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010514 rmascatoGaliza - PGL - [Raquel Miragaia] «Para Valle-Inclán, o 'celtismo' afasta a Galiza da entidade histórica da Lusitânia, ente mais ajustado à sua proposta política para uma Península Ibérica concebida como uma federação de quatro Estados»


 

Rosário Mascato Rey é a autora de Valle-Inclán lusófilo: documentos (1900-1936), o título publicado pola Através | Editora na coleção Através | de Nós. Falámos com ela para conhecer os motivos que a levaram a realizar este trabalho e descobrir alguns dos resultados da investigação.

Fazes parte desde o ano 1996 do Grupo de Investigación Valle-Inclán da USC, especializada no trabalho com a imprensa, mas, em que momento e por que motivo a tua investigação foi para as relações de Valle com a cultura portuguesa?

A ideia vem de longe. Em realidade, do ano 2005. Naquele ano estive a trabalhar na Universidade Clássica de Lisboa, onde me convidaram para dar uma palestra sobre o relacionamento de Valle-Inclán com a Galiza. Procurando fontes diversas, fiz uma sistematização das diversas declarações do escritor a propósito do assunto linguístico, mas também das suas preferências literárias. O resultado foi determinante: a ideia do “latim galaico” e o nome de Abílio Guerra Junqueiro sugeriam a necessidade de um estudo em maior profundidade, que só depois decidi levar a termo, animada –devo dizer– por um dos netos do escritor, Javier del Valle-Inclán, quem me indicou, em mais de uma oportunidade, a importância de Portugal no escritor da Arouça.

O livro que vens de publicar,Valle-Inclán lusófilo, contém três entrevistas do autor publicadas na imprensa da época, talvez a mais interessante e polémica do ponto de vista galego seja a última, em que, como tu indicas, a postura de Valle orientada à comunicação com o mundo lusófono choca com uma postura de um nacionalismo mais virado para o celtismo. Achas que essa postura pode ter sido negativa para o reconhecimento de Valle como autor do sistema literário galego?

Totalmente. Como explico no livro, o veto a Valle-Inclán como autor galego não procede da sonora polémica gerada a partir da publicação do Manifesto Mais Alá. A chave interpretativa do que finalmente não seria mais do que uma anedota pour épater les bourgeois, vem dada polo facto de que já com dous anos de anterioridade, Valle tinha sido alcunhado como “traidor” por quem naquela altura era a grande figura do nacionalismo galego, Vicente Risco, quem publica uma azeda crítica sobre a intervenção de vanguarda do escritor arouçano, especialmente no que diz respeito à língua e ao suposto enriquecimento do castelhano que Valle-Inclán propicia ao utilizar vocábulos e estruturas de origem galega na sua literatura. A isto acrescenta-se toda a polémica referente à ideia do “celtismo”, que para Valle-Inclán afasta a Galiza da entidade histórica da Lusitânia que era, para ele, além do mais, um ente de implicações estéticas e identitárias mais ajustado à sua proposta política para uma Península Ibérica concebida como uma federação de quatro Estados: a Bética, a Tarraconense, a Cantábrica e a Lusitânia, esta última incluindo a Galiza.

 

Em todas as entrevistas apresentadas, Valle é tratado como escritor espanhol, qual o conhecimento por parte dostablishment português da época da situação da cultura galega?

É esta uma questão que precisa de maior estudo, e na qual estou a trabalhar neste momento. Devemos entender que esse “conhecimento” cultural se produz em função dos contactos que se geram entre agentes de um e outro lado da fronteira, e a natureza desses vínculos é muito variada e precisa ainda de um estudo em pormenor. Em geral, e atendendo ao corpus com que trabalho na atualidade, sim que podo afirmar que existem grandes diferenças entre a imagem da Galiza gerada, por exemplo, pola imprensa portuense da altura, fronte à lisboeta. E isto pode ser indício de um relacionamento (e conhecimento) mais ou menos superficial, e com mais ou menos pontos de interesse ou em comum, mas é só uma hipótese que haverá que confirmar.

Até que ponto Valle-Inclán encaixa no sistema literário galego e quais as novidades que podem achegar ao estado da questão as entrevistas que vens de publicar?

A isto deveria responder com outra pergunta: quais são os elementos a termos em consideração para delimitar o sistema literário galego em cada momento histórico? Se estamos a falar da baliza que opera hoje em dia, a língua de produção, não parece factível esta inclusão, não... Ora, se tivermos em conta o nível de estabilidade ou de consenso sobre os elementos que estavam a ser postulados como definitórios da “literatura galega” polos galeguistas na altura em que Valle-Inclán escreveu, então quiçá seja possível reconsiderar esta posição. Neste sentido, cabe valorizar também o facto de que mesmo no quadro do sistema literário espanhol da altura, Valle-Inclán sempre foi considerado como autor galego, sendo mesmo “acusado” de utilizar uma língua que no momento distava muito de responder ao standard identitário pretendido para o castelhano... e sendo, por isto mesmo, rejeitado e anulado para o cânone da literatura espanhola em vigor na altura... (muito especialmente na sua faceta como poeta). Gosto de lembrar, neste sentido, uma frase de Terry Eagleton a respeito dos escritores irlandeses de inícios do século XX. Valle-Inclán, ao igual que eles, é um autor “preso entre diversos códigos culturais”. Devemos desvendar então quais são esses códigos, para fazermos uma leitura rigorosa do significado de Valle-Inclán para ambos os sistemas literários nas três primeiras décadas do século XX, mas também hoje em dia. Neste sentido, entendo que a documentação achegada neste livro, contribui para conhecer melhor este Valle-Inclán. E, por isso mesmo, não podo menos que agradecer o interesse da Através pola sua aposta decidida por um trabalho das características deste.

Como foi a receção na Galiza e em Portugal destas novidades quanto aos interesses e relacionamentos lusófilos de Valle-Inclán?

A verdade, quase não tenho feedback sobre este assunto. Sei que em Portugal há manifesto interesse por realizar uma distribuição extensa do livro, aproveitando uma frutífera linha de estudos académicos em torno dos relacionamentos ibéricos nesse período histórico. E, nesse aspeto, estamos a ter um bom acolhimento. Na Galiza, confio em que o livro suscite curiosidade, e também que seja visto como uma possibilidade para se aproximar de uma faceta de Valle-Inclán na atualidade não atendida.

Para onde diriges agora as tuas investigações?

Continuo em Portugal. Neste caso, ampliando o ângulo de visão, e focando o relacionamento galego-português e hispano-luso entre elites intelectuais, e mais especificamente no referido aos campos literário e mediático. A imprensa é uma fonte de informação importantíssima que constitui por volta de 80% do material com que trabalha o GIVIUS (Grupo de Investigación Valle-Inclán da USC); e, neste caso, constitui-se como um elemento primordial para a reconstrução dos discursos e imagens, por exemplo, sobre a cultura galega em Portugal. Nestes sentido, conto já com um corpus muito significativo sobre os vínculos que desde as cidades de Vigo ou Compostela se estabelecem com o Porto a nível cultural e académico nos anos vinte, por exemplo. E aguardo, em consequência, poder oferecer resultados em breve, que confio acheguem também novas perspetivas de abordagem.

 

 


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