Os japoneses são inclinados a pensar que, se o país é uma espécie de porto da paz social e civil, isso se deve à homogeneidade da população. De fato, estudos sobre a diversidade genética, linguística e religiosa nos países da OCDE classificam o Japão como abaixo da média, tanto em 2000 como em 1985.9

Poderíamos multiplicar as declarações de políticos do alto escalão que encorajam esse apego à identidade única, homogênea, e grande trunfo da grandeza do Japão – e que não pode ser maculada pela imigração. Assim, Aso Taro, então ministro da Educação, declarou em 2005: “O Japão é uma nação, uma civilização, uma língua, uma cultura, uma raça”. Essa atitude é alimentada por toda uma corrente ultranacionalista e culturalista que data do pré-guerra, mas persiste até hoje.

Será preciso que a quantidade de pessoas sob essa influência seja drasticamente reduzida para que o projeto de trazer ao país 200 mil estrangeiros por ano possa ser levado adiante e contribuir com o sucesso das “abenomics” – cujos desafios vão muito além da questão da imigração.

Notas:

1 Ler “La triple ambition du Japon” [A tripla ambição do Japão], Planète Asie, 21 out. 2014.

2 Declaração de 13 de fevereiro de 2014 registrada pelo Japan Times, Tóquio, 18 maio 2014.

3 Propostas defendidas no dia 20 de abril e citadas pelo Japan Times, 18 maio 2014.

4 Yasunori Fukuoka, Lives of young Koreans in Japan [A vida de jovens coreanos no Japão], Transpacific Press, Melbourne, 2000.

5 Kim Myungsoo, “Les caractéristiques de la xénophobie au Japon” [As características da xenofobia no Japão], Hommes et Migrations, n.1302, Paris, abr.-jun. 2013.

6 Ler Anne Roy, “Petites mains chinoises pour industrie nippone” [Pequenas mãos chinesas para a indústria nipônica], Le Monde Diplomatique, dez. 2008.

7 Essa disposição restritiva foi abolida em 2013.

8 “Crime and criminal justice statistics” [Estatísticas de crime e justiça criminal], Escritório das Nações Unidas sobre as Drogas e o Crime, 15 maio 2014. Disponível em: .

9 Cf. Natalka Patsiurko, John L. Campbell e John A. Hall, “Measuring cultural diversity: ethnic, linguistic and religious fractionalization in the OECD” [Medindo a diversidade cultural: cisões étnicas, linguísticas e religiosas na OCDE], Ethnic and Racial Studies, v.35, n.2, Routledge, Londres, fev. 2012.

Marc Humbert é professor de Economia Política da Universidade de Rennes I, ex-diretor da Casa Franco-Japonesa de Tóquio (2008-2011) e diretor adjunto do Centro de Pesquisa sobre a Cultura Japonesa de Rennes (França).

Ilustração: Adão Iturrusgarai.


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