A começar pelos racistas, fascistas e protofascistas brasileiros, que pelas redes sociais lamentavam a morte do líder sul-africano, mas que negam a existência do racismo no Brasil, criticam os que combatem o movimento anti-racismo como divisor de nossa "democracia racial", ou que apoiam e apoiaram a ditadura brasileira e a repressão nas últimas manifestações. Agora, eles choram a morte de um preso político, punido por vinte e sete anos por sua organização lutar com armas em mãos contra o fascismo.
A hipocrisia também estampa a capa da Veja, representante da burguesia mais decadente e reacionária brasileira. Como não poderia ser diferente, sua capa é sobre Mandela, chamado de "O Guerreiro da Paz". O detalhe é que desde 2006 o Grupo Abril, que edita a decrépita revista, tem como um dos principais sócios, com 30% do capital, o grupo sul-africano Naspers. Este era intrinsicamente vinculado ao Partido Nacional, o partido do apartheid, tendo sido o porta-voz do regime assassino que prendeu Nelson Mandela!
Contudo, a hiprocisia é internacional: os EUA votaram contra a resolução das Nações Unidas em 1987 que exigia a libertação de Nelson Mandela, e o manteve até 1° de julho de 2008 na lista negra do Departamento de Estado como terrorista, mas agora lamentam publicamente a morte, sem nenhuma palavra sobre sua própria postura, nenhuma auto-crítica, nenhuma mea culpa, nada. Como se a história não tivesse existido.
A hipocrisia só é maior ainda nos únicos outros dois países que votaram contra a mesma resolução: Reino Unido e Portugal. Pois, se nos EUA o presidente era Ronald Reagan e agora é outro, um negro, Barack Obama, nada mudou nos outros. É verdade que no Reino Unido a primeira-ministra era a ultra-reacionária Margaret Thatcher e, felizmente para os ingleses não é mais agora, porém a chefe de Estado continua sendo a mesma, a Rainha Elizabeth II. Esta apareceu na televisão com outros membros da família real saindo do filme sobre a vida de Mandela e a comentar sobre a coincidência da morte dele no dia da estreia do mesmo. Nenhuma palavra também de auto-crítica por seu país pela postura pró-apartheid. Novamente, é como se a história não existisse! Talvez sua fala estivesse mais relacionada ao fato que sobreviveu ao filme sobre si de 2006... Em tempo: a terrível Margaret Thacther, que infelizmente morreu este ano sem ver seus crimes contra o povo inglês punidos, protagonizou mais uma cena de hipocrisia, agora post mortem: tendo governado defendendo a austeridade contra o povo, foi enterrada numa grande cerimônia que custou oito milhões de libras. No entanto, enquanto a morte de Mandela emociona seu povo e o mundo, a morte dela foi extremamente comemorada pelos trabalhadores ingleses...
O auge da hipocrisia é Portugal. Numa Assembleia da República todos fizeram um minuto se silêncio, mesmo os deputados do CDS-PP, herdeiros da ditadura de Salazar, que aterrorizou o seu próprio povo e vários povos africanos. Também os deputados do PSD, partido do governo que em 1987 votou contra a libertação de Mandela! Mesmo PSD que agora, sem auto-crítica nenhuma, declara luto oficial! Contudo, o prêmio hipócrita do século é exatamente do atual presidente português, o senhor Aníbal Cavaco Silva, que agora lamenta a morte de Madiba, mas que sob seu governo como primeiro-ministro é que se votou contra a dita resolução!
Não é de surpreender. A hipocrisia é inata das classes dominantes. Porém, não significa que não deva ser denunciada, talvez até com uma data especial para lembrarmos a mesma, quem sabe com um prêmio internacional, uma espécie de Nobel da hipocrisia. Que se apresente na ONU a resolução para que este dia 6 de dezembro se torne oficialmente o Dia Internacional da Hipocrisia!
P.s.: Lamentar a morte de Mandela, principalmente por sua luta contra o apartheid, não pode nos impedir de apontar os equívocos de seu governo. Mas, estes não podem apagar a lição de luta e resistência dele: ao contrário de Gandhi, que com sua resistência pacífica atrasou a independência indiana, Mandela recorreu a todos os instrumentos necessários para a sua justa luta contra um Estado opressor, e por isso foi preso. Curiosamente, dentro da sua lógica hipócrita, os meios de comunicação burgueses exatamente apagam isso de sua biografia (como sua amizade com Fidel Castro). Afinal, é um exemplo perigoso para os povos do mundo.