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'Terra legal: um programa para anistiar grandes grileiros de terras'

031011_amazonas_grileirosBrasil - PCO - Afonso Chagas, membro da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT-RO) concede entrevista à Causa Operária e aborda temas como a Amazônia Legal e a repressão contra os camponeses, pequenos agricultores e ativistas nesta região do País.


Causa Operária – Você afirma que os crimes cometidos contra agricultores e ativistas na região da Amazônia não são conseqüência da ausência do Estado. Você pode explicar isso?

Afonso Chagas – Eu entendo que o Estado está presente, sim, na região da Amazônia. Em todos os estados da Amazônia Legal. O Estado Brasileiro está lá com todos os seus poderes, seja Executivo, Judiciário, Legislativo, ou com outras instituições. O problema de fundo é que este Estado tem uma orientação política e busca cumprir uma meta na Amazônia. A meta é mercantilizar a floresta ou fazer grandes transferências para investimentos em interesses particulares e corporativos. O Legislativo está presente configurado pela Bancada Ruralista. Já foram feitas CPIs de grilagem de terra e nada foi resolvido. Constantemente se apuram denúncias, mas não se efetiva nada. Para mim, o Estado está presente. Ele é omisso por um lado e muito atuante por outro. Ele é omisso para cumprir as políticas sociais e de reforma agrária e de atender as demandas. E por outro lado, ele é muito atuante para fazer benesses para a bancada ruralista. Ele é omisso de acordo com a conveniência e presente.

Causa Operária – A proposta de enviar a Força Nacional de Segurança então seria uma maneira de proteger as empresas e os interesses comerciais presentes na região?

Afonso Chagas - A presença da Força Nacional de Segurança, quando ela ocorreu foi uma política de aparência. Eu diria simbólica. Havia uma cobrança por parte da mídia e por parte da imprensa internacional. Mandar a Força Pública para lá significava de imediato que o Estado brasileiro estava fazendo algo. Esta Força Nacional estava completamente despreparada, sem entender o mínimo da realidade da Amazônia, sem saber o mínimo do que é o conflito agrário. Eu me lembro da época em que o Carlos Minc era do IBAMA e qualquer ação que o instituto fazia na região levava a Força Nacional de Segurança para pura iniciativa simbólica. Não tinha nada de efetivo. Ele faziam "turismo regional". Para se ter uma ideia, considero que não haverá a intervenção da Força Nacional porque hoje não diz respeito ao Estado brasileiro em atender as demandas. É lógico que as lideranças e trabalhadores continuarão a serem assassinados e quando for necessário será feita a convocatória da Força Nacional para dizer: "estamos fazendo alguma coisa", quando, na verdade, não está sendo feito nada. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem os dados que apontam que nos últimos 25 anos cerca de mil e seiscentas pessoas foram assassinadas e deste montante 63% foram na região da Amazônia. A Força de Segurança Nacional significa um paliativo, simbólico, para fazer um reparo momentâneo, mas que efetivamente não combate as causas dos grandes problemas da Amazônia.

Causa Operária – Quais empresas têm negócios na região e como recebem apoio estatal?

Afonso Chagas – – Esse programa "Terra legal" é uma enorme farsa governamental. Ele faz parte de uma estratégia desenvolvida dentro da filosofia liberal do governo Lula e junto com um conjunto de propostas que visava fazer a implementação do processo de colonização para transferir as terras públicas para a iniciativa privada. A primeira foi a privatização das florestas públicas. Foram estas concessões inclusive com empresas internacionais para fazer a exploração. Podemos ver hoje algumas organizações, inclusive não governamentais. Elas fazem uma fiscalização dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES). Se nós formos olhar hoje os recursos deste banco na região Amazônica a primeira coisa que veremos são dois grandes consórcios construindo as hidrelétricas, Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira que vai produzir energia para a região Sul e Sudeste, ao preço de crime ambiental, despejo da população ribeirinha e de áreas de povo indígenas, Sem que nada tenha sido feito pelo Instituto Chico Mendes e pelo Ibama em geral. O BNDES financia tanto a Odebrecht, quanto a Camargo Correia. As duas grandes empresas privadas que estão cuidando da infraestrutura e construção destas duas hidrelétricas. O BNDES também financia com outra linha de crédito a área dos frigoríficos. Hoje, grande parte do entendimento dos negócios na Amazônia é olhar para os estados como Rondônia e Acre para implantar a pecuária extensiva com o objetivo de exportação de carne. O grupo JBS Friboi, multinacional de exportação de carne, tem muito dinheiro do BNDES. As informações de um primeiro levantamento é que passam de R$ 10 milhões os últimos aportes financeiros acessados junto ao BNDES. Uma terceira empresa que busca socorro, sempre ligada a esta questão do agronegócio, é o grupo Maggi. O seu proprietário é o ex-governador do Mato Grosso e atual senador da República, Blairo Maggi e as empresas que compõe produzem e exportam soja. Tanto que o Porto de Porto Velho, capital de Rondônia, construído foi quase todo construído com dinheiro do BNDES e servirá quase que exclusivamente para transportar soja.

Da mesma forma, a ferrovia que está sendo construída para ligar o estado de Rondônia ao centro do País vai atender aos interesses dos produtores de soja do Mato Grosso. Ela também está sendo financiada pelo BNDES

Na região Amazônia, a função do BNDES é financiar o agronegócio.

Causa Operária - O programa "Terra Legal", conduzido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), teve inicio em 2009 o objetivo de regularizar 296,8 mil posses rurais de ocupações ilegítimas de latifundiários, em detrimento de pequenos agricultores e posseiros nos 436 municípios da Amazônia Legal. Como isso aconteceu?

Afonso Chagas - Quando o cientista político Mangabeira Unger foi convidado pelo governo Lula para assumir um programa com status de ministério que era chamado de "Amazônia sustentável". A lógica desta pasta ministerial era construir uma pauta na região amazônica para tentar regularizar as grandes áreas públicas. Na época, o ministro Mangabeira Unger esteve nos estados da região Amazônica para reuniões com a bancada ruralista e os sindicatos patronais dirigidos por eles. Num terceiro momento, eles começaram a partir da proposta do deputado Asdrubal Mendes do Pará que negociou com Lula a Medida Provisória 458. Esta medida cria dispositivos tanto na legislação quanto na Constituição para autorizar a transferência sem um processo de licitação de terras públicas para particulares. Esta foi a "pré-história" da Lei 11.952 a lei que cria a "Amazônia Terra Legal".

Com este preâmbulo poderia ser criado o programa Terra Legal que nada mais é que a tentativa governamental de transferir terras públicas para interesses particulares. Rasga tudo aquilo que a Constituição entende por programa de Reforma agrária que está no Artigo 186, da Constituição que faz combater as desigualdades regionais, a miséria e promover a desigualdade de todos passa a um programa com destinação de terras públicas para particulares, algo que no meu entendimento não se vê no País desde a Lei de Terras de 1850.

Hoje mais de 60 milhões de hectares seriam terras da União. Estas terras poderiam ser destinadas para duas grandes finalidades. Primeiro, criar as unidades de preservação e regularizá-las. Segundo, fazer um amplo programa de reforma agrária com todas as suas características com pequenas propriedades e incentivar os agricultores a produzir e permanecer na região. Mas nada disso foi feito porque se fez a opção de criar dispositivos na Lei; uma lei específica para regularizar as terras da Amazônia. Tem muitas lacunas nesta Lei que permite a concentração da propriedade.

Como já havia concentração, por causa da grilagem de terras públicas, muitos trabalhadores foram assassinados por grandes grileiros de terras, Agora eles têm um respaldo na Lei com o programa Terra Legal e a possibilidade de regularizar estas grandes áreas de terra. Podem falar que tem limite, que vai de 900 hectares a 1500 hectares, mas eles fazem o seguinte: quem é casado separa e passa uma parte da terra para esposa, para um filho emancipado, e fica tudo em nome de um único proprietário que pode ter muita terra na região.

Esta é a lógica do programa Terra Legal. Um programa para anistiar grandes grileiros de terras, continuar a permissividade com a destruição do meio ambiente e para interditar de vez um programa de assentamento de reforma agrária na Amazônia.

Causa Operária – As mortes aumentaram nos locais onde está situada a "Amazônia Legal"?

Afonso Chagas - – Não só as mortes aumentaram, como todo tipo de violência. A violência física contra as pessoas, que vai desde ameaças até as mortes; as violências contra os grupos, áreas de assentamento; a violência dos despejos praticada pelo Estado. Infelizmente, temos uma Justiça que fecha os olhos para estes crimes e muitas vezes beneficia os interesses dos latifundiários. Acresce-se ainda a violência da exploração do trabalho análogo ao trabalho escravo. Toda a cartografia desta violência tem uma geografia muito específica. Ela aumenta e se mantém na região Amazônica. Como eu afirmei atrás, de todo este quadro de violência que ocorre no Brasil, 63 a 65% dos casos de violência contra pessoas e contra grupos, ameaças e trabalho escravo ocorrem na região Amazônica. Principalmente na região de grande concentração de terras. Acontecem essas violências nas região onde o agronegócio está faminto por derrubar para colocar pasto e plantar soja. Numa completa omissão por parte de um Estado que vê e sabe, mas efetivamente não faz nada.

Causa Operária – O que muda com o novo Código Florestal?

Afonso Chagas - – O novo Código Florestal que está às vésperas da aprovação pelo Senado significa o fechamento do pacote. Precisava ter uma Lei de Terras no Brasil que beneficiasse os fazendeiros. Esta Lei foi aprovada em 2009. Precisavam de uma permissividade por parte do Estado que agisse no caminho de ida e outro de volta. No caminho de ida é o investimento e o financiamento do agronegócio através do dinheiro direto, injetado na superestrutura ou através do Estado por meio da construção de rodovias, ferrovias e portos. Legislativamente precisava aprovar uma Lei que tivesse um efeito retroativo; que service para o passado e olhasse também para o futuro. Este passado diz respeito a um crime ambiental cometido por plantadores de soja e grandes fazendeiros agropecuários na região da Amazônia Legal e, principalmente, também por mineradores e por outros setores do agronegócio. Precisava olhar para o passado e "perdoar" estes grandes crimes. O Código Florestal vai fazer isso. Ele vai conceder uma anistia ampla, geral e irrestrita contra os criminosos que cometeram crime ambiental. Crimes ambientais esses que as terras poderiam ser retomadas pela União e não foram. Ao mesmo tempo que efetiva essa política voltada para o passado, ela efetiva também uma política que projeta o futuro, pois altera aquilo que na Amazônia era preponderante: a manutenção da reserva florestal, da preservação permanente, inventivo a recuperação de fontes e nascentes, impedimentos das áreas de encostas e morros não fossem desmatados. Nada disso o Código Florestal contempla. Pelo contrário, sua bandeira da permissividade dizendo que os grandes proprietários podem continuar derrubando sem a necessidade de recompor as áreas degradadas em muitas situações por eles para a pecuária. O germe do novo Código Florestal tem essa lacuna que vai permitir que ao mesmo tempo que seja feito em relação aos crimes e vai ao mesmo tempo criar as condições para que os crimes ambientais continuem acontecendo.Toda a batalha travada contra o governo no Código Florestal se dá em torno da tentativa de esconder estes fatos que mencionei. Foi assim na Câmara dos Deputados e agora no Senado.

Querem continuar a implementação deste pacote fechado de alterações e mudanças que infelizmente significa a legalização dos crimes na Amazônia Legal.

Causa Operária – Você pode relatar um pouco o impacto social nas regiões em que estão sendo feitas as obras do PAC?

Afonso Chagas -– A violência e a maldade da forma como foi implantado este projeto é muito grande. A hidrelétrica de Santo Antônio, Jirau e Rondônia tiveram muitas decisões tomadas na calada da noite. Eles esfacelam o IBAMA. Criam um instituto específico para fazer o controle da situação, tirando qualquer possibilidade de um setor mais avançado dentro do próprio IBAMA de poder apurar e levantar todas as conseqüências. Os projetos de impacto ambiental foram todos eles maquiados. As aprovações e as licenças foram todas apressadas. Muitas feitas por acertos de cartório em situações de troca de favores. A situação prévia destas grandes obras foi marcada por um enorme desrespeito. Segundo a velha estratégia em relação ao atingidos diretamente, aos moradores, aos Ribeirinhos, aos povos indígenas foi de uma violência muito grande. O esfacelamento a fragmentação em relação a uma discussão com estas pessoas. Quando os movimentos sociais procuravam estas pessoas, havia uma contra-propaganda ou acordos que eram tentados individualmente para impedir que os povos e grupos se organizassem para estas discussões. Foi um desrespeito muito grande e estamos enfrentando os impactos. Agora vão se tornar mais visíveis nos próximos anos, principalmente com o final da primeira da construção das Hidrelétricas. Isso por um lado e, por outro, o completo despreparo e a verdadeira pilhagem promovida pelas empresas Odebrecht, Camargo Correia, Votorantim etc. Elas têm um verdadeiro espírito de pilhagem do recurso público. Com a degradação do meio ambiente, a negação dos direitos, o desrespeito com as populações tradicionais e com os povos que moram perto da barragem. Isso atrelado a um processo de ocultação das informações. É proibido entrar nos canteiros das usinas sem a permissão dos chefes destes consórcios. A sociedade não teve acesso. Isso é muito raro. Toda informação vinda de lá para a sociedade é fabricada. Estes impactos nós sentiremos e isso se traduz numa estratégia de negação de direitos das pessoas com crimes já vistos, anunciados em relação ao meio ambiente que está acontecendo.

Causa Operária – Gostaria de fazer alguma consideração final?

Afonso Chagas -- Hoje há uma "cortina de fumaça" sobre o que acontece na Amazônia Legal, área que abrange nove estados. Primeiro, nós temos no local muita dificuldade às informações. Há sempre filtros. Estas informações sobre a violência contra os trabalhadores passam sempre por um filtro da Secretaria de Segurança Pública que são consultadas. Quando esta violência chega é sempre por linhas transversais e que está havendo e isso é bom.

É preciso muito esforço para entender a Amazônia. Isso é uma consideração importante que tenho aprofundado em minhas pequisas. Para entendermos que há coisas em comum que acontecem no Pará, Amazonas, Mato Grosso, Acre e outros estados. Mas há também particularidades regionais que são ecos e uma situação histórica e nós estamos na última fase da colonização de Rondônia e ela não está completa.

Ela começou no final da década de 60 e está se consolidando. A violência contra os trabalhadores, crimes contra a natureza e principalmente isso que a gente pode chamar de verdadeira pilhagem dos bens públicos da Amazônia, transferidos à luz do sol para grandes interesses corporativos nacionais e muitos internacionais. Com a consciência do que seja a Amazônia e este é ainda um trabalho difícil, precisamos fazer e órgãos de comunicação como vocês estão fazendo, ajudando a divulgar estas informações que são de uma profunda importância para entendermos o Brasil enquanto uma nação e entender os destinos, os projetos que estão se tomando. Não pode cair no esquecimento, não pode ser relegado a margem da informação ou das iniciativas ou as próprias políticas, o que está acontecendo a cada dia concretamente na região amazônica. De vez em quando a notícia da violência, um ou outro que acaba sendo reproduzido é apenas um pequeno indício do que está acontecendo a muito tempo na região.


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