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Argentina: Armas e drogas não declaradas em avião militar estadunidense

130211_mala_euaEstados Unidos - Pagina12 - [Horacio Verbitsky] [Tradução do Diário Liberdade] Um avião militar estadunidense tentou entrar com carregamento não declarado de armas de guerra, equipamentos de comunicação encriptada, programas de informática e drogas narcóticas e estupefacientes. Cristina Fernández de Kirchner ordenou a abertura da mala, que os estadunidenses se negavam a entregar. O governo reitera, assim, sua recusa à militarização da segurança interna.


O governo argentino impediu a entrada de “carga sensitiva” secreta que chegou ao Aeroporto Internacional de Ezeiza em um voo da Força Aérea dos Estados Unidos, sobre cuja utilização não foram oferecidas explicações satisfatórias. A expressão “carga sensitiva” foi utilizada na segunda-feira passada pela Conselheira de Assuntos Administrativos, Dorothy Sarro, ao solicitar autorização para que um caminhão de reboque pudesse ingressar na área operacional do aeroporto. O enorme C17, um cargueiro Boeing Globmaster III (maior que os aviões Hércules), chegou na tarde da quinta-feira com um arsenal de poderosas armas longas para um curso sobre controle de crises e resgate de reféns, o qual fora oferecido pelo governo dos Estados Unidos ao Grupo Especial de Operações Especiais da Polícia Federal (GEOF) e deveria ocorrer durante todo o mês de fevereiro e março. O Governo estima que o custo total do transporte e do curso ronda os dois milhões de dólares. O curso contava com autorização do governo argentino, mas quando os funcionários foram verificar se o conteúdo da carga coincidia com a lista entregue de antemão, apareceram canos de metralhadora e carabinas, assim como uma estranha mala, que não constavam da declaração. Apesar de o curso estar destinado a forças policiais argentinas, a carga chegou em transporte militar e foi recebida, em Ezeiza, pelos coronéis Edwin Passmore e Mark Alcott, adidos militar e de defesa, respectivamente. Todas as caixas tinham o carimbo da 7ª Brigada de Paraquedistas do Exército, com sede na Carolina do Norte. Tentaram-se passar mil pés cúbicos de forma clandestina – o equivalente a um terço da carga levada pelo avião –, após escalas no Panamá e em Lima.

Doze especialistas militares

A nota que a embaixadora estadunidense Vilma Martínez enviou em novembro ao ministro de Justiça, Julio Alak – que, naquele então, também era responsável pela área de segurança –, lembrava que a primeira fase do treinamento para resgate de reféns dado ao GEOF tinha sido realizada em abril, “motivo pelo qual nos solicitaram a realização outra etapa, mais aprofundada”. Em outra nota, dirigida no dia 21 de dezembro à ministra de Segurança, Nilda Garré – que tinha assumido o cargo cinco dias antes –, Vilma Martínez lhe informou que Alak tinha aprovado a realização do curso e que, para ministrá-lo, chegariam doze “especialistas militares estadunidenses”. Cursos similares foram realizados em 1997 e 1999, durante a presidência de Carlos Menem, e em 2002, nos meses em que o ex-senador Eduardo Duhalde foi presidente interino. Não ocorreram durante o governo de Néstor Kirchner e foram retomados em 2009, no atual governo. O novo curso, de cinco semanas, estava programado para agosto de 2010, mas teve de ser adiado por um episódio similar. Naquele momento, foi a embaixadora Vilma Martínez quem se negou a receber o carregamento porque a numeração das armas não coincidia com a da listagem prévia, fato que mostra os conflitos que esta prática produz dentro do próprio governo estadunidense. “Isto é uma vergonha”, disse então Martínez, antes de devolver a carga à Carolina do Norte. Por ordem da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, funcionários da Chancelaria e dos ministérios de Planejamento Federal e de Segurança, da AFIP [órgão de controle tributário – N.T.] e da Aduana [Alfândega – N.T.] supervisaram o procedimento. Posteriormente, chegaram técnicos dos ministérios de Saúde e do Interior.

Os rapazes da mala

Em seu já clássico livro The Mission. Waging War and Keeping Peace with America´s Military, publicado em 2003, a jornalista Dana Priest, do The Washington Post, descreve a dramática primazia do Pentágono na formação e execução da política externa estadunidense. Com mais de um milhar de pessoas, o Comando Sul supera a quantidade de especialistas na América Latina que possuem, juntas, as secretarias de Estado, de Defesa, de Agricultura, de Comércio e do Tesouro. Este desequilíbrio não para de crescer e os Estados Unidos tentam exportá-lo aos países sob sua influência, que são quase todos. Como já tinha caído a noite da quinta-feira, Cristina ordenou lacrar a mala e retomar o trabalho no dia seguinte, para cujos fins determinou que a Chancelaria e o Ministério do Interior mandassem ao lugar pessoal técnico capacitado para entender do que se tratava. Durante seis horas da sexta-feira, vários dos marines dos Estados Unidos se sentaram sobre a mala em rodízio, o que sugere a importância que davam ao seu conteúdo. Segundo os estadunidenses, tratava-se de softwares e de material sensitivo para a segurança. Um coronel disse que a mala não deveria ser descerrada a céu aberto porque poderia revelar segredos aos satélites que sobrevoavam o local naquele momento. O avião também continha uma caixa com merchandising de presente para os policiais argentinos, que continha bonés, coletes e outras quinquilharias. O chanceler, Héctor Timerman, permaneceu quase todo o dia no aeroporto, juntamente com o secretário de transporte, Juan Pablo Schiavi, em cumprimento das instruções presidenciais. Também permaneceu no local o pessoal da Polícia de Segurança Aeroportuária, da Aduana e da AFIP, assim como os principais diretores dos departamentos de Informática, de Tecnologia e Segurança e de Sistemas do Ministério do Interior e duas inspetoras do Instituto Nacional de Medicamentos (Iname) e da Administração Nacional de Medicamentos, Alimentos e Tecnologia Médica (Anmat). Houve intervenção do juiz Ezequiel Berón de Estrada, da vara penal econômica. A embaixada retirou seu pessoal hierárquico do aeroporto e se negou a consentir a abertura da mala. Após um dia completo de controvérsias, Timerman informou que usaria suas faculdades legais para abri-la. Estava acompanhado por Patricia Adrianma Rodríguez Muiños, oficial principal da seção de Importações da Polícia Federal, a quem era dirigida a carga. Tendo comprovado a decisão oficial de ir adiante, vencido o prazo final de uma hora dado por Timerman, a embaixada pediu dez minutos de prorrogação, até que a chefe de imprensa, Shannon Bell Farrell, chegasse a Ezeiza. Tanto ela como o adido Stephen Knute Kleppe disseram que não tinham a chave do cadeado, motivo pelo qual Timerman ordenou que a Aduana o cortasse com um alicate. Quando isso ocorreu, na tarde da sexta-feira, apareceram equipamentos de transmissão, mochilas militares, medicamentos – que, segundo os funcionários, estavam vencidos –, pendrives – sobre cujo conteúdo os especialistas emitirão um lado –, drogas estupefacientes e narcóticas, e estimulantes do sistema nervoso. No material encontrado, havia três aparelhos encriptadores para comunicação. Dentro da mala também apareceu um envelope supersecreto de tecido verde. Como o pessoal da embaixada disse que não tinha a chave do envelope, ele foi aberto por meios expeditos. Em seu interior, encontraram-se dois pendrives com o rótulo de “secretos”, uma chave I2 de software para informação, um disco rígido – também com a inscrição “secreto” –, códigos de comunicações encriptadas e um cômico folheto, traduzido a quinze idiomas, com o seguinte texto: “Sou um soldado dos Estados Unidos. Por favor, informe à minha embaixada que foi preso por país”. Nenhum desses materiais coincide com as especificações que a embaixada enviou à Chancelaria sobre a índole do curso sobre resgate de reféns que seria ministrado. Após presenciar estas descobertas, os funcionários da embaixada decidiram retirar-se – mesmo com o pedido oficial de que permanecessem ali – e não firmaram o termo. Na quinta-feira, o coronel Alcott disse que não lhe constava que algo similar tivesse acontecido em nenhum outro lugar do mundo. As armas e a mala não declarada foram revistadas e amanhã, dia 14, continuará a verificação de seu conteúdo. Por exemplo, os antibióticos, anti-histamínicos, complexos vitamínicos, protetores solares e hormônios encontrados estariam vencidos, segundo a informação que consta de suas embalagens. No entanto, o governo quer verificar se os medicamentos são mesmo o que os rótulos dizem e se é verdade que estão vencidos. O resto do material, que coincidia com a declaração prévia, foi transportado em um frete da embaixada até a sede da Polícia Montada, na rua Cavia. Até o encerramento deste artigo, fontes da embaixada disseram que estava sendo preparado um documento com a posição oficial em Washington e que consideravam que o treinamento seria suspenso. O Departamento de Estado se reuniu com o embaixador argentino no país, Alfredo Chiaradía, e lhe expressou sua “surpresa” com o procedimento, já que “os Estados Unidos desejam manter relações amistosas com a Argentina”. Curiosa forma de conseguir isso. Qualquer argentino, civil ou militar, que tentasse entrar com armas e drogas não declaradas nos Estados Unidos seria preso de forma imediata.

 

Traduzido por Karina Patrício para Diário Liberdade


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