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290514 i-love-nhGaliza - Novas da Galiza - [Isabel Rei Samartim] Alguém dizia um dia que somos diferentes e por isso a igualdade entre as pessoas não pode existir.


Da mesma maneira nos ensinaram a pensar sobre a língua: O galego é diferente do português e por isso a igualdade ortográfica, normativa, linguística, não pode existir. O que é diferente não pode ser igual. Mas que é o diferente?

Eis duas meninas que por sangue pertencem à mesma família, mas por circunstâncias moram em distintas comarcas da Galiza. Uma delas vai visitar a outra num dia assinalado. Há uma festa e, com parentes chegados de toda a parte, o clã inteiro se reune em torno da casa original. Se por acaso fosse na Peregrina, Compostela, haveria uma menina de Verdia e outra da afastada Arca de Taveirós. As duas da mesma idade, as duas co-irmãs de tranças trigueiras e meixelas rosadas. As duas galegas de língua e de vivos olhos brilhantes.

Depois do banquete, mediando a tarde ensolarada e morna, entanto a gente farta se abandona à aguardente e à conversa, as duas crianças brincam na eira diante da casa, e depois na horta por entre as legumes, e brincam mais além, perto já da palheira, e longe do rebúmbio avistam, brincando, a leira da vizinha. Ali, uma formosíssima maceira oferece nos seus braços uma multidão de saborosas e ruivas maçãs.

A ideia não demora, é preciso subir ao valo de pedra para pegar as maçãs lindas. Pensando a melhor maneira de o fazer, a de Arca levanta pé e braços, pedindo ajuda para iniciar o movimento de elevação: - Apolita-me, apolita-me!. A de Verdia fica perplexa e, não entendendo, ignora a petição soltando um equivalente: - Afinca-me, afinca-me!, que deixa uma cara de espanto na pequena companheira.

Como a surpresa de ambas é maior do que o apetite, passam uns instantes daquele jeito. Uma: -Apolita-me, apolita-me!, a outra:  -Afinca-me, afinca-me!, sem subir ao valo nenhuma das duas. No fragor da repetição o que elevam a cada passo é a voz, até fazer um barulho que acaba por chamar a atenção da vizinha, a qual decide ir botar uma olhadela nas maçãs. Ao senti-la chegar, as meninas fogem de mãos vazias, embora com a noção de terem descoberto algo muito mais interessante.

Há que conhecer o código. É o princípio de todo intento de comunicação. As nenas entendiam-se bem, mas teria saído melhor a aventura das maçãs se de antemão soubessem das suas diferenças linguísticas. As formas próprias da língua são boas, mas as comuns são completamente necessárias, até ao ponto de não podermos valorizar umas sem as confrontarmos com as outras. As relações entre o comum e o próprio, em Taveirós e na Peregrina, no Brasil e em Timor, devem conhecer-se e alimentar nosso mapa interno de vida.

A língua diz, mosqueteira: o meu é de todas, o de todas é meu. Porém, não deixamos de suportar dia após dia a ladainha oficial da diferença. Convém lembrar que o diferente e o igual não são perceções absolutas, que o desigual só aparece num contexto de igualdade. Como a beleza dum bordado na continuidade da tela, ou o brilho das estrelas no céu noturno, só podemos perceber as nossas diferenças na língua em que somos iguais.


(*) Opinião publicada originalmente no n.º 135 do Novas da Galiza, na seção Língua Nacional.

Isabel Rei: Mulher, música guitarrista, galega. Pensa que a amizade é uma das cousas mais importantes da vida. Aprendeu a sobreviver sem o imprescindível. Aguarda, sem muita esperança, o retorno do amor. Entanto isso não acontece, toca e escrevinha sob a chuva compostelana.


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