O objetivo deste artigo é promover uma reflexão sobre a implementação da Lei 10639/03, a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que tornou obrigatório, em todo o currículo oficial da Rede de Ensino, a inclusão da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Desta forma, os conteúdos curriculares devem abordar a História da África e dos Africanos, considerando a luta dos negros no Brasil, a cultura negra e o(a) negro(a) na formação da sociedade nacional, resgatando a fundamental contribuição que deram para o desenvolvimento e crescimento das áreas social, econômica e política, tendo em vista uma educação que articule a garantia dos direitos sociais e o respeito aos direitos humanos.
Assim, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicorraciais (2005) que reiteram a necessidade de projetos que discutam as premissas acima, valorizando as diferenças e a diversidade da nação brasileira desde a educação infantil, o que, acreditamos, deva ser a base constitutiva do trabalho, porque as crianças estão em fase de formação e construção de saberes e habilidades, sendo esse espaço um local privilegiado para uma efetiva educação para a diversidade.
O fomento de políticas públicas, institucionais, através de programas de ações afirmativas, tem se guiado pelas estatísticas do IBGE (2006) que registram que 49 por cento da população brasileira é afrodescendente e apenas 5 por cento das matrículas no Ensino Superior são ocupadas por negros; Também 28 por cento, aproximadamente de negros e pardos, são obrigados a deixar de estudar para trabalhar, o que aponta para a distorção idade-série, aferidas pelo Censo Escolar (2007) que traz a seguinte tabulação: há 33,1 por cento de brancos na 1ª série do ensino fundamental e 54,7 por cento na 8ª; em detrimento de 52,3 por cento de negros na 1ª série e de 78,7 por cento na 8ª.
"A ausência de impacto dos estudos sobre relações raciais no campo da educação se expressa no fato de os diagnósticos educacionais, os estudos sobre o aproveitamento escolar e a formação de professores, raramente incorporaram as variáveis 'raça' e etnia nas suas reflexões". (PINTO, 2002, p. 106)
De acordo com dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE (2009), a taxa de analfabetismo entre negros e pardos, a partir de 15 anos de idade, é de 13,3 por cento para os negros e de 13,4 por cento para os pardos. Entre os brancos, esse número fica em 5,9 por cento. A população branca de 15 anos ou mais tem em média, 8,4 anos de estudo. Enquanto entre negros e pardos a média é de 6,7 anos. Desta forma, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior, deverão providenciar:
Assim, a sedimentação de um trabalho frutífero, por parte das Secretarias de Educação, Municipal e Estadual, deve se pautar pelos seguintes aspectos metodológicos (LIMA, 2005):
A partir da proposição de algumas atividades básicas como:
Tendo em conta alguns referenciais formativos e diagnósticos no que se refere (ROCHA, 2007, pp. 26-7):
E) Aos recursos materiais e didáticos/rituais pedagógicos: repensando os rituais pedagógicos cotidianos e/ou efemérides da rotina escolar para que não se transformem em momentos de constrangimento e manifestações de discriminação e racismo, incluindo a análise e a leitura crítica dos mesmos, a fim de verificar a existência de preconceitos e/ou estereótipos de inferiorização.
Assim, é preciso ter em conta que as discussões teórica e conceitual sobre as relações raciais e educação estejam acoplada a ações concretas, através de orientações didático-pedagógicas que propiciem a inserção do tema étnicorracial no currículo escolar, tendo em vista um real projeto de educação que possibilite a inserção social e igualitária, destravando "o potencial intelectual, embotado pelo racismo, de todos(as) os(as) brasileiros(as), independentemente de cor/raça, gênero, renda, entre outras distinções" (MEC, 2005, p. 11).
Nunca é demais reiterar que a historiografia oficial foi responsável pelo silenciamento/apagamento da história negra e a sua trajetória política de luta pela cidadania, pela dignidade, assujeitando-a e, imaginariamente, atualizando-a através de um discurso eurocêntrico, totalmente unificador.
Assim, não podemos esquecer que a educação, como processo amplo e complexo de construção de saberes culturais e sociais, é parte fundamental do acontecer humano e, nesse sentido, reiteramos, a falta de uma reflexão sobre as relações raciais no planejamento escolar tem impedido a promoção de relações interpessoais respeitáveis e igualitárias entre os agentes sociais que integram o cotidiano da escola. (MEC, 2005, p. 11).
Desta forma, o pensar sobre essas questões contribui para tornar mais competente e profícuo o debate, no âmbito de nossa atuação docente, sobre a importância da construção coletiva de uma proposta pedagógica transformadora já que o educar é tarefa comum.
No âmbito de tais reflexões, compreendemos que as ações pedagógicas devem estimular/permitir o acompanhamento das transformações socioeconômicas e culturais em que a comunidade se acha inserida, no intuito de formar o cidadão, ou seja, buscar a competência do sujeito em se fazer História, partindo-se das condições específicas de produção dos discursos e do contexto de uma sociedade de classes. Diz-nos Michel Pêcheux: que "Todo indivíduo humano, quer dizer social, não pode ser agente de uma prática a não ser que assuma a forma de sujeito. A forma sujeito é, com efeito, a forma de existência história de todo indivíduo, agente de práticas sociais. (PÊCHEUX, FUCHS, 1975, p. 40). O fato, portanto, apresentado pelo crítico francês, demonstra o empenho, cada vez mais constante, da equipe escolar em desconstruir a idéia da inevitabilidade. É preciso ter em conta quem educa, onde se educa, por que se educa e para quem.
Nesse sentido, o trabalho conjunto nos auxilia na compreensão do processo da ação educativa, permitindo-nos criar estratégias para tentar reverter o quadro caótico que se apresenta: um enfoque mais preciso nas competências a serem desenvolvidas na Educação Básica, de forma que os conteúdos curriculares se constituam em meios reais para o desenvolvimento das capacidades/habilidades requeridas após uma etapa de escolarização.
A aquisição de conhecimentos em sua pluralidade, desencadeando saberes, fazeres e habilidades, que expressem a potencialidade individual e de grupo, é a força motriz dos Parâmetros Curriculares Nacionais cujo esforço diário é fazer com que o educando domine os conhecimentos de que necessita para crescer como cidadão plenamente reconhecido e consciente de seu papel na sociedade.
A partir desse ponto, as práticas pedagógicas atuam como um conjunto de atos, reflexões e procedimentos, intencionalmente educativos, que se formalizam em sala de aula, mas podem e devem extrapolar as paredes desse espaço, saltando os muros da Unidade Escolar.
Assim, com o objetivo de favorecer a constituição de conhecimentos, devemos fomentar questões relativas à cooperação interdisciplinar, a autodisciplina, ao aprendizado e o respeito a regras ou a construção, em parceria, de novas regras no que concerne à articulação dos saberes entre a Escola e a Comunidade, de modo que esta participe, ativamente, dos projetos ali desenvolvidos e que se construa a tão sonhada educação para a diversidade. (VICTORINO, 2008, p. 69).
Assim, esperamos que este seja um primeiro passo, uma primeira achega, no intuito de chegar à Humanidade (MATA, 2006, p. 38) como nos fala Alda Espírito Santo que, singelamente, propõe a roda, o princípio da circularidade tão caro às sociedades africanas, tão fundamental nas nossas relações cotidianas, devendo ser o eixo norteador de nossas práticas pedagógicas de ontem e de hoje. Diz a poeta são-tomense:
Karingana ua karingana...
A imagem desta notícia é de Alex da Silva (Cabo Verde)
Shirlei C. Victorino.
Especialista e Mestre em Letras, doutourada em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (Rio de Janeiro). Atua como professora de Português/Literaturas e Português/Espanhol, também nas áreas de ensino de Literaturas Africanas de Língua Oficial Portuguesa e Literaturas Hispânicas. Recentemente, tem-se dedicado à pesquisa sobre questões teóricas e didático-pedagógicas para a inserção do tema étnicorracial nas Unidades de Ensino, com ênfase em gênero e diversidade. Atualmente é professora-pesquisadora do CREFCON - Centro de Referência em Educação e Formação Continuada do Município de São Gonçalo e professora assistente do Centro Universitário da Cidade – Univercidade.