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Alan Garcia vai a Washington

260510_alanPeru - Sobre nuestra América - [Alejandro F. Loarte] Alan Garcia acredita que nasceu predestinado a ser um líder continental. A sugestão foi dada por seu mestre ideológico, Victor Raúl Haya de la Torre, fundador do partido no governo, hoje do Peru, o PARA. Habilidade discursiva, linguagem corporal e pragmatismo ideológico, ele os possui de sobra.


Hasteou a bandeira de "não pagamento da dívida externa" para bloquear o rumo esquerdista da política e dos movimentos sociais peruanos, no seu primeiro mandato (1985-1990); na ausência de seguidores, acabou por arriá-la. Hoje fala, e se gaba como obra sua, do "sucesso do modelo econômico peruano", esse produto do neoliberalismo capitalista aplicado do Peru desde Fujimori (1990-2000), passando por Toledo (2001-2006).

Bendita hora, a do crepúsculo neoliberal capitalista, para as aspirações teleológicas de Alan Garcia. Ainda sem uma definição doutrinária ("segurança democrática") como a que Álvaro Uribe tratoru de vender ao continente, Garcia se auto-proclama defensor do neoliberalismo e da democracia representativa no seu país, e da geopolítica "monroeniana" do imperialismo norteamericano na América Latina. Auto-investido desse compromisso, ataca com desdém aristocrata quem, como o presidente Morales, da Bolívia, e Chavez, da Venezuela, lidera sistemas alternativos de economias solidárias, estados participativos, sociedades justas e nações soberanas, insulta-os e debocha dos projetos que representam, o Socialismo do Século XXI.

Com sua iniciativa de "Protocolo de Paz, Segurança e Cooperação Continental" (de onde se excluiu o maior perigo de guerra no continente, as bases militares estadunidenses na Colômbia), apresentada à UNASUR, em Quito, no ano passado, Garcia buscou projeção continental. Mas fracassou, porque essa bandeira tremulava no sentido contrário dos ventos de mudanças que sopram por todo o continente.

Agora, quando o continuísmo pró-estadunidense de Uribe, na Colômbia, mostra, ao menos no plano eleitoral, alguma vulnerabilidade, quando nem Lobo, nem Martinelli, nem Piñera são líderes com a capacidade ideológica e a obsessão teleológica para "brilhar" no continente como defensores do sistema capitalista, e quando a possibilidade de que o povo peruano eleja, nas eleições de 2011, uma alternativa de mudanças, para dizer o mínimo, Alan Garcia pressente que sua hora chegou.

Se o império o considerava um aliado estratégico suplente, hoje já o leva a sério. Precisa com urgência de uma ponta de lança. Obama, o "rei" da vez, no império (pois, como todo rei, reina, mas não governa), o mandou chamar. Garcia está feliz. Passará quatro dias em Washington, de 31 de maio a 3 de junho. Sua agenda lotada destaca uma reunião de trabalho com o "rei", na Casa Branca, e outras, com os peso-pesados do novo "Conselho das Índias", representado pelo Departamento de Estado liderado pela dama Hillary Clinton.

Tudo leva a crer que a realização do seu destino depende apenas da vontade imperial. O que lhe importa é o fim, claro. Mas a forma com que, nesse contexto de dominação imperialista, adota um perfil de vice-rei, também o entusiasma. Um vice-rei, essa bizarra política de dominação colonial, foi, acima de tudo, uma figura continental e teve acesso ao poder da metrópole imperial. A metrópole, agora, é Washington, o "rei", Obama, o "Conselho das Índias", o Departamento de Estado e o aspirante a vice-rei é o mandatário peruano.

Impossível imaginar que Obama fale ou, menos ainda, censure Garcia pelos escândalos de corrupção que comprometem altos funcionários do seu gabinete e a ele mesmo, por estes dias. A corrupção, este anti-valor de conduta política (onde o que tem o poder faz favores em troca de regalias) foi congênita à mesmíssima relação de dominação império-colônia e, assim, é como se houvesse reproduzido todo tipo de dominação colonial, neocolonial e imperialista. Um Estado que pratica a ética pública é soberano, portanto, incompatível com uma relação de vassalagem. Obama e Garcia não falarão deste assunto.

Em sua agenda de "cooperação bilateral" tampouco se revisará a constitucionalidade do contrato do Gás de Camisea, do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, dos assessores militares estadunidenses em território peruano, da devolução de 240 mísseis anti-tanques Spike L-R, de fabricação israelense, por serem defeituosos, e que o governo peruano comprou para renovar suas forças armadas.

Mesmo tendo Garcia manifestado que a lei Arizona é uma "resposta irracional ao problema migratório", é remotíssima a possibilidade de Obama falar com Garcia sobre assuntos internos do império. Ele não foi chamado para isso.

Haverá eleições locais em 2010 e presidenciais em 2011, no Peru. Preocupa ao império estadunidense seus interesses estratégicos econômicos (garantidos macroeconomicamente no Tratado de Livre Comércio e toda a institucionalidade neoliberal) e geopolíticos (acesso militar e de inteligência política, para o controle do continente). Até hoje, estes "assuntos hemisféricos e globais" têm sido garntidos sem interrupção por todos os governos peruanos, desde 1980 (Belaunde, Garcia, Fujimori, Toledo e Garcia, novamente). Para a metrópole, este estado de coisas (status quo) deve continuar.

Nem Garcia, nem seu partido, o APRA, têm chance de permanecer governando. Mais que pela inconstitucionalidade da reeleição no Peru, é porque a maioria do povo peruano os rechaça e os identifica como corruptos (80%, segundo pesquisa Ipsos-Apoyo, de maio de 2010). Isto é constatado até pela embaixada dos USA em Lima, como parte de seu relatório ordinário ao Departamento de Estado.

A menos de um ano para as eleições presidenciais de 2011, a metrópole não vê com clareza o líder ou o grupo de alcance nacional que garanta a continuidade dos seus objetivos "hemisféricos e globais". Toledo e seu grupo são uma carta "pró-sistema" que já foi jogada. Lourdes Nanos, do PPC decidiu postular a candidatura da prefeitura de Lima, pensando no ano de 2016, e está descartada na eleição presidencial. Keyko Fujimori não tem futuro sem a sombra do pai preso, o ex-presidente Alberto Fujimori que, ainda que favoravelmente recordado por alguns setores pobres, é condenado pela classe política, por seus rasgos ditatoriais e, também, corruptos.

Parece, no entanto, que um novo personagem chamou seriamente a atenção do império. Trata-se do atual prefeito de Lima, Luis Castañeda Lossio e um pequeno grupo de associados que se faz chamar de Solidariedade Nacional. Ele se apresenta como um tecnocrata eficiente no trato com a coisa pública e é identificado por uma séria de projetos de infraestrutura, executados durante suas duas gestões à frente da "Cidade dos Vice-Reis", Lima.

Para manifestar sua opção política (que bem pode ser chamada de "ingerência") e fazendo uso de indiscutíveis recursos institucionais, o império fez o "batismo" de Castañeda Lossio em Washington DC, em 11 de maio de 2010. No marco da 40ª Conferência do Conselho das Américas, uma sociedade ligada ao Departamento de Estado, Castañeda Lossio foi distinguido "por sua liderança nas Américas", "por sua luta contra a pobreza e pela melhoria das condições de vida da população" e "por seu trabalho de inclusão social, modernização e promoção dos investimentos nacionais e estrangeiros em Lima". Assim falou, ao lhe entregar o galardão, John Dimitri Negroponte, presidente do COA (Conselho das Américas) e cujo currículo diplomático inclui haver sido embaixador dos Estados Unidos em Honduras (1981-1985), quando se treinavam os Contras para derrubar os Sandinistas da Nicarágua; embaixador no Iraque (2004-2005); e diretor de Inteligência Nacional (2005-2007). Além disso, Castañeda Lossio manteve conversas privadas com o Sub-Secretário de Assuntos Hemisféricos do Departamento de Estado, Arturo Valenzuela, o presidente do Instituto Republicano Internacional, Lorn Crane e o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Luis Alberto Moreno.

Mas Castañeda Lossio é uma figura sem carisma e pouco conhecida fora de Lima, no resto do Peru onde habitam dois terços da população peruana.

Junto à aparente desvantagem do possível candidato preferencial para o continuísmo está sobretudo o fato não alterado e confirmado pelos resultados anteriores de que no Peru há um terço eleitoral constante, inclinado à mudança (contrário ao status quo). O fracasso das políticas entreguistas, excludentes e repressivas, mais os recentes escândalos de corrupção envolvendo o governo de Alan Garcia aumenta o descontentamento e alenta a virada adicional de preferências eleitorais para as mudanças que a esquerda, os nacionalistas e outros progressistas representam. Esta variável preocupa seriamente ao império.

Nesta circunstância, o que uma vez Garcia declarou diante de banqueiros estrangeiros, de que se ele "não podia impor o próximo presidente do Peru, poderia, sim, impedir quem o fosse", se torna um compromisso bem vindo para os interesses continuístas de dominação imperial. Com a certeza dedutiva que vêm daquelas evidências contextuais (como sugere o princípio legal res-ipsa-loquitor), pode-se afirmar que Obama mandou chamar o vice-rei, Alan Garcia, para desenvolver uma espécie de conspiração continuísta estratégica que, com o tempo, virá à tona e será revelada.

Debilitar o desenvolvimento das forças de mudança mediante o uso de meios diretos como mais repressão, perseguição, difamação, talvez fraude eleitoral e, sobretudo, divisão; mas também fazendo uso dos recursos públicos e dos provenientes de aportes desestabilizadores do império, como são USAID, NED, IR, COA, etc. Se Ollanta Humala é, hoje, a figura presidenciável mais identificada com a Grande Mudança, o acusarão de tudo (corrupto, terrorista, chavista, autoritário, etc.) e até fabricarão adversários para confundir e dividir a classe popular nacional. É este o objetivo prioritário que os une.

Quem garanta o continuísmo (líder ou grupo) é, ainda que não pareça, um assunto menos complicado. A diferença das forças direitistas domésticas que brigam entre si para alcançar o poder e fazer o mesmo, não interessa ao império se é japonês, camponês, burguês (Obama, mesmo, primeiro presidente afro-americano, prova que a dominação não é um problema de raça, mas de classe). Ao império interessa que não mude o sistema neoliberal capitalista por onde exerce sua hegemonia e dominação. Neste sentido, o mínimo que Garcia terá que fazer é criar as condições para que haja um segundo turno com pelo menos um candidato continuista, melhor ainda se ele for, como parece indicar a opção preferencial do império, Castañeda Lossio.

Permitir que Fujimori, da cadeia, faça campanha para sua filha Keyko, ou blindar Toledo dos atos entreguistas, como o contrato de venda do gás de Camisea, para que se recomponha e participe de frente ou através de alguma cara nova, é e seguirá sendo parte do compromisso com o projeto continuista que Garcia tem a oferecer em Washington.

Estar em Washington DC faz Garcia se sentir um protagonista "hemisférico e global", como haviam de se sentir os vice-reis da colônia, ao estar na metrópole espanhola. A desgraça desse tipo de protagonismo é que sua glória é escrava da dominação imperial. O império precisa de vice-reis até o último momento de sua existência; desse tipo de governantes que, cegos pela falsa glória, vendem, entregam ou permitem o saque do patrimônio nacional e dos que, vivendo ali, geram o valor e a riqueza usufruídos pelo império e pelo vice-rei.

Mas a glória e o poder que emanam da dominação imperial, ainda que real, são efêmeros, ainda mais em seu momento crepuscular. Durante sua queda, de nada valeram os atos "heróicos e protagônicos" dos últimos vice-reis do colonialismo espanhol. É o período em que novas forças (as da independência) impõem um rumo diferente e inevitável à história. O penúltimo vice-rei, Joaquín de la Pezuela, não pôde evitar que suas tropas aderissem ao exército libertador que o general Álvares de Arenales comandava em Pisco, 1820, nem que os chefes espanhóis lhe dessem um ultimato, em Aznapuquio. Em defesa de um sistema de dominação colonial e de sua desejada continuidade, depois da queda da liderança do vice-rei Pezuela, Don José de la Cerna e Hinojosa se erigiu, por si mesmo, no último vice-rei da colônia, em 29 de janeiro de 1821. Felipe VII o confirmou, 3 anos mais tarde, em 9 de agosto de 1824. Ocupado na recuperação e na defesa midiática e militar do sistema de dominação colonial sobre seu último degrau, o Peru, de nada lhe valeu ser nomeado vice-rei de uma potência opressiva em decadência, 3 dias depois de perder a Batalha de Junin. Após receber 7 ferimentos de bala, teve que render-se para salvar sua vida, na Batalha de Ayacucho, em 9 de dezembro de 1824.

Pensar que um império é imutável e protagonizar a defesa cega da sua dominação, em tempos da sua decadência, é fatal, para o império que cai e para quem se põe como seu defensor. É uma questão de senso comum: não se pode nadar contra a corrente da história. O Peru não é uma ilha. Ali também sopram ventos na direção da mudança, pela democracia inclusiva, pela economia harmônica e solidária, pela justiça social, pela soberania nacional. Ventos e forças que já protagonizam batalhas; além de tudo, há uma debandada das forças que defendem o sistema, incluindo o próprio partido de Alan Garcia; e haverá, sem dúvida, uma nova Batalha de Ayacucho, da qual resultarão feridos os defensores do sistema neoliberal capitalista norteamericano, e onde será selada a segunda independência do Peru. Alan Garcia, para se salvar, sairá do Peru mais uma vez, mas não para a metrópole, Washington DC, pois ali não haverá quem, nem onde, o enterre. Neste sentido, o último vice-rei da metrópole espanhola, Don José de la Serna e Hinojoza, poderia ter tido a sorte de retornar a Cádiz, a terra que o viu nascer e onde é recordado apenas como o Conde de los Andes.

Boletim da Telesur de 25 de maio de 2010
Tradução de Eduardo Marinho


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