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indexBrasil de Fato - [Salim Lamrani] A organização francesa pretende apenas defender a liberdade de impren­sa. Na verdade, por trás da nobre facha­da, se esconde uma agenda política mui­to precisa.


1. Fundada em 1985 por Robert Mé­nard, Jean-Claude Guillebaud e Rony Brauman, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) tem como missão oficial “defender a liberdade de imprensa no mundo, isto é, o direito de informar e ser informado, conforme o artigo 19 da Declaração Uni­versal dos Direitos Humanos”.

2. Entretanto, apesar dessa profissão de fé oficial, a RSF tem uma face obs­cura e uma agenda política muito pre­cisa, ligada à de Washington, e arreme­te particularmente contra os governos de esquerda da América Latina, preser­vando, ao mesmo tempo, os países de­senvolvidos.

3. Assim, a RSF tem sido financia­da pelo governo dos Estados Unidos pe­la National Endowment for Democracy (Fundação Nacional pela Democracia, a NED, por sua sigla em inglês). A orga­nização o reconhece: “Efetivamente, re­cebemos dinheiro da NED. E não é ne­nhum problema para nós.”

4. A NED foi criada pelo antigo presi­dente estadunidense Ronald Reagan em 1983, em uma época na qual a violência militar tinha tomado a dianteira da di­plomacia tradicional nos assuntos inter­nacionais. Graças à sua poderosa capa­cidade de penetração financeira, a NED tem como objetivo debilitar os gover­nos que se oporiam à política externa de Washington.

5. De acordo com o New York Times (em artigo de março de 1997) a NED “foi criada há 15 anos para realizar pu­blicamente o que a Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligên­cia, a CIA) tem feito sub-repticiamen­te durante décadas. Gasta 30 milhões de dólares anuais para apoiar partidos políticos, sindicatos, movimentos dissi­dentes e meios de comunicação de deze­nas de países”.

6. Em setembro de 1991, Allen Weins­tein, pai da legislação que deu luz à NED, expressou o seguinte ao Washin­gton Post: “Muito do que fazemos ho­je tem sido feito clandestinamente pela CIA há 25 anos”.

7. Carl Gershman, primeiro presiden­te da NED, explicou a razão de ser da fun­dação em junho de 1986: “Seria terrível para os grupos democráticos do mundo inteiro serem vistos como subvenciona­dos pela CIA. Vimos isso nos anos 1960 e por isso demos um fim nisso. É porque não poderíamos continuar que a funda­ção foi criada”.

8. Assim, segundo o The New York Ti­mes, Allen Weinstein e Carl Gershman, a RSF é financiada por um escritório de fa­chada da CIA.

9. A RSF também recebeu financia­mento do Center for a Free Cuba (Centro para uma Cuba Livre). O diretor da or­ganização à época, Frank Calzón, foi an­teriormente um dos presidentes da Fun­dação Nacional Cubano-Americana (FN­CA), gravemente implicada no terroris­mo contra Cuba, como foi revelado por um de seus antigos diretores, José Anto­nio Llama.

10. A RSF recebeu fundos da Over­brook Foundation, entidade fundada por Frank Altschul, promotor da Radio Free Europe, estação da CIA durante a Guerra Fria, e colaborador próximo de William J. Donovan, chefe dos serviços secretos estadunidenses nos anos 1950 e fundador do Office of Strategic Services (Agência de Serviços Estratégicos), pre­decessora da CIA.

11. No passado, a RSF se manteve em silêncio sobre as exações cometidas pe­lo Exército dos Estados Unidos contra os jornalistas. Assim, a RSF somente se lembrou tardiamente — cinco anos de­pois — do caso Sami Al-Haj, jornalista do canal do Qatar Al-Jazeera, preso e tortu­rado no Afeganistão por autoridades dos Estados Unidos e em seguida enviado para Guantánamo. Al-Haj foi libertado no dia 1 de maio de 2008, depois de mais de seis anos de calvário. Ou seja, a RSF precisou de uma investigação de cinco anos para descobrir que Al-Haj foi pre­so, sequestrado e torturado apenas por ser jornalista.

12. Em um relatório de 15 de janei­ro de 2004, a RSF exonerou de qualquer envolvimento os militares estaduniden­ses responsáveis pelo assassinato do jor­nalista espanhol José Couso e de seu co­lega ucraniano Taras Protsyuk no hotel Palestina, em Bagdá. De acordo com a fa­mília de Couso, “as conclusões desse re­latório isentam de culpa os autores mate­riais e reconhecidos do disparo contra o hotel Palestina baseando-se na duvidosa imparcialidade dos envolvidos e do pró­prio testemunho dos autores e responsá­veis pelo disparo, deslocando essa res­ponsabilidade para pessoas não identifi­cadas. A realização desse relatório foi as­sinada por um jornalista, Jean-Paul Ma­ri, que tem conhecidas relações com o co­ronel Philip de Camp, militar que reco­nheceu seu envolvimento no ataque e nas mortes dos jornalistas do hotel Palestina e, além disso, seu relatório se apoia no testemunho de três jornalistas das forças dos Estados Unidos, todos eles estaduni­denses, tendo alguns deles feito parte — Chris Tomlinson — dos serviços de inte­ligência do Exército dos Estados Unidos durante mais de sete anos. Nenhum dos jornalistas espanhóis que estavam no ho­tel foram consultados para a elaboração desse documento”. No dia 16 de janeiro de 2007, o juiz madrilenho Santiago Pe­draz emitiu uma ordem de prisão inter­nacional contra o sargento Shawn Gib­son, o capitão Philip Wolford e o tenen­te-coronel Philip de Camp, responsáveis pelos assassinatos de Couso e Protsyuk e absolvidos pela RSF.

13. A RSF fez apologia à invasão do Iraque em 2003 ao afirmar que “a der­rubada da ditadura de Saddam Hussein pôs fim a 30 anos de propaganda ofi­cial e abriu uma era de nova liberdade, cheia de esperanças e de incertezas, para os jornalistas iraquianos. Para os meios de comunicação iraquianos, décadas de privação total de liberdade de imprensa chegaram a seu fim com o bombardeio do ministério de Comunicação, no dia 9 de abril em Bagdá”.

14. No dia 16 de agosto de 2007, du­rante o programa de rádio “Contre-ex­pertise”, Robert Ménard, então secre­tário-geral da RSF, legitimou o uso da tortura.

15. A RSF apoiou o golpe de Estado contra o presidente haitiano Jean-Ber­trand Aristide, que foi organizado pe­la França e pelos Estados Unidos, com a matéria “A liberdade de imprensa recu­perada: uma esperança a ser mantida”.

16. Durante o golpe de Estado con­tra Hugo Chávez em abril de 2002, orga­nizado por Washington, a RSF publicou um artigo, no dia 12 de abril de 2002, que retomava sem reserva alguma a versão dos golpistas e tentava convencer a opi­nião pública internacional de que Chá­vez tinha renunciado. “Recluso no palá­cio presidencial, Hugo Chávez assinou sua renúncia durante a noite, sob pres­são do Exército. Depois foi levado para Fuerte Tiuna, a principal base militar de Caracas, onde está detido. Imediatamen­te depois, Pedro Carmona, o presidente da Fedecámaras (Federação de Câmaras e Associações de Comércio da Venezue­la), anunciou que dirigiria um novo go­verno de transição. Afirmou que seu no­me era fruto de um ‘consenso’ da socie­dade civil venezuelana e dos comandan­tes das Forças Armadas”.

17. A RSF sempre negou tomar nota do caso de Mumia Abu-Jamal, jornalis­ta negro preso nos Estados Unidos há 30 anos por denunciar em suas reportagens a violência policial contra as minorias.

18. A RSF organiza regularmente campanhas contra Cuba, país onde ne­nhum jornalista foi assassinado desde 1959. A organização está em estreita co­laboração com Washington a esse respei­to. Dessa forma, em 1996, a RSF teve um encontro em Paris com Stuart Eizenstat, embaixador especial da administração Clinton para assuntos cubanos.

19. No dia 16 de janeiro de 2004, a RSF se reuniu com os representantes da extrema-direita cubana da Flórida para estabelecer uma estratégia de luta midiá­tica contra o governo cubano.

20. A RSF lançou várias campanhas midiáticas difundindo mensagens publi­citárias nos meios de comunicação escri­tos, de rádio e de televisão, destinadas a dissuadir os turistas de viajar para Cuba. É o que preconiza o primeiro relatório da Comissão de Assistência para uma Cuba Livre, publicado pelo presidente George W. Bush em maio de 2004 e que recru­desce as sanções contra Cuba. Assim, es­se relatório cita a RSF na página 20 como exemplo a ser seguido.

21. A RSF afirma abertamente que so­mente lhe interessam os países do Ter­ceiro Mundo: “Decidimos denunciar os atentados contra a liberdade de impren­sa na Bósnia e no Gabão e as ambiguida­des dos meios argelinos ou tunisianos... Mas não tomamos nota dos excessos franceses”. Por quê? “Porque se o faze­mos, corremos o risco de incomodar al­guns jornalistas, suscitar a inimizade dos grandes donos de imprensa e irritar o po­der econômico. Agora veja, para nos tor­namos midiáticos, precisamos de cum­plicidades dos jornalistas, do apoio dos donos de imprensa e do dinheiro do po­der econômico”.

22. Jean-Claude Guillebaud, co-fun­dador da RSF e primeiro presidente da associação, abandonou a organização em 1993. Explicou as razões: “Eu pensa­va que uma organização desse tipo pode­ria ser legítima se incluísse um trabalho de crítica do funcionamento dos meios de comunicação ocidentais. Seja sobre os desvios do trabalho jornalístico (falsas entrevistas etc.) ou fazendo um trabalho profundo de reflexão sobra e evolução dessa profissão, suas práticas e os pos­síveis ataques às liberdades nas demo­cracias. Caso contrário, nos veriam como neocolonialistas, como arrogantes que pretendem dar lições. Quando se chama a atenção dos líderes dos países do Ter­ceiro Mundo sobre os ataques à liberda­de de imprensa em seus países, a questão que se levanta automaticamente contra nós é saber que uso nós damos à nossa li­berdade. Ainda que os objetivos não se­jam os mesmos, é uma questão essencial e eu achava que tínhamos de dedicar a ela 50% do nosso tempo e de nossa ener­gia (...). À medida em que a associação se desenvolvia, as operações se tornavam mais e mais espetaculares. Foram levan­tadas duas questões: não havia uma con­tradição em denunciar certos desvios do sistema midiático e usar os mesmos mé­todos nas nossas ações de denúncia? Por sua vez, Robert Ménard achava que ti­nha de passar por cima de toda a ativida­de crítica aos meios de comunicação pa­ra conseguir o apoio da grande impren­sa e das grandes cadeias de televisão (...). Para mim, pareciam próximos demais da imprensa anti-Chávez na Venezuela. Não há dúvida de que era necessário ser mais prudente. Eu acho que eles ouvem muito pouco sobre os Estados Unidos”.

23. O diário francês Libération, fiel patrocinador da organização, aponta que a RSF permanece em silêncio sobre os abusos dos meios de comunicação oci­dentais: “No futuro, a liberdade de im­prensa será exótica ou não será. Muitos reprovam sua ira contra Cuba e contra a Venezuela e sua indulgência em relação aos Estados Unidos, o que não é falso”.

24. A RSF nunca dissimulou suas re­lações com o mundo do poder. “Um dia tivemos um problema de dinheiro. Eu li­guei para o empresário François Pinault pedindo que nos ajudasse (...). Ele res­pondeu meu pedido em seguida. E isso é a única coisa que importa” porque “a lei da gravidade existe, queridos amigos. E também a lei do dinheiro”.

25. Assim, apesar das reinvindicações de imparcialidade e de defesa da liberda­de de imprensa, a RSF tem efetivamen­te uma agenda política e arremete regu­larmente contra os países da nova Amé­rica Latina.

Salim Lamrani é doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se chama Cuba. Les médias face au défi de l’impartialité, Paris, Editions Estrella, 2013, com prólogo de Eduardo Galeano.


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