Provavelmente mandem a minha companheira para outra parte. Pergunto-me quem fará o seu trabalho. Talvez em realidade não seja importante o que faz e deixe de se fazer.
A cousa pública vai mais uma vez pela posta, à carreira. E cada vez é mais atacunhante a burocracia e a justificação plasmada em relatórios e estatísticas que exigem. O autoritarismo em formas e modos é também crescente. Mais, segundo sobes nas linhas de mando. Também aumenta o consumo em gasto no telefone.
A isto junta-se a descoordenação, a ausência de planificação, a obsessão pelos gastos de patacão e a mania de fazer austeridade e oração como quem faz jejum na Quaresma. Mas a ineficácia mais encarece. Não há orçamento, como não vai havendo nos hospitais, nas escolas públicas nas que cada vez mais assoma o verde.
Acho que desde o acidente de Angrois, ando com a presente sensação do efémero. Sete meses seguidos apanhando esse comboio duas vezes por semana. Um nesse trajeto e horário de atraso recuperável. Mas não esse dia. Fiquei com a ideia de ter muito jogado roleta russa. Mas foi apenas que alguém decidiu que não havia que fazer mais gasto.
- Não há orçamento para o scâner – comunicam-me outra vez, por explicar, nervosos. – Como não sou de reis, vou ter de pedir o Apalpador – respondo eu, mais uma vez, por ir consolidando a golpe de fria retranca a terrível figura pangalaica. E peço, sorrindo, um pouco amargo, um lápis e uns quantos envelopes. – Ainda bem que não é algum dispositivo ERTMS que preciso…
Ernesto V. Souza (Corunha, 1970). Formado como filólogo, especializou-se e publicou algum trabalho sobre história, contexto político e cultural do livro galego das primeiras décadas do século XX. Em 2005 começou a colaborar com o PGL e a vincular-se ao reintegracionismo. Colabora também no Novas da Galiza, é sócio da Associaçom Galega da Língua e membro da Academia Galega da Língua Portuguesa. Trabalha, como bibliotecário na Universidade de Valhadolid (Espanha).