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130328 merEstado espanhol - Esquerda - Publicamos em seguida o artigo do economista Juan Torres López, do Conselho Científico de ATTAC Espanha, que o El País retirou do seu site, alegando que continha afirmações que o jornal considera inapropriadas. No final do artigo, pode ler também a resposta do autor.


É muito significativo que habitualmente se fale de "castigo" quando se referem as medidas que Merkel e os seus ministros impõem aos países mais afetados pela crise.

Dizem aos seus compatriotas que têm de castigar a nossa irresponsabilidade para que o nosso esbanjamento e as nossas dívidas não sejam agora pagas pelos alemães. Mas o raciocínio é falso, pois os irresponsáveis não foram os povos que Merkel se dedica a castigar, mas sim os bancos alemães que ela protege e os de outros países aos quais emprestaram dinheiro, eles sim com irresponsabilidade, para obter ganhos multimilionários.

Os grandes grupos económicos europeus conseguiram estabelecer um modelo de união monetária muito imperfeito e assimétrico que logo reproduziu e ampliou as desigualdades originais entre as economias que a integravam. Além disso, graças à sua enorme capacidade investidora e ao grande poder dos seus governos, as grandes empresas do Norte conseguiram apossar-se de grande quantidade de empresas e mesmo de setores inteiros dos países da periferia, como a Espanha. Isso provocou grandes défices comerciais nestes últimos e superávit sobretudo na Alemanha e em menor medida noutros países.

Paralelamente, as políticas dos sucessivos governos alemães concentraram ainda mais o rendimento no cume da pirâmide social, o que aumentou o seu já alto nível de poupança. De 1998 a 2008, a riqueza dos 10% mais ricos da Alemanha passou de 45% para 53% do total, a dos 40% seguintes de 46% para 40% e a dos 50% mais pobres de 4% para 1%.

Essas circunstâncias puseram à disposição dos bancos alemães enormes quantidades de dinheiro. Mas em lugar de empregá-lo a melhorar o mercado interno alemão e a situação dos níveis de rendimento mais baixos, usaram-no (uns 704.000 milhões de euros até 2009, segundo o Banco Internacional de Pagamentos) para financiar a dívida dos bancos irlandeses, a bolha imobiliária espanhola, o endividamento das empresas gregas ou para especular, o que fez com que a dívida privada na periferia europeia disparasse e que os bancos alemães se enchessem de ativos tóxicos (900.000 milhões de euros em 2009).

Ao explodir a crise, ressentiram-se gravemente mas conseguiram que a sua insolvência, em lugar de se manifestar como consequência da sua grande imprudência e irresponsabilidade (à qual Merkel nunca se refere), se apresentasse como o resultado do esbanjamento e da dívida pública dos países onde estavam os bancos a quem emprestaram. Os alemães retiraram rapidamente o seu dinheiro destes países, mas a dívida ficava nos balanços dos bancos devedores. Merkel erigiu-se na defensora dos banqueiros alemães e, para ajudá-los, pôs em marcha duas estratégias. Uma, os resgates, que venderam como se se destinassem a salvar os países, mas que na realidade consistem em dar aos governos dinheiro em empréstimos que serão pagos pelos povos, para transferir para os bancos nacionais de forma a que estes se recuperem quanto antes e paguem em seguida aos alemães. A outra estratégia foi impedir que o BCE cortasse de raiz os ataques especulativos contra a dívida da periferia para que, ao subirem os prémios de risco dos outros, baixasse o custo com que a Alemanha se financia.

Merkel, como Hitler, declarou guerra ao resto da Europa, agora para garantir o seu espaço vital económico. Castiga-nos para proteger as suas grandes empresas e bancos e também para ocultar ao seu eleitorado a vergonha de um modelo que fez com que o nível de pobreza no seu país seja o mais alto dos últimos 20 anos, que 25% dos seus trabalhadores ganhe menos de 9,15 euros/hora, ou que a metade da sua população receba, como disse, uns miseráveis 1% de toda a riqueza nacional.

A tragédia é a enorme conivência entre os interesses financeiros paneuropeus que dominam os nossos governos, e que estes, em vez de nos defenderem com patriotismo e dignidade, nos traiam para atuar como meros comparsas de Merkel.

Artigo publicado no site da Attac Espanha

Justificação do El País para retirar o artigo do site:

O El País retirou do seu site o artigo "A Alemanha contra a Europa", assinado por Juan Torres López e publicado na sua edição da Andaluzia, porque continha afirmações que este jornal considera inapropriadas. O El País lamenta que um erro nas tarefas de supervisão tenha permitido a publicação do citado material. As opiniões expressadas por Torres López só representam ao autor.

O economista respondeu no seu blog:

Diante da retirada do meu artigo "a Alemanha contra a Europa" do site do El País, quero manifestar o seguinte:

– Sem querer avaliar a decisão do diário, lamento que se interprete que a tese desse artigo é comparar a senhora Merkel com Hitler, tal e como algumas pessoas estão a dar a entender na rede. Lamento-o porque acho que é evidente que de forma alguma são pessoas comparáveis ou que as suas políticas sejam igualmente daninhas. E, sobretudo, porque acho que de forma alguma se pode deduzir isto do meu texto. E mais, acho que interpretá-lo assim só serve para desviar a atenção sobre a questão de fundo do meu artigo que é claramente outro.

– É verdade que no artigo afirmo que, na minha opinião, a Alemanha declarou guerra económica contra o resto de Europa e que comparo isso com a busca do espaço vital que levou Hitler a desencadear a guerra, mas acho que isto deve ser entendido como a comparação de dois factos históricos lamentáveis ainda que de fatura desigual, e não como a equiparação de dois líderes políticos.

– Lamento também que tenha de fazer este tipo de comparações que envolvem um povo que admiro, mas acho que os europeus têm a obrigação de recordar o dano tão grande que já em outras ocasiões fizemos por dar prioridade aos interesses financeiros e das grandes corporações, como acho que está a acontecer agora. Eu mesmo lamentei nalguns outros artigos que a Alemanha não lembre o que sofreu devido às reparações de guerra que tão injusta e equivocadamente lhe impuseram outras potências europeias.

– Lamento finalmente os problemas que estas interpretações tenham ocasionado ao diário e a seus leitores e leitoras, e que estes não possam continuar a lê-lo no site.


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