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monolinguaLe Monde Diplomatique - [Dominique Hoppe] Se as vantagens econômicas globais do monolinguismo são negadas pelos números, seu interesse para os britânicos ou irlandeses é incontestável. O falante nativo desfruta uma posição privilegiada em campos como a tradução, a interpretação, a edição, a educação e a produção de ferramentas educativas.


Ilustração: Daniel Kondo.

No seio das organizações internacionais, a política linguística torna-se objeto de debates intensos. Ainda que as regras estatutárias definam línguas oficiais e línguas de trabalho (seis nas Nações Unidas,1 24 na União Europeia),2 um monolinguismo se impõe pouco a pouco. Evoca-se, quase sem complexos, uma nova língua franca: o English Lingua Franca(ELF).3 Por longo tempo apresentada como o resultado lamentável – porém inevitável – de limitações orçamentárias, essa evolução parece hoje assumida. As culturas profissionais das organizações internacionais se integram agora à dominação do inglês, e seus defensores chegam a afirmar que ele se internacionalizou: libertado das práticas e representações dos falantes nativos, ele não constituiria mais uma ameaça à diversidade linguística ou à equidade.

Com frequência adeptos da doutrina da “nova gestão pública”,4 os que defendem o ELF insistem no fato de que seu uso seria o melhor meio de impedir uma insustentável explosão dos custos. Esse argumento, porém, não resiste à análise. A União Europeia, que, no entanto, tem o regime formal mais exigente em termos de línguas de trabalho, gasta aproximadamente 1,1 bilhão de euros por ano com os serviços linguísticos, o que corresponde a 1% do orçamento, 0,0087% do PIB, 2,20 euros por morador ou 2,70 euros por cidadão com mais de 15 anos. Ainda que existam riscos de evolução para gastos maiores, uma despesa de menos de 0,01% do PIB não poderia ser considerada economicamente incontornável.

Além disso, as reduções de custos evocadas para justificar o ELF repousam geralmente em relatórios orçamentários das organizações envolvidas. Estes se referem exclusivamente aos custos primários diretos (traduções, trabalhos de interpretação) e indiretos (despesas gerais associadas aos serviços linguísticos) imputados às próprias instituições. Com base apenas nesses critérios, pode-se falsamente “demonstrar” que o monolinguismo é menos caro que o multilinguismo. Na realidade, o custo real de um regime linguístico só pode ser medido se levarmos em conta os encargos secundários e implícitos, não somente para a organização em si, como para o conjunto dos atores envolvidos. Reduzir ou suprimir traduções não elimina a necessidade delas, por exemplo. Estas deverão ser feitas em outro local e representarão, portanto, um encargo para alguma outra pessoa. O que é apresentado pelos partidários do ELF como uma redução de custos não passa na verdade de uma transferência de custos.

O lançamento em 2014 do novo programa “Erasmus+” para a educação, a formação, a juventude e o esporte fornece uma demonstração dos efeitos perversos de tal transferência. Contrariamente às regras linguísticas da União Europeia, o guia do programa foi de início publicado unicamente em inglês, tendo sido traduzido em seguida somente após a data-limite de entrega dos dossiês para o primeiro ciclo de candidaturas; a situação era, portanto, levemente similar àquilo que seria se o ELF fosse oficialmente reconhecido. O documento foi, então, traduzido com as condições que cada um tinha, em diversos níveis de detalhes, em várias línguas (mas não em todas) e por atores diferentes (ministérios, universidades, associações, empresas privadas...). O acesso ao conteúdo era parcial e mudava de uma língua para outra; as traduções oferecidas se mostraram por vezes contraditórias. O grande número de palavras ou textos repetidos tornava difícil a identificação da melhor informação. Assim, confusão e multiplicação dos custos se seguiram à carência de tradução inicial. Já os anglófonos puderam desfrutar a situação porque tiveram acesso fácil às ferramentas que lhes permitiram solicitar fundos e às possibilidades oferecidas pelo programa.

Uma garantia do próprio processo democrático

Se estendermos a análise comparativa entre monolinguismo e multilinguismo à comunicação nos dois sentidos (se expressar e compreender o outro), a diferença dos custos explode. Também nesse caso é a União Europeia que oferece o exemplo mais flagrante. Hoje em dia, os textos são oficialmente traduzidos em 24 línguas, e cada cidadão pode escolher aquela na qual irá se dirigir às instituições. Isso torna a comunicação direta possível para todos e permite igualmente a cada europeu participar, se desejar, dos debates que envolvem questões financeiras ou políticas importantes. Essa política multilinguista é, portanto, uma garantia do próprio processo democrático. Os últimos estudos indicam que, se o inglês se tornasse a única língua da União Europeia, o custo de aquisição das competências linguísticas necessárias para que cada país pudesse intervir e participar de maneira equitativa nas atividades comuns seria de cerca de 48 euros por cidadão europeu por ano. Afora o fato de que o processo de aprendizagem tomaria um tempo considerável e que nada prova que ele seria sociologicamente realizável, estamos bem longe dos 2,70 euros do atual multilinguismo europeu, por mais imperfeito que ele seja.5

Uma história resume bem tanto o custo financeiro dos erros e das aproximações no uso do inglês quanto aquele, mais político, das dificuldades de compreensão, de expressão e de negociação ligadas ao emprego de uma língua “imposta”. Em março de 2013, interrogado pelo diário britânico Financial Times, o presidente do Eurogroupe, o holandês Jeroen Dijsselbloem, declarou que o plano de salvação europeu do Chipre podia ser considerado um modelo passível de ser reproduzido, provocando uma queda do euro e dos valores bancários. Essa declaração, contrária à posição do Eurogroupe, se baseava num erro. Dijsselbloem, que não conhecia o sentido da palavra inglesatemplate(“modelo”, em linguagem da informática), não ousou confessar isso: consequentemente, entendeu mal a pergunta e respondeu de forma inexata.

Se as vantagens econômicas globais do monolinguismo são negadas pelos números, seu interesse para os britânicos ou irlandeses é incontestável. O falante nativo desfruta uma posição privilegiada em campos como a tradução, a interpretação, a edição, a educação e a produção de ferramentas educativas. Sendo sua língua o referencial, ele pode desenvolver com excelência e a um custo menor atividades nos campos cobertos pela organização envolvida. Essa vantagem estratégica lhe proporciona de fato economias substanciais, que poderão ser investidas em outros lugares, gerando efeitos de treinamento consideráveis. Jamais compensado, esse fenômeno quebra o equilíbrio entre as nações e a igualdade entre os cidadãos europeus que estão no cerne das políticas multilaterais. Em 2001, o British Council avaliou o valor dos produtos ligados à língua inglesa em 13 bilhões de euros.6 Em 2005, um relatório7 encomendado pelo Alto Conselho da Avaliação da Escola examinou em detalhe esse número. Levando em conta o crescimento do PIB nominal, os efeitos multiplicadores e as rendas liberadas, os mercados privilegiados foram estimados em 8,4 bilhões de euros, a economia de esforço para a tradução e a interpretação em 2,2 bilhões de euros e a economia no ensino das línguas estrangeiras em 64 bilhões de euros. Em 2014, esse efeito de transferência em favor do Reino Unido em razão da posição dominante do inglês foi reavaliado em 21 bilhões de euros.

Sob a influência da “nova gestão pública”, as preocupações orçamentárias fagocitam o debate sobre os regimes linguísticos. No entanto, as questões são acima de tudo políticas. Em 1988, Boutros Boutros-Ghali, ex-secretário-geral das Nações Unidas e então presidente da Organização Internacional da Francofonia (OIF), já expressava a natureza delas: “A primeira razão de nossa posição sobre o plurilinguismo é o respeito à igualdade entre os Estados. Sabemos que o fato de obrigar os funcionários internacionais, diplomatas e ministros a se exprimir em uma língua que não é a deles equivale a colocá-los em situação de inferioridade. Isso os priva da capacidade de estabelecer nuances e refinamentos, o que significa fazer concessões àqueles dos quais ela é a língua maternal. Além disso, todos nós sabemos que conceitos que parecem similares são com frequência diferentes de uma civilização para outra. As palavras expressam uma cultura, uma maneira de pensar e uma visão do mundo. Por todas essas razões, eu creio que, como a democracia de um Estado se baseia no pluralismo, a democracia entre dois Estados deve se basear no plurilinguismo”.8

A análise dos sites de internet das organizações internacionais prova que a grande maioria delas sofre de monolinguismo9 e de repercussões culturais e conceituais. Das trinta agências descentralizadas da União Europeia, 21 apresentam seu site unicamente em inglês, cinco exibem uma diversidade que, no entanto, privilegia o inglês e quatro são realmente diversificadas do ponto de vista linguístico. Em campos tão variados quanto aqueles cobertos pela Autoridade Bancária Europeia (ABE), a Agência de Cooperação dos Reguladores de Energia (Acer) ou a Agência Europeia de Defesa (AED), o conhecimento do inglês é necessário para que alguém possa se informar sobre algo. Sem falar de relatórios regulares sobre a ameaça islâmica na Europa, que só foram publicados pela Europol em inglês...

Globalmente, os sinais da hegemonia cultural e conceitual são incontestáveis. Sabemos que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial construíram, desde os anos 1980, uma forma de desenvolvimento baseada na ideologia neoliberal aplicada indiferentemente na América Latina, no Sudeste Asiático e hoje em dia no sul da Europa. Como não se preocupar com o progressivo deslizamento da justiça penal internacional para um modelo que privilegia o direito jurisprudencial da common law?10 E os exemplos do mesmo tipo são numerosos. Como se espantar a partir disso com a desconfiança que têm os cidadãos em relação às instituições multilaterais?

Sintoma emblemático de uma certa visão do mundo, o monolinguismo é um indicador importante dos equilíbrios geopolíticos globais. Limitá-lo traduziria a capacidade das nações de agir em conjunto harmoniosamente no respeito de suas diferenças.

Dominique Hoppe é presidente da Assembleia dos Funcionários Francófonos das Organizações Internacionais (Affoi).


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