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121024 nacionalismoEsquerda - Desde a numerosa manifestação da Diada, a reivindicação pelo direito à autodeterminação e à independência passou para o centro da agenda política na Catalunha e no Estado espanhol. Artigo de Jaime Pastor.


Neste artigo não pretendo analisar em profundidade os fatores que ajudam a entender a rápida ascensão da opção independentista, mas é evidente que nisso influiu notavelmente a recusa da reforma estatutária, por parte do Tribunal Constitucional, em julho de 2010, já que se confirmava que as portas da Carta Magna estavam fechadas para uma aposta, ainda que corrigida em aspectos importantes, que contava com o visto do parlamento espanhol. Não é por acaso que, desde então, se tem vindo a alargar um movimento municipalista e cidadão, na Catalunha, promotor de consultas populares com um eco crescente, que culminou com o éxito alcançado na jornada de 11 de setembro.

O surto da crise sistémica ajudou, desde logo, a fomentar um certo sentimento de queixa de argumentos discutíveis, mas acompanhado – não o esqueçamos - pelo temor de uma recentralização do Estado, cada vez mais vísivel no projeto do PP e ratificada recentemente pela intervenção beligerante da Coroa. Face a este panorama, corroborado pelas sondagens, não reconhecer que nos encontramos face a um novo cenário no qual a via “autonomista” fracassada e coerente, desde um ponto de vista democrático, é respeitar a livre decisão, que queira tomar o povo catalão sobre o seu futuro, sem sermos cegos perante o mais que provável “choque de comboios”.

Consciente de que esse independentismo cidadão se produz no contexto de uma crise de regime e da eurozona e procurando por sua vez desviar a atenção do desgaste que está a sofrer com os cortes sociais, o presidente da Generalitat, Artur Mas, optou por se colocar à cabeça desse movimento e convocar eleições anticipadas com o fim de as converter em plebiscitárias. Estando fora da Catalunha podemos criticar o oportunismo de Mas e do seu inegável propósito de deixar à margem da agenda os efeitos das suas políticas neoliberais em nome de um projeto independentista que pretende aparecer por sua vez como solução mágica para a crise económica e social. Mas não é por isso que podemos deixar de colocar em primeiro plano a denúncia de um nacionalismo espanhol que, tanto nas suas versões mais beligerantes - as do “TDP party”, da UPyD e do PP, con Vidal-Quadras pedindo a intervenção militar - como nas de um PSOE que prontamente redescobriu o federalismo “à alemã” – o seja, uninacional -, continuando a  rechaçar la necessidade de reconhecer em condições de igualdade a realidade plurinacional existente no Estado espanhol.
 
Não há outro caminho do que a procura de uma via democrática para a solução do conflito aberto, ainda mais quando, provavelmente, pode voltar também a surgir no caso Basco. Os “pais da Constituição” de 1978 – em primeiro lugar, o rei e a hierarquia militar - quiseram ter “atada e bem atada” a “unidade e a indivisibilidade da Nação espanhola”, mas 34 anos depois o seu fracasso é incontestável. Nem o Estado autonómico, nem a integração na UE – com as constantes cisões de soberania até acima - conseguiram oferecer um reconhecimento e um “arranjo” suficientes para a Catalunha dentro do Estado espanhol. No máximo que se conseguiu cegar, desde “Madrid”, foi falar de Espanha como “Nação de nações” (a primeira com maiúscula e a segunda com minúsculas), mas nem sequer isso é aceitável para um PP que continua a mostrar a sua nostalgia da época colonial com conflitos como o que recentemente se produziu com a ilhota Terra ou a sua persistente obsessão por vender uma “marca Espanha” ao serviço das multinacionais.

Responder a este repto com o argumento de que na Constituição não cabe o direito à autodeterminação e que, em caso de referendo, teria que votar o conjunto da cidadania do Estado, além de antidemocrático, significaria gerar uma dinámica de confronto que iria facilitar um maior sentimento independentista na Catalunha. Uma vez mais, há que dizer que a responsabilidade principal no cenário criado se encontra nos “separadores” espanhóis. Esse fundamentalismo constitucional vê-se hoje mais debilitado se tivermos em conta que a Carta Magna que defendem com tanta paixão se vê diariamente violada, no seu paragráfo dedicado aos direitos sociais, sobretudo depois da reforma que foi feita à pressa, em pleno verão de 2011, no seu artigo 135, para impor a “regra de ouro” do défice e do pagamento de uma dívida ilegítima. Não se deve pois estranhar que o que foi resultado duma “transação assimétrica” seja cada vez mais questionado nas ruas e estejemos a entrar já numa crise aberta de regime.

Por isso, no que se refere à questão que nos relaciona não seria mau recordar o que declarou o Tribunal Supremo do Canadá, em 1998: “A Constituição não é uma camisa de forças (…). Ainda que algumas tentativas de reforma da Constituição tenham fracassado nos últimos anos, um voto claro da maioria de quebequeses sobre uma pergunta clara, conferiria ao projeto de secessão uma legitimidade democrática que o resto de participantes na Confederação teria a obrigação de reconhecer”.
 


Jaime Pastor é professor de Ciência Política na UNED e autor de vários livros.

Tradução: António José André


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