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040813 daniel pintoAndaluzia - PGL - [Daniel Pinto] Há 30 anos vários professores da Universidade de Sevilha realizaram um estudo onde afirmavam que um terço da população andaluza considera que fala mal. Que cidadãos doutras partes de Espanha, onde impera um forte nacionalismo, pensem isso é grave; mas que o pensem os próprios Andaluzes de si mesmos é no mínimo preocupante.


Certas instituições e meios de comunicação social reforçaram esta ideia durante décadas, promovendo uma única variedade correta de espanhol. Como escrevia Manuel Navarrete num artigo, é curioso que a variedade do castelhano do centro peninsular seja a variedade que se imponha ao resto, mesmo sendo minoritária. "¿Por qué el 10% de los hispanohablantes debe dominar al 90%? Si sólo una exigua minoría de los hispanohablantes distinguen casar de cazar."

Para se aperceber deste supremacismo linguístico basta ver a televisão andaluza. Porque um apresentador de notícias da televisão andaluza fala com sotaque de Madrid? A resposta a esta questão prende-se ao menosprezo da variedade linguística andaluza, considerada vulgar ou incorreta.

Esta ideologia supremacista está a levar ao confronto entre povos. Eu moro em Madrid, onde não é estranho ouvir comentários como "los andaluces no saben hablar". Estas opiniões, que não tem qualquer base linguística, vão criando pouco a pouco atitudes de rejeição, troça e racismo para com o povo andaluz. E é por isso que considero necessário tentar desmontar essas afirmações tão comuns mas ao mesmo tempo tão falsas.

Para se perceber melhor o fenómeno, é preciso referir que todas as línguas ditas "padrão" ou «standard» são fruto de acordos artificiais. A língua-padrão culta tem por base o modelo escrito, é uma elaboração fictícia da língua coloquial. Por exemplo, o francês que se ensina nos liceus é o francês padrão, cujas características foram recompiladas de diversas variedades linguísticas, e uma em particular, a variedade de Paris. Da mesma maneira, a gramática do castelhano-padrão é formada por convenções de diferentes variedades coloquiais, sendo sempre uma delas a privilegiada. Tal como o francês parisiense serviu para elaborar umas normas gramaticais do francês, no caso do castelhano foi tomada a variedade do centro peninsular. Portanto, não admira que muitos Madrilenos, ou Castelhanos em geral, acreditem que eles são os que melhor falam espanhol. Porquê? Torno a dizê-lo: porque a língua-padrão, elaborada artificialmente e que ninguém fala, é praticamente igual que a variedade coloquial de Madrid.

A norma linguística elaborada pela RAE considera que num espanhol correto deve distinguir-se entre"cazar" e "casar"; no entanto, em todo o domínio linguístico dessa língua (contando, evidentemente, com a América Latina), apenas os falantes da metade norte de Espanha fazem esta distinção.

No entanto, muito embora os Madrilenos acreditemos falar um impoluto castelhano, a norma oficial tem por incorreto o leísmo (uso do pronome le para o objeto directo) e o laísmo (uso do pronome lapara o objeto indirecto), sendo precisamente Madrid e grande parte de Castela regiões leístas elaístas.

Esclarecido este ponto, chegamos à conclusão de que a língua coloquial é a realmente importante para o estudo, pois é a maneira de os seus falantes se expressarem.

Devemos considerar que a língua coloquial não é nenhum desvio nem aberração. A variação linguística é uma característica de todas as línguas, pois todas elas vão mudando pouco a pouco ao longo do tempo. Desde o primeiro soldado romano que chegou à Península Ibérica até você que me está a ler, todos acreditamos que falamos aos nossos filhos da mesma maneira que nos falaram nossos pais, mas não é verdade. Não houve uma ruptura radical na formação das línguas romances, mas cada comunidade de indivíduos falava um latim adaptado aos vestígios das suas anteriores línguas, e pouco a pouco esses diversos modos de falar deram lugar a línguas totalmente diferenciadas umas das outras.

Um Andaluz não fala errado; é simplesmente mais uma variedade dentro do cadinho do âmbito linguístico hispano. Que as variedades andaluzas se afastem da gramática "oficial" não significa que sejam menos válidas, pois como já dissemos, essa norma-padrão é uma elaboração artificial tomada na maior parte do castelhano do centro peninsular. Os sectores do nacionalismo linguístico espanhol podem argumentar que os andaluzes "se comen las letras". Da perspectiva da linguística respondemos-lhes que a escrita está subordinada à língua oral. Embora seja verdade que a escrita tem servido para a difusão da cultura e do conhecimento, devemos sublinhar que a escrita é estática no tempo, pelo que não atualiza o dinamismo e a diversificação da língua falada. A ortografia, portanto, afasta-se com o correr do tempo da língua falada.

Se tomamos de novo o caso do francês, vemos como uma palavra escrita pode conter mais letras que fonemas; assim a palavra français consta de 8 letras mas só 5 fonemas /frãsɛ/. Por conseguinte, se não nos ocorre afirmarmos que o francês é incorreto ainda que a sua pronúncia se afaste da ortografia, porque é se afirma que o andaluz é incorreto?

Em andaluz é perfeito no sentido que serve para uma comunicação eficiente, e como qualquer variedade linguística possui mecanismos do que se chama economia da linguagem. Tomando a frase"¿qué ha pasado?", um madrileno pode pronunciar /keapasao/ ou mesmo /kapasao/. Em nenhum caso nos cingimos à ortografia, mas que para economizar abreviámos a forma. Pois bem, da mesma maneira um Andaluz pode pronunciar /ehtai/ se pegamos na frase "está ahí". Todas as línguas recorrem a estes mecanismos, daí que tachar o andaluz de incorreto não faça sentido.

Outro argumento típico de quem considera o andaluz uma perversão do glorioso idioma espanhol é aquele que diz que "no se sabe si hablan en singular o plural porque se comen las eses". Estaremos de acordo em que o castelhano emprega o morfema "-s" ou "-es" para marcar pluralidade. Assim, temos "árbol – árboles" ou "niña – niñas". Isso no nível fónico traduz-se na pronúncia duma fricativa alveolar surda /s/ como marca de plural. No entanto, na grande maioria de casos o andaluz não emprega este mecanismo para marcar o plural, o qual não quer dizer que não haja característica de pluralidade.

O castelhano-padrão conta com cinco sons vocálicos; em contrapartida, o andaluz desenvolveu um sistema vocálico mais largo para marcar o plural. De facto, um cordovês pode chegar às dez vogais (as cinco fechadas que tem o castelhano-padrão mais os seus respectivos sons abertos que marcam plural). Um Andaluz, portanto, pronunciará /niɲo/ quando o substantivo for "niño" e pronunciará /niɲɔ/ ou mesmo /niɲɔh/ quando o substantivo for "niños".

De modo que, quer abrindo a vogal final, quer com esta abertura e uma aspiração, nenhum Andaluz fica sem saber o número (singular ou plural) do correspondente nome.

Em conclusão, afirmamos sem medo a errar que não existe corroboração científica que assegure que os Andaluzes falam mal. Pelo contrário, falam mais uma variedade do domínio linguístico do espanhol. Àqueles que afirmam, com superioridade moral além do mais, que o andaluz se afasta do castelhano correto, é preciso esclarecer que o que é considerado castelhano "correto" ou "padrão" é uma convenção artificial elaborada a partir do castelhano centro-peninsular; daí que dê a impressão que madrilenos ou castelhano-leoneses sejam os que melhor falam, pois é a sua variedade linguística que foi escolhida para conformar a norma-padrão. Disto não se infere que o Andaluz fale errado, pois a língua oral predomina sobre a escrita, também uma elaboração artificial dos humanos. O andaluz, como qualquer variedade linguística, cria e possui mecanismos para marcar os traços morfológicos e fonológicos, pelo que as aspirações, o sesseio ou a abertura de vogais são tão aptos como qualquer outro fenómeno.

É preciso combatermos essas teorias supremacistas do espanhol, pois através delas se percebem preconceitos que ultrapassam o âmbito linguístico e derivam numa ideologia racista contra o povo andaluz.


Daniel Pinto é estudante de linguística na Universidade Autónoma de Madrid.


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