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Chile: Milhares protestam em Santiago por homenagem a militar condenado por direitos humanos

221111_chile1Chile - Diário Liberdade - [Victor Farinelli] Os fantasmas da ditadura voltaram a assombrar a sociedade chilena, apesar de seus protagonistas estarem, em sua maioria, atrás das grades. Um desses protagonistas, o ex-brigadeiro Miguel Krassnoff, quem chefiou a DINA (policia secreta de Pinochet) durante os Anos 70, e apesar de estar condenado a 148 anos de prisão, por violações aos direitos humanos, foi homenageado nesta segunda-feira (21/11), no Club Providencia, setor Sudoeste de Santiago.


Nosso repórter teve a câmera violentada por policiais chilenos, que apagaram todas as fotos que tirou. Fotos por Andres Alejandro Daroch Sepulveda

A cerimônia foi organizada pela Prefeitura da comuna de Providencia, cujo prefeito é Cristián Labbé, ex-agente da DINA e encarregado pessoal da segurança do ditador Augusto Pinochet, e marcará o lançamento da quarta edição do livro "Miguel Krassnoff, Prisioneiro por Servir o Chile", da historiadora Gisela Silva Encina.

Organizações de direitos humanos e de familiares das vítimas do regime convocaram um protesto em frente à sede do evento, que reuniu pouco mais de duas mil pessoas, muitos dos quais levavam fotos de famíliares desaparecidos ou assassinados - alguns cartazes eram ainda mais diretos, um deles dizia "Nieves Ayress, torturada por Krassnoff a los 15 años" e outro "Víctor Toro: assassinado por Krassnoff". Também participaram entidades ligadas à comunidade judia do Chile, devido aos casos de antissemitismo protagonizados por Labbé e Krassnoff, entre os quais se destaca o assassinato da estudante de jornalismo Diana Arón, quem estava grávida - em depoimento à Justiça, num dos processos que condenou a Krassnoff, Oswaldo "Guatón" Romo, um dos pouco agentes da ditadura que confessou voluntariamente seus crimes, afirmou que Krassnoff, cuja família é de origem austríaca, o afastou do interrogatório a Diana Arón e passou a torturá-la pessoalmente, com golpes que incluiam chutes na barriga, e gritos antissemitas como "cachorra judia", além de outras ofensas em alemão.221111_krassnoff

Os primeiros convidados ao Club Providencia chegaram sob os gritos indignados dos manifestantes, que se localizavam do lado oposto da vereda, onde um cordão policial os separava da entrada do edifício. Os primeiros incidentes aconteceram quando três senhoras idosas, carregando fotos de Pinochet, de Krassnoff e de militares supostamente assassinados por grupos de esquerda, se aproximaram do cordão policial e começaram a bater boca com os manifestantes. Enquanto a multidão gritava "assassinos", elas respondiam com "comunistas maricones, les mataron los parientes por huevones" (comunistas maricas, mataram seus parentes por otários). Após a provocação, muitos manifestantes romperam o cordão policial e invadiram o jardim de entrada do clube.

Daí em diante, cada novo convidado que chegava despertava automaticamente um confronto com os manifestantes. Golpes e provocações foram registrados de ambas as partes, os manifestantes jogaram ovos, vinagre e tinta vermelha sobre alguns militares retirados e advogados ligados aos condenados por direitos humanos. Um dos militares agredidos teve sua camisa rasgada e outro foi atirado dentro de um chafariz, na entrada do clube. Entre os manifestantes, a estudante Javiera Kaechele foi golpeada por um policial e por uma das convidadas à homenagem.

Pouco antes das 19h, hora marcada para o início da cerimônia, policiais que custodiavam o local avisaram que desalojariam o recinto devido a uma denúncia de bomba no interior do mesmo, a multidão dispersou a entrada, mas retornou minutos depois, ao perceber que não houve desocupação.

A multidão não parou de gritar apesar do início da cerimônia. Apesar do apoio de estudantes e dos movimentos sociais, a maioria dos manifestantes eram pessoas idosas, pertencentes a famílias de pessoas torturadas ou desaparecidas durante o regime, ou mesmo vítimas sobreviventes dos anos de chumbo no Chile. Um deles era Andrés Daroch, que foi torturado pela DINA durante cinco meses, disse que a homenagem marca um precedente perigoso. "Depois da ditadura, é a primeira vez que se utiliza um espaço público para se fazer uma homenagem a um criminoso de direitos humanos, e isso é respaldado pelo governo de direita que comanda o país hoje", afirmou Darosh. 

Controverso respaldo governamental

A primeira polêmica em torno do caso ocorreu na última quinta-feira (17/11), após o convite de Labbé (amigo pessoal de Krassnoff, a quem conheceu na Escola Militar, onde ambos foram contemporâneos) enviado a La Moneda, para que o presidente Sebastián Piñera participasse do evento. A resposta ao convite foi que o presidente não poderia comparecer, porém, agregou palavras de apreço ao brigadeiro Krassnoff e aos organizadores do evento, finalizando com "uma afetuosa saudação aos que assistam à homenagem".

O governo não tardou em demonstrar seu arrependimento, mas já era tarde. Entidades ligadas à defesa dos direitos humanos anunciaram que realizarão protestos em frente ao Club Providencia, durante a realização da homenagem, e manifestaram, via comunicado, seu repúdio, tanto ao evento em si quanto à mensagem expressada pela assessoria de comunicação do Palácio de La Moneda - que, posteriormente, qualificou a resposta como "um grave erro", e logo divulgou a renúncia da jornalista Andrea Ojeda, suposta autora da carta, quem, segundo a assessoria, teria divulgado a mesma sem a autorização do presidente Sebastián Piñera.

Vendo novamente frustrados seus esforços em se desmarcar da imagem da ditadura, o presidente chileno, o primeiro direitista a governar o país depois de Pinochet, e apesar de contar com vários apoiadores do regime militar em seu gabinete, divulgou via twitter duas mensagens em que insistia que "sempre condenou e condena as violações aos direitos humanos em qualquer tempo, lugar e circunstância", e que "não compartilho e rechaço qualquer manifestação de apoio aos graves abusos aos direitos humanos ocorridos no Chile" (http://twitter.com/#!/sebastianpinera/status/137193634821967872 e http://twitter.com/#!/sebastianpinera/status/137194995269648384). A oposição e a associação de familiares das vítimas da ditadura consideraram as palavras de Piñera e a reação de La Mondea insuficientes, visto que sequer o porta-voz do governo fez qualquer declaração a respeito, mas Darosh foi mais além, e as qualificou como mentirosas. Para ele, "este governo se deixou levar pelas direitas mais radicais, e isso se vê na repressão que vemos hoje, a mesma vista nas marchas estudantis. A primeira resposta do governo coincide com o pensamento de muitos dentro do Palácio La Moneda".

Repressão contra manifestantes e jornalistas

Por volta das 19h15, carros lança-água e lança-gás começaram a desfilar em frente ao Club Providencia, tentando dispersar os manifestantes. Algumas pessoas idosas passaram mal com a intensidade do gás lançado pelos veículos policiais, e duas bombas de gás foram atiradas no jardim central da entrada do edifício, um dos quais deixou uma mulher ferida após a explosão. A mulher foi retirada do jardim pelos policiais, que não reportaram, posteriormente, a gravidade dos seus ferimentos, nem sua identidade.

Outra bomba foi atirada próximo a um grupo de jornalistas que não foram autorizados a entrar no recinto. Os organizadores tinham restringido a cobertura midiática a alguns poucos meios escolhidos a dedo, e na lateral do jardim, onde estava eu junto aos demais colegas (alguns de rádio, outros de jornais impressos, e uma equipe de tv do canal Telesur)  se sentiu outra bomba de gás. Posteriormente, quando eu tentei tirar fotos dos confrontos entre os policiais e alguns dos manifestantes, um policial me abordou bruscamente, arrancou das minhas mãos a câmera fotográfica, e me perguntou o que eu estava fotografando. Aleguei que estava fazendo meu trabalho, disse que era jornalista, mas ele insistiu na pergunta, e pediu meus documentos. Em seguida, apagou as fotos da minha câmera, retirou as pilhas da máquina e a atirou no chão. Por sorte, ela continua funcionando, mas o trabalho realizado até então havia desaparecido.221111_chile2

Pior sorte teve o jornalista Esteban Sanchez, da Rádio ADN, além de ter seu material destruído, foi detido e golpeado dentro de um furgão policial, sem saber porque estava sendo levado, veja nestes dois tuítes: (http://twitter.com/#!/esteban_sanchez/status/138792266272743424 e http://twitter.com/#!/esteban_sanchez/status/138796763871055872). Minutos depois, foi libertado graças a ação de amigos e da direção da rádio, que veiculou um comunicado assinado por seus jornalistas, repudiando a ação policial de repressão ao trabalho jornalístico. O comando dos Carabineros (polícia militarizada chilena) alegou que a detenção se deu por "obstrução do trabalho policial".

Labbé diz representar maioria silenciosa

Cristian Labbé, quem na sexta-feira (18/11) anunciou que não poderia participar do evento devido compromissos já agendados (os quais tampouco foram divulgados), deu uma entrevista, na sede da Prefeitura, após os confrontos e disse que "era inaceitável que, pelo vandalismo exacerbado de uma minoria, continuamos a ver um Chile dividido". Em seguida, evocou ao que ele chamou de "uma maioria silenciosa", a qual, segundo ele, quer respeitar todas as opiniões.

Em entrevista anterior ao evento, Labbé alegava estar assustado com a polêmica criada em torno da homenagem a Krassnoff, e alegou, em entrevista à rádio Cooperativa, que "a história deve ser construída por diversas visões capazes de enriquecer o debate",  insinuando que os ativistas dos direitos humanos tentam censurar os apoiadores dos condenados por violações aos direitos humanos. "Qual é a ideia (dos ativistas)? Silenciar os que pensam diferente? Calar à força?", perguntou o prefeito.

Já o senador oposicionista Ricardo Lagos Webber (filho do ex-presidente socialista Ricardo Lagos Escobar, 2000-2006) criticou o evento e o convite ao presidente. Em entrevista ao diário La Tercera, o senador declarou que "é insólito que se realize um a cerimônia dessas, que nasce da direita mais obscura, e convidando o Presidente da República, como se fosse a inauguração de um jardim infantil". O parlamentar comparou o caso a uma hipotética homenagem a Menguele, em Berlim, 20 anos depois da Segunda Guerra Mundial.

Antes da homenagem, na manhã desta segunda-feira, Krassnoff teve decretado contra si mais um processo, por outro crime cometido durante a ditadura. O ministro da Corte Suprema, Alejandro Solís, acatou a demanda que vincula o ex-brigadeiro com a desaparição do sindicalista Newton Morales Saavedra, em agosto de 1974, quando Krassnoff era o diretor-chefe da DINA. Além dele, o general Manuel Contreras, o coronel Marcelo Moren Brito e o suboficial Basclay Zapata também estão sendo acusados pelo mesmo caso, e foram notificados no presídio Penal Cordillera, onde cumprem pena junto a todos os demais condenados por violações aos direitos humanos.

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