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010613 hafaouine 1PGL - [José Paz Rodrigues] Para comemorar no dia 25 de maio o “Dia de África” e fomentar desde as escolas a solidariedade dos estudantes para com os povos africanos, dedico dous artigos da minha série “As Aulas no Cinema”, comentando outros tantos filmes realizados por africanos e sobre temática africana. O primeiro foi “Moolaadé”, cuja ação se desenvolve numa aldeia do Senegal, no centro do continente, e esta vez o filme intitula-se “Halfaouine, a criança dos terraços”, que conta uma história que acontece num bairro popular da cidade de Tunes, ao norte do continente, dentro de um contexto muçulmano.


Um formoso filme que no seu dia teve um grande sucesso ali onde foi projetado, que pode ajudar a eliminar muitos preconceitos que existem noutros povos e culturas sobre as formas de vida e costumes que têm os países de credo muçulmano, generalizando comportamentos que, em muitos casos, só pertencem a grupos fundamentalistas, radicais, violentos e antidemocráticos. Mas não a uma maioria da população de comportamento democrático e civilizado, pelo que não é justo fazer identificações generalistas e não entender isto que assertamos.

Tal como comentamos no nosso artigo anterior a União Africana (UA) foi criada no dia 9 de julho de 2002 para substituir a antiga Organização da Unidade Africana (OUA), criada a 25 de maio de 1963 em Adis Abeba - Etiópia, com o intuito de fazer valer os nobres ideais que guiaram os pais fundadores da organização continental e gerações de pan-africanistas na sua determinação de promover a unidade, a solidariedade e a coesão, assim como promover a cooperação entre os povos e entre os Estados da África. Infelizmente, em muitos casos, atualmente, na prática, o que acontece é o contrario. O que podemos observar se comparamos os nobres objetivos da UA nas suas proclamas e documentos com as realidades práticas. Como exemplo quero destacar as seguintes:

a) Realizar maior unidade e solidariedade entre os países e povos da África. Mas o que acontece na pratica é a unidade e solidariedade entre os governantes e não entre povos e estados.

b) Promover e defender posições africanas comuns sobre as questões de interesse para o continente e os seus povos. Mas, onde estava a união africana a quando da invasão dos americanos, ingleses e franceses a Líbia com um único objetivo, aniquilar Moammar Kadhafi e apoderar-se do petróleo deste povo?

c) Promover os princípios e as instituições democráticas, a participação popular e a boa governação. Porém, temos o triste exemplo na Guiné-Bissau com uma ditadura militar, onde ninguém mais respeita as instituições democráticas e nem tão pouco a vontade do povo e, enquanto isso, a UA limitou-se simplesmente a condenar verbalmente e observar e mais nada.

De todas maneiras é bom salientar que a OUA já teve os seus bons momentos na resolução de alguns conflitos na África. Por exemplo, teve um importante papel na história da descolonização, não só como grupo de pressão junto da comunidade internacional, mas também fornecendo apoio direto aos movimentos de libertação, através do seu Comité Coordenador da Libertação da África. Outro campo do qual teve sucesso foi na luta contra o apartheid, tanto ao nível da ONU onde foram declaradas sanções contra os governos da África do Sul e da Rodésia, mas ainda conseguindo que aquele regime fosse internacionalmente condenado como “crime contra a Humanidade” na Conferência de Teerão de 1968.

São atos como esses que o povo africano espera da sua nova organização, tratar todos os países membros de igual modo sem se preocupar com quem possui petróleo e diamantes ou não, pois só assim a África deixará de ser um continente condenado a sofrer ou mesmo a desaparecer.

Ficha técnica do filme:

Título original: Halfaouine (Halfaouine, a criança dos terraços).

Diretor: Férid Boughedir (Tunes-França-Itália, 1990, 98 min., cores).

Roteiro: F. Boughedir, Nouri Bouzid, Taoufik Jebali e Maryse León García.

Música: Anouar Braham. Fotografia: Georges Barsky.

Produtoras: Cinétéléfilms, France Média e Les Films du Scarabée.

Prémios: Galardão do público em Cannes (1990)., Palmeira de Ouro no de Valéncia e Prémio César (1990), sendo nomeada para melhor ópera prima. Conseguiu outros prémios nos festivais de Nova Iorque, Las Vegas, Chicago, o Cairo e Cartago.

Atores: Selim Boughedir (Noura, rapaz protagonista), Mustapha Adouani (Si Azzouz), Rabin Ben Abdallah (La Jamilla), Mohammed driss (Salih), Hélène Catzaras (Latifa), Fatima Ben Saïdane (Salouha), Abdelhamid Gayess (Cheick Mohktar), Jamel Sassi (Moncef), Radhouane Meddeb (Mounir), Carolyn Chelby (Leila), Zahira Ben Ammar, Fethi Haddaoui, Aissa Harrath, Taoufik Chabchoub e Siah Msadek.

Argumento: Noura, o rapaz protagonista, tem quase treze anos. Em Halfaouine, o bairro mais popular de Tunes onde vive com seus pais, ele sempre acompanha desde criança sua mãe ao “hammám”, o banho turco das mulheres. Ele começa a olhar as mulheres e moças nuas ao seu redor já sem os olhos ingénuos de uma criança. O resto do tempo, ele anda pelas ruas tentando fazer amizade com dous rapazes mais velhos, mas esses acham que Noura ainda é muito criança para os acompanhar. Eles acreditam que o rapaz ainda não consegue entender o interesse pelas moças. Noura, então, passa a descrever-lhes os nus femininos que vê no banho público do bairro.

Nas sociedades muçulmanas há também vida e tolerância:

Halfaouine é um popular bairro da capital de Tunísia, onde Noura criança-adoloescente, muito bem interpretado pelo sobrinho do diretor, está descobrindo a vida através dos diferentes mundos que coexistem neste. Mundos com os seus espaços relativamente delimitados: os homens nas ruas, as mulheres, em casa, e a sua imaginação, cheia de próprias fantasias produto da idade, no interior. Através de seus olhos, curiosos e indiscretos, olhamos como desfilam numerosas personagens, como uma grande família de todo o bairro. Mas o que é surpreendente é que possa aceder mesmo ao “hammám”, que pela sua idade ainda pode, revelando a intimidade do mesmo com uma ousadia que ninguém possa esperar num trabalho cinematográfico dentro de uma sociedade muçulmana.

Estamos diante de um filme tunisino que muitos qualificaram como revolucionário, e do que destacam o seu caráter inovador, a sua técnica depurada e uma excelente atuação de seus intérpretes. Foi rodado no bairro de Medina da cidade velha de Tunes. A sua história gira arredor das vivências dum rapaz durante a sua passagem à adolescência. Baseando-se nas observações e olhares de Noura, o rapaz protagonista, o diretor apresenta em imagens muito lindas a vida diária deste bairro árabe. Diante da câmara desfilam o pai, autoritário na sua casa mas que esconde revistas pornográficas na sua pequena loja, uma tia solteirona, delatores e agentes da polícia política, poetas rebeldes e mulheres no seu labor doméstico diário. Também se amostra o “hammán”, o banho público feminino, onde as mulheres do bairro se lavam e falam, acompanhadas de seus filhos menores, aos que se lhes impedirá a entrada quando se voltem adolescentes. No “hammám” Noura descobre a sexualidade e aquela das mulheres. A sua excitação torna-o cada vez mais curioso e é expulso dos banhos depois de ser surpreendido por uma guarda quando observava extasiado uma jovem moça que se despia.

O diretor, de forma subtil, sem dogmatismos contestatários, serve-se do olhar do rapaz, em permanente estado de efervescência, para captar com intenção tolerante as armadilhas de que se valem os adultos para esquivar as imposições. Porque o filme é um retrato de uma sociedade aparentemente fechada, mas aberta nas suas relações internas, com mulheres que falam com desenfado dos órgãos genitais, noivados e namoricos. O poeta do bairro resulta uma das personagens mais interessantes do filme. O bardo, que trabalha de sapateiro, descreve nas suas canções o diário acontecer do lugar. Quando as canta em público, para entoar-se bebe e mascara o álcool dentro dum frasco de medicamentos para fazer ver que guarda as normas do Alcorão. No seu momento o diretor deste filme comentou que as sociedades islâmicas são muito mais tolerantes do que se supõe em Ocidente. “A única norma é respeitar os demais” apontou.

Estamos diante de uma obra que é uma fascinante lição de antropologia, que amplia a imagem da cultura islâmica para além da intolerância habitual com que é apresentada na Europa. Por culpa de ações de grupos fundamentalistas e terroristas, que atuam contra o princípio fundamental do Islão que é a paz, pois a palavra Islão significa precisamente paz. As leis e tabus existem mas também se demonstra que em Tunes, ao igual que no resto do mundo, “feita a lei, feita a malícia”. E tudo isto, com uma vantagem para o cinema do denominado “Terceiro Mundo”, porque ao contrário do ocidental, em plena crise de histórias, a este basta só com olhar ao seu redor para encontrar argumentos novos. A maioria dos críticos cinematográficos consideraram este filme na sua estreia como revolucionário, reconfortante, luminoso e um exemplo mediterrâneo de tolerância. Também como um filme sobre a vida, em que se amostra como funciona uma sociedade, com as suas contradições e a sua capacidade para escapar às regras.

O diretor situou o seu protagonista numa idade conflituosa: aquela em que se produz a passagem da infância à adolescência, quando deixa de estar no mundo das crianças, com as mulheres, mas sem entrar ainda no mundo dos adultos, com os homens, segundo as normas da sociedade tradicional. O momento crucial é a expulsão do “hammám”, o banho turco. Num princípio vai com a sua mãe, até que é descoberto, como já comentei, fascinado perante a desnudez feminina. É este um momento muito delicado da sua identidade. São as provas pelas que passa uma criança naquela sociedade, amostrando ao mesmo tempo a felicidade e a dor, o que, como um verdadeiro artista, o diretor soube captar muito bem neste momento.

Uma das chaves do filme, pela que conseguiu grande sucesso no seu país, é que apresenta a vida e a sociedade tal como é, para lá do escândalo que se montou por causa dos desnudos femininos que aparecem no filme, já que é a primeira vez que uma câmara entra no mundo secreto do “hammám” das mulheres. De maneira que o cineasta conta a verdade oficial e a verdade oficiosa, e não sabia se a sociedade tunisina seria capaz de olhar-se para lá das suas convenções. Durante uma apresentação do seu filme, o diretor Boughedir diz: “O fundamentalismo é um fenómeno ideológico, que mantém que há que excluir todos os que não são como nós. Para mim é muito inquietante, mas eu não fiz um filme ideológico. Fiz um filme sobre a vida. Um rapaz não capta as cousas de forma ideológica, senão que é capaz de ver magia e poesia onde outros só veem banalidade”. E, certamente, o diretor quis dar uma lição de vida e tolerância, mas não só dirigida aos países islâmicos, em muitos dos quais o filme não se pôde projetar, como também ao mundo ocidental, para tentar limar as barreiras de desconfiança que se levantam entre as diferentes culturas. E, para mim, esta é uma das mais importantes mensagens deste filme tão belo.

Infelizmente, acostumamos em Ocidente a manter muitos preconceitos e estereótipos sobre o mundo muçulmano, fazendo generalizações. Sem dar-nos conta de que neste mundo também existem aspetos positivos, muitas vezes enxovalhados por minorias fundamentalistas. Por isto, temos que conhecer muito mais a fundo o islamismo para poder falar com conhecimento de causa. E combater, isso sim, com grande habilidade, e com verdadeira solidariedade, os aspetos negativos que também os há, como em todas as sociedades. Por exemplo: a marginação que costumam sofrer as mulheres e as meninas nas sociedades islâmicas. E, para isso, podemos e devemos apoiar a proposta feita no seu dia pela UNESCO, de estender a educação básica nestes países em igualdade para todas as crianças, e para todas as meninas.

Temas para refletir, debater e realizar:

Utilizando a técnica didática da dinâmica de grupos que é o cinema-fórum, depois de ver o filme, debatemos entre todos sobre os aspetos formais e de conteúdos deste formoso filme. Os aspetos fílmicos que põe em jogo o diretor: planos, movimentos da câmara, panorâmicas, como joga com o tempo, o espaço e o movimento e outros recursos que se veem. Também a psicologia das diferentes personagens da história que se nos conta, as imagens e o seu significado e as diferentes mensagens que nos quer dar o diretor com este seu filme, de grande sucesso, ali onde foi projetado.

Utilizando a técnica didática de Cousinet, do trabalho por grupos ou em equipa, elaboramos uma monografia, que depois podemos policopiar, sobre a cultura muçulmana: história, artes, ciências, medicina, idioma, gastronomia, facto religioso, extensão geográfica, etc. Consultaremos livros e também Internet, para a procura de dados. Incluiremos na mesma textos e redações dos estudantes, desenhos, fotografias, mapas, etc.

Organizamos no nosso estabelecimento de ensino uma ampla mostra sobre a cultura muçulmana. Esta há de incluir textos, murais, mapas, retalhos da imprensa e revistas, livros, fotografias, esquemas, desenhos, autocolantes, cartazes, CDs de música árabe, etc.


 José Paz Rodrigues é académico da AGLP, Didata e Pedagogo Tagoreano.

 

 

 

 


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