Como se explica esta decisão? Difícil de entender. Porque se trata de contradizer, abertamente, uma lei que define uma por uma as línguas denominadas minoritárias algumas das quais -em concreto, as duas que não têm um equivalente no estrangeiro, isto é o sardo e o friulano- em virtude da decisão da Corte de Cassação ficariam como rebaixadas, deixariam de ser línguas propriamente ditas. Assim sem mais nem menos.
De fato, a mudança afecta duas línguas que já são bem reconhecidas, que são objeto de leis em vigor, relacionadas com o ensino e com o uso público ou oficial. Apesar de tudo isto, a Corte de Cassação sentenciava, a 19 de julho, que o sardo e o friulano não podem ser equiparadas a línguas que servem para tudo, em especial no âmbito da justiça. Estas supostas carências levam, automaticamente, a enviar o sardo e o friulano aos limites dos dialetos, não objeto de nenhuma lei.
A governação central não reagiu. Cala. Parece insensível às reações que se estão a produzir por todos os lados, reações que costumam converter-se em acusação a este tribunal de se deixar levar pelo ódio daqueles que não admitem a diversidade dentro do Estado italiano. Prática e ideologicamente, a sentença não só representa um ataque à dignidade de línguas e culturas de uns povos milenários, como também um desprezo da Constituição italiana, que, em princípio, respeita a diversidade linguística (artigo 6) dos cidadãos da República, que já dispõe de uma própria legislação ao respeito, avalizada pelo mesmo Tribunal Constitucional, e que começa a cumprir a Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias.
Neste contexto, multiplicaram-se às pressas as tentativas explicar as diferenças existentes entre língua e dialecto. Em resumo os opinadores ou estudosos afirmam que entre língua e dialecto não há diferenças de tipo linguístico: uma língua é reconhecida como tal quando num determinado país chega a ter carácter de oficialidade, facto que é negado ao dialeto, circunscrito a uma certa área geográfica. A respeito das línguas definidas como minoritárias, ao menos no caso de Itália, os opinadores ou estudiosos adotam um tipo de linha intermédia que define este tipo de línguas como o idioma de uma comunidade enraizada num determinado território, dentro do Estado italiano, que une aos seus traços linguísticos ulteriores reconhecimentos de conteúdo histórico-político e jurídico. São, precisamente, estas caraterísticas as que reconhece a mencionada lei 482/1999.
Para promover a anulação da sentença da Corte de Cassação, a Agência Regional da Língua Friulana, por encomenda do governo autónomo do Friul Veneza-Júlia, está a elaborar um documento destinado a ser assinado por representantes de instituições, associações e comités conscientes do valor da língua friulana. Um documento que, finalmente, teria de ser submetido à aprovação de uma assembleia pública presidida por todos os parlamentares do Friul.
Os autores deste documento quereriam que os defensores da língua friulana aceitassem a solução mais eficaz para conseguir, o mais cedo possível, um novo reconhecimento oficial de uns direitos linguísticos que são já reconhecidos desde há tempo. Sobre esta base, as autoridades friulanas preparam um recurso ao Tribunal Constitucional e ao Conselho de Europa o qual tem o dever de velar para a aplicação da Convenção marco relativa às línguas minorizadas. Estas autoridades sabem bastante bem, por experiência, que a aprovação da lei 482/1999 tão só foi a vitória de uma batalha e que a guerra verdadeira se combate a cada dia sobre o terreno do exercício dos direitos.
Paralelamente, os autores do documento ajudam a preparar uma convocatória de mobilização popular a fim de alargar a reivindicação linguística dos friulanos a todas as línguas minorizadas do Estado italiano.