1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 (2 Votos)

230212_ddhh1América Latina - Diário Liberdade - Estivemos na Catalunha, na Jornada sobre Criminalização de Defensores/as dos Direitos Humanos, e falamos com ativistas do México, Colômbia e Guatemala.


Em Novembro de 2011 decorreu em Barcelona, organizada pelas Brigades Internacionals de Pau de Catalunya (Brigadas Internacionais de Paz da Catalunha, BPIC), a Jornada sobre Criminalização de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos. O correspondente do Diário Liberdade nos Países Catalães e Samanta Fernández, colaboradora deste meio galegófono, desenvolveram uma mesa redonda com as e o ativistas que, do México, a Colômbia e a Guatemala, participaram no evento.

Segundo as BPIC, nos últimos anos, centenas de ativistas viram afetada a sua vida e o seu trabalho por causa repressão que é hoje, nas palavras da Relatora das Nações Unidas pela Situação dos Defensores dos Direitos Humanos, "um fator especialmente limitante e restritivo na hora de desenvolver o trabalho em defesa dos direitos humanos, e que comporta um ambiente de vida e trabalho inseguro". Ainda segundo essa fonte, "os estados utilizam cada vez mais essa técnica 'legal' para silenciar o protesto social, no nome da segurança nacional e a ordem pública".

As pessoas participantes na mesa redonda para o Diário Liberdade foram a colombiana Ingrid Vergara (do Capítulo Sucre do Movimiento Nacional de Víctimas de Crímenes de Estado, MOVICE), Blanca Velázquez (Centro de Apoyo al Trabajador, CAT, no México, ) e Jorge Velázquez, quem faz parte da Unión Verapacense de Organizaciones Campesinas (UVOC), Guatemala. Uma resenha sobre estas organizações pode se consultar no final deste artigo.

Diário Liberdade (DL) - Antes de mais, gostaríamos de ter uma explicação sobre a vossa atividade e a repressão sofrida como consequência dela.

Ingrid Vergara (IV) - Eu venho da Colômbia e sou porta-voz do Movimento Nacional de Vítimas de Crimes de Estado (MOVICE), Capítulo Sucre (uma das regiões da Colômbia). Estou na Europa para visibilizar a problemática dos defensores e defensoras dos Direitos Humanos no país e em apoio ao trabalho das BPI, que som um dos nossos acompanhantes lá.

Na Europa temos tocado muitos temas e estado em diálogo com comunidades que apoiam e financiam o trabalho das BPI, com grande incidência política. Também tivemos relacionamento institucional, como em Bruxelas, onde estivemos em contato com o Parlamento Europeu para visibilizar um tema específico como o das mulheres no conflito, e que num país como a Colômbia existe uma falha de garantias para o exercício da defesa dos Direitos Humanos.

Em Barcelona, em concreto, a campanha foi pela criminalização das defensoras e defensores dos Direitos Humanos. Na Colômbia vivemos por mais de 50 anos um conflito com uma crise humanitária impressionante, com cinco milhões de pessoas em deslocamento forçado (80% mulheres e crianças), e com um conflito armado que deixou cerca de 700,000 vítimas em 20 anos e umas 23,000 pessoas desaparecidas à força. E isso tudo com uma política dita de "segurança nacional" e implantada desde os EUA para a América na qual se gera uma estigmatização da oposição.

Assim, na Colômbia a oposição tem sofrido por 50 anos processos de estigmatização e de extermínio. Não apenas partidos políticos, mas também sindicatos: conforme a Organização Mundial do Trabalho (OIT) a atividade dos e das sindicalistas é a mais perigosa no Mundo (de todas as vítimas dos assassinatos dirigidos a defensores de Direitos Humanos, políticos e sociais, 68% são sindicalistas).

Isso tudo evidencia que o Estado colombiano tem seguido uma política de criminalização com comissão de crimes de estado. Nós, como membros do movimento de vítimas, decidimos constituir-nos em 2005 no âmbito da aprovação da chamada Lei de Justiça e Paz , que nós chamamos de Impunidade por não reconhecer as vítimas dos crimes de Estado. É uma lei que se aprovou apenas para a desmobilização dos grupos paramilitares, e à que depois se incorporou um decreto regulamentário que recolhia a possibilidade de alguns membros da Guerrilha também participassem nesse processo.

Nesses cinco anos, iniciámos um trabalho sobre os crimes do Estado colombiano. Documentámos e visibilizámos as estratégias que o Estado tem utilizado para judicializar e desacreditar o trabalho da oposição e defensores dos Direitos Humanos. Muitas vezes através dos mecanismos de impunidade que o Estado tem criado para que a justiça não seja aplicada.

A nossa organização foi submetida nesse tempo a uma vitimização, além de que já fomos vitimados noutros processos: o estado criminalizou primeiro com os assinalamentos do anterior governo Uribe, quando permanentemente dizia que o MOVICE éramos "terroristas" e que o nosso porta-voz, Iván Cepeda, fazia apologia do terrorismo e era parte da estrutura guerrilheira das FARC na região.

Isso gerou muitas situações complexas para nós. No caso do Capítulo Sucre, de 2005 até à atualidade tivemos 104 agressões, que vão do assassinato de dois companheiros à judicialização de uma pessoa presa durante três anos, mas que logo não foi condenada, ou o caso de outro companheiro que liderou processos muito importantes na região para a procura da verdade, a justiça e a reparação, também processado.

No meu caso, como Secretaria Técnica e como Vozeira com um papel público na organização, sou a pessoa que mais ameaças sofreu. Elas começaram por mim própria, mas depois elargaram-se ao meu marido e filhos. A minha filha, desde os doze anos, recebe ameaças de morte de homens que entram na escola e também por telefone. É seguida por pessoas que vão à escola em que ela estuda, a sua conta de facebook foi hackeada e penduraram imagens das FARC...

Diante disso, exigimos ao governo que cumpra os acordos internacionais e protocolos assinados em matéria de direitos humanos. Este governo, apesar de ter utilizado a diplomacia para tentar se diferenciar do anterior no plano internacional, é um governo que não tem apresentado uma proposta nem uma agenda de paz. Desenhou a política de guerra do anterior governo, com Santos como Ministro de Defesa; papel no que foi questionado pelos mal chamados "falsos positivos" em execuções extra-judiciais: pediam aos soldados resultados na luta contra insurgentes para que os EUA destinaram mais recursos económicos a essa guerra. Muitas pessoas, sobretudo jovens com escassos recursos económicos, foram assassinadas por isso.

DL - A política no governo Santos é continuísta, então, da estratégia de Uribe.

IV - Neste governo temos sofrido situações mesmo mais terríveis do que no governo anterior. Enquanto Uribe criou o espaço de opinião, dizendo à cidadania que somos terroristas e mais coisas, Santos começou a aplicar já processos de judicialização.

230212_ddhh2Há casos históricos nos que Estado colombiano foi condenado na Corte Interamericana por crimens de estado por vários massacres, por omissão e por ação das forças militares (massacre de Chengue, massacre do Palácio de Justiça, massacre de El Salado...).

Hoje, enquanto isso sucede, o Governo colombiano está re-avaliando as sentenças. Tem uma muito boa Chanceler, Holguín, que faz parte da classe política da região Caribe, e que tem dito publicamente que o Governo colombiano vai começar a revisar muitas das sentenças emitidas pela Corte e muitas cautelares aplicadas a organizações colombianas. Isso é um novo processo, dado que daí vai se continuar a qualidade de vítima (se se é o não se é mais), se as vítimas devem ter qualquer "cartão" de vítima -que seria do mais horrível-, haverá pressão sobre vítimas no exílio, fazendo processos para elas serem deportadas.

Além disso, as vítimas não temos corpos de pesquisa. É o Estado que tem que investigar. Quando um caso é levado à Corte de Justiça Internacional Interamericana é porque a justiça nacional foi esgotada. E se a nível internacional se dá sentença é porque o Estado apresenta provas falsas, sendo assim o maior comprometido nisto. Quem dá uma certidão de óbito não é uma organização social, é o Instituto de Medicina Legal, do Estado; quem da uma certidão de um processo judicial não somos nós, é a promotoria.

Com isso tudo eles estão criando um impacte mediático de forma a converter as vítimas em verdugos e gerar falha de credibilidade nos processos que acompanhamos.

Nós temos preocupação porque uma das cartas de apresentação que tem este Governo é a famosa Lei de Vítimas e Lei de Terras e que teve a visita do Secretario Geral das Nações Unidas. Nós já demandamos a Lei por várias razões. Uma delas é que atenta contra o bloco de constitucionalidade e contra os acordos assinados pela Colômbia no nível internacionalidade. Como a ONU vêm aqui assinar uma Lei quando ela vai contra a constituição, quando é contra as vítimas, quando não reconhece as comunidades afro e indígenas, que têm um acordo especial om a OIT?! E além do mais quando na Colômbia o nível de impunidade é elevadíssimo, com 95% dos casos apresentados não têm resultado e onde não há garantias para as vítimas denunciarem... Há uma situação complexa para as vítimas acederem à justiça e a reparação.

A lei pode estar muito bem elaborada, mas não há intenção política para a aplicar. Além do mais, porque muita da terra que foi roubada a tem hoje o poder económico na Colômbia, as multinacionais e as empresas privadas. O Estado não vai expropriar essas terras.

Nesse âmbito tão complexo, nós estamos criando uma incidência e gerando espaços de diálogo a nível internacional, porque uma das possibilidades que ainda temos as vítimas e a mobilização para gerar processos de mudanças profundas na Colômbia. Se a situação na Colômbia e a "democracia genocida" alicerçada sobre crimes contra a humanidade não mudarem é muito difícil chegar a uma transformação e a ter garantias para nós podermos permanecer no nosso país.

DL - Se acharem bem, continuamos com as apresentações:

Jorge L. Morales (JM) - No meu caso pertenço à União Verapacense de Organizações Campesinas (UVOC), da Guatemala. O tema principal que enfrentamos é o dos conflitos da terra. Num território tão pequeno como Guatemala, com apenas de e108,889 km^2 e uma população de cerca de 15,000,000, há 51% de indígenas e aproximadamente a metade da população vive do agro.

O problema da terra na Guatemala é a sua concentração em apenas umas poucas mãos, umas poucas famílias proprietárias de quase todo o território. As populações indígenas têm sido confinadas em áreas menos produtivas.


É muito novo o tema da usurpação agravada, os despejos violentos e essa maneira de criminalizar as lutas e os protestos das populações através de montagens judiciais. São processos de variada tipologia: pode haver processamentos por roubo agravado, por apropriação ilegal por "retenção" , etc. ... Essa forma de criminalização assegura os dirigentes entre 6 e 8 anos de prisão. Antes de chegar a isso, há uma criminalização desde toda a média, começando por uma equipe ao serviço da classe empresarial no poder económico-político.

A UVOC está preocupada por esta situação, dado que a população está muito empobrecida, com desnutrição e analfabetismo, ao que agora se soma o não poderem contar com um pedaço de terra para cultivar seus produtos básicos como o milho, feijão, etc. ... Está-se num processo de deterioração da saúde da população indígena, de aumento do desemprego... Assim, quem não encontra um emprego tem que subempregar-se e trabalhar indignamente, já que mesmo as liberdades que antes havia para a emigração de guatemaltecos para os EUA acabaram-se e agora são capturados e impedidos de entrar naquele país.

Preocupa-nos, portanto, esta situação e preocupa-nos que as instituições governamentais da Guatemala não atendam esta urgente problemática. O Fundo de Terras de Guatemala está francamente descapitalizado para cumprir a sua função, sendo uma das instituições criadas com a subscrição dos acordos de paz que acabaram com uma guerra de mais de 36 e mais de 200,000 vítimas.

Após a assinatura desses acordos de paz, não temos visto mais progresso.

DL - Não continua havendo, de fato e apesar dos acordos de paz, atuação de grupos paramilitares no território de Guatemala?

JM - Sim, há forças paralelas que operam em setores específicos do país. É muito habitual ver essa classe de ameaças para a população indígena. 14 comunidades foram desalojadas, com pessoas que ficaram na berma e passando penas. Às vezes, estas pessoas conseguem refazer as suas construções e elas sofrem de novo repressão, chegando a ser disparados e as suas vivendas destruídas. E não são polícias civis ou o exército, mas sim esses grupos que, como bem sabemos, são controladas por gente poderosa.

O risco é que, se não há voz para canalizar as justas demandas da população através dos dirigentes, como vão sobreviver as pessoas sem casa, sem terra, sem nada?

DL - Falas de falta de ação das instituições do Estado. Faz relativamente pouco tempo, vem de produzir-se uma mudança no governo da Guatemala, com a chegada de Otto Molina ao poder. O que achas dessa circunstância?

JM - As organizações estão preocupadas e vemos um retrocesso. Achávamos que a etapa dos militares já estava ultrapassada, e agora novamente temos um militar como Presidente eleito da República. E especialmente tendo em conta os antecedentes do papel desempenhado por esta personagem durante a guerra.

Não teríamos querido isso, mas lamentavelmente dentro da democracia ocidental quem opta a participar na política é a que efetivamente tem o poder económicos, dado que participar em processos eleitorais é enormemente custoso. As pessoas que realmente são úteis para construir o país, não podem concorrer porque não têm condições, e estabelece-se então um mercado para o poder económico decidir. É dizem a isso democracia, embora se saiba que é um negócio, e apesar de que cada pessoa que tem um lugar no congresso negocie e obtenham as cadeiras aqueles que mais invistem e de que isso acabe sendo apenas um foco de corrupção.

O povo guatemalteco, quando participa em eleições, às vezes se expressa de maneiras muito "populistas", porque sabem que sob essa forma na que é apresentado o direito de participação, nada muda.

DL - E a última apresentação:

Blanca Velázquez (BV) - No meu caso venho do Centro de Apoio ao Trabalhador (CAT), no Estado de Puebla, México, no que educamos trabalhadores e trabalhadoras nos seus Direitos Humanos-Laborais . Faz mais de dez anos que promovemos a vigência destes direitos. Temos encontrados muitos obstáculos. Temos a questão da liberdade de associação sindical para as e os trabalhadores, a discriminação específica contra as mulheres, o problema do alto nível desemprego, e isso tudo unido ao alto nível de pobreza na região e à insegurança. Estamos extremadamente preocupados como cidadãos e cidadãs, porque não têm havido as políticas justas que necessita o país, nas que todos e todas estejamos incluídos.

Isso de ser "um governo de emprego" agora vemos que era só para a campanha. É de desemprego. É um governo de crime, que obstrui, que violenta os direitos de cidadãos e cidadãs ao que só interessa pôr dinheiro nas mãos de corpos militares e policiais, e esquecer a questão da saúde, da educação, da terra e do direito a uma vida digna.

Especificamente, estamos em Barcelona com as Brigadas de Paz, às que nos achegamos procurando abrigo com organizações internacionais. A solidariedade é muito importante para denunciar os fatos que sofrem muitos homens e mulheres, e para isso vimos. Para denunciar, para aprender e também para incidir no nível internacional e que conheçam o que está acontecendo nos nossos países. Que conheçam toda a criminalização que há contra aquelas pessoas que levantam a voz: uma mulher ou um homem indigena, uma lesbiana, um gay... se levantarem a voz, são duramente reprimidos.

Nós, visibilizando essa situação, temos sido objetivo de ameaças e assinalamentos. Nós estamos ameaçados pelo governo, pelos empresários e por sindicatos amarelos, e ficamos completamente indefensos quando somos classificados irresponsavelmente como criminais, como desestabilizadores e como obstaculizadores. Da nossa organização, dizem que é um perigo para a nação e para o estado de Puebla. Nós vemos que o perigo são eles, porque eles sim obstaculizam, assassinam e silenciam.

Poderia falar ainda do governo, mas é muito semelhante ao que já disseram os companheiros da Guatemala e a Colômbia. E se a isso acrescentamos o tema do narcotráfico, com todas essas mortes, o assunto é especialmente preocupante. E é mais ainda quando são invisibilizados direitos específicos das crianças, e das mulheres.

230212_ddhh3O objetivo aqui é dar a conhecer e continuar crescendo globalmente em questão de Direitos Humanos. E por isso, continuamos trabalhando com esperança para continuar denunciando apesar dos obstáculos do governo, as empresas e o capital. Eles querem calar vozes, mas nós consideramos que na medida em que continuarmos agindo com outros grupos a nível local, nacional e internacional, haverá uma fronte que faça o caminho "mais fácil", se podemos dizer assim.

Os e as defensoras de Direitos Humanos vemos os resultados no momento no que denunciamos, quando uma mulher se apodera dos seus direitos, quando um homem faz frente ao seu patrão e consegue a sua parcela. E isso é um prémio a todos os esforços.

DL – Então esta visita à Europa tem a intenção de visibilizar essa situação de injustiça.

IV - Também vimos atuando e definido coisas mais concretas, nomeadamente no âmbito dos acordos comerciais.

Uma das questões nas que estamos pressionando especificamente na Europa, e comentamos isso no Parlamento, é que nos acordos comerciais seja incluído um capítulo no que diz a respeito dos Direitos Humanos. Deveria haver uma avaliação específica sobre os compromissos do Estado com o cumprimento dos Direitos Humanos.

No caso colombiano, por exemplo, poderia verificar-se o grau de compromisso do governo com a diminuição dos deslocamentos forçados, que nos últimos anos, têm incrementado enormemente, especialmente nas zonas com maior presença do Estado. Poderia avaliar-se como funciona a justiça, nos assuntos relacionados com os Direitos Humanos, ou ainda a questão das garantias do acesso à terra. Esse controle deveria constituir um elemento essencial no caso dos Acordos de Cooperação, e assim o propusemos aos EUA e o estamos fazendo no caso da União Europeia.

Estamos, ainda, desenvolvendo propostas específicas para as mulheres, que somos as supervivintes do conflito. A maioria das pessoas assassinadas neste conflito foram homens, e as mulheres vimos enfrentando uma série de situações em completa desigualdade. Isso é assim, primeiro, por razões históricas relacionadas com os níveis de pobreza, de educação, etc. ... e segundo porque não se elaboraram políticas com persepetiva de género, apesar de todos os tratados relacionados com os Direitos Humanos que a Colómbia tem assinado.

Nestes acordos comerciais, estamos propondo que o tema das mulheres, e o das comunidades afro e negras, entre outras comunidades especiais, sejam tomados em conta, dado que hoje são desconsiderados.

Os acordos comerciais obedecem interesses económicos. Estamos tentando que os interesses económicos não estejam acima da dignidade humana. O bem-estar deve ser para todos e todas, nom para alguns sim e para outros não. É algo no que o conjunto das organizações de Direitos Humanos na Colómbia temos agido.

DL - Ingrid, fizeste referência anteriormente ao movimento guerrilheiro colombiano. Ultimamente, o Estado colombiano tem anunciado o final das FARC, nomeadamente com fatos como a morte de Alfonso Cano. O que achas disso?

IV - Do Movimento de Vítimas de Crimes do Estado Colombiano achamos que o conflito armado deve negociar-se. E não é um conflito armado em exclusivo, mas sim o resultado de outro conflito histórico na Colômbia, com a terra em disputa como um eixo principal. A terra e o território com todo o que isso envolve: a gente, o desenvolvimento, a cultura, meio ambiente... Na Colômbia não se realizou uma política de desenvolvimento rural, e é um dos países da América Latina com maior desigualdade.

Isso dá em um complexo conflito social, económico e político, que não se negociou. Os processos de paz só se negociaram com o ator armado, sem incluir a sociedade civil, as vítimas e o conjunto da sociedade. A paz na Colômbia nunca foi uma agenda do estado, mas sim uma agenda política de governo que serve para pôr ou tirar presidentes. Pastrana saiu com um grande número de votos porque iniciou os diálogos de paz, mas foi um processo apenas entre eles e o grupo armado. O governo não teve em conta a população.

Então, fica claro que o ter assassinado o Cano, que foi um dos que apresentaram propostas de negociação -mesmo no começo deste ano enviou uma carta para tentar negociar, sem que ela fosse respondida pelo governo-, não vai acabar com o conflito na Colômbia. Assassinaram uma grande quantidade de pessoas das FARC e o conflito continua. Nas últimas declarações que eu escutei das FARC eles já disseram que não vão negociar, que vão fazer uma guerra aberta. A única possibilidade de negociação que havia era Cano, e diante da sua proposta de negociação o que o Estado fez foi dar-lhe uma proposta de chumbo e balas.

O tema da guerra é um negocio que interessa ao governo colombiano. Quem apresentou propostas de paz, como por exemplo Piedad Córdoba, foi mesmo estigmatizada e criminalizada, e sofreram persecução ela e a sua família.

Nós consideramos que não é a morte de um guerrilheiro a que termina com o conflito na Colômbia. Amanhã poderiam se desmobilizar as FARC e o conflito continuaria porque não há distribuição igualitária da terra, porque temos subdesenvolvimento rural -conforme o estudo de Machado sobre desenvolvimento humano, estamos no século XVII-, etc. ...

DL - Na Guatemala considera-se também o rearmamento da guerrilha uma possibilidade aberta, dado que apesar dos acordos de paz de 1996, os grupos armados paramilitares e do governo não cessaram na violência. Em áreas como Verapaz a situação é mesmo desesperada, com mortes a cada dia e desproteção dos camponeses desde que a guerrilha não existe, não é?

JM - A organização UVOC sempre entendeu que se deve apostar na paz. O fluxo de mortos, viúvas, órfãos, deslocados, desaparecidos... constituem uma história escura na Guatemala que ninguém quer viver de novo. O que se apresenta é um repto para aproveitar o que se chama "democracia" e a legislação, e apostar na reconstrução do país aproveitando as normativas.

Necessitamos urgentemente legislação sobre desenvolvimento urbano e rural, por exemplo. O período 1944-1954, com a vigência do Decreto 900 de Reforma Agrária, foi esperançador para o campesinato guatemalteco. Mas depois chegou a contrarrevolução. Depois apareceram as cooperativas, mas elas foram dirigidas na mesma pelas pessoas no poder económico. Atualmente, no Congresso da República aprovou-se o que constitui a política dessa legislação mas agora há que desenvolver a lei.

Claro, diante da crise que o país está a viver, não podemos prever como o povo da Guatemala pode agir. Está a viver-se um momento de desesperação, e se isso fosse para pior...

DL – Antes falaram de inclusão de alíneas específicas sobre Direitos Humanos nos acordos comerciais com a Europa, de legislação específica para a mulher...

Numa entrevista com uma ativista feminista da Bolívia, Julieta Paredes, ela nos dizia que o modelo do feminismo europeu não podia ser importado para a América Latina.

Não acham que os governantes que agora padecem -Santos, Calderón, Molina...-, entre muitas outras coisas, são precisamente derivados da continuidade dentro de esquemas da "democracia" ocidental capitalista, como possa ser o tema da inclusão de capítulos em acordos comerciais?

IV - As mulheres somos vítimas de um sistema de desenvolvimento que descrimina a mulher, imposto pela Igreja e por Ocidente etc. ... Na América Latina temos mulheres que desenvolveram processos muito importantes na época da invasão ocidental.

230212_ddhh4É muito importante que na América Latina sejamos muito independentes em toda a questão da autodeterminação das mulheres. Eu não sou feminista, embora vejo com simpatia o feminismo, porque tenho claro que isto é uma questão de luta de classes, e quer homens quer mulheres somos exploradas.

DL – Falei do feminismo como exemplo de um movimento que, segundo ativistas latino-americanos, poderia fracassar se seguir o modelo importado da Europa.

IV - Pois... Temos claro que é imprescindível construirmos a nossa autonomia e dentro dessa autonomia criar o nosso futuro. Mas infelizmente, temos que fazer "turnês" como esta porque a nossa autonomia depende muito do que na Europa e nos EUA aconteça. E o nosso papel como vítimas, não quer ser o de debatermos com o poder económico, mas sim o de falarmos com esses outros povos para que se solidarizem conosco e controlem para onde vão os seus impostos. Nos EUA conseguimos, no tempo de Uribe, bloquear o Tratado de Livre Comércio (TLC) graças ao trabalho de incidência feito com o povo.

BV - Apoiando o que disse a companheira Ingrid, e reincidindo no tema da mulher: Claro que o caminho para criar políticas mais justas e uma igualdade entre homens e mulheres será muito difícil. Mas as mulheres temos de estar à frente da luta. Temos claro que essa luta tem que ser também com os homens, porque uma situação não a mudam as mulheres, os homens ou os jovens sozinhos.

Temos que acabar com séculos de imposição e cercados criados pelos homens. As leis ou a guerra feita pelos homens... E não vamos pedir permissão. Vamos arrebatar, mas não com exclusão e sim com inclusão, para assim conseguirmos espaços próprios.

No caso, o trabalho que desenvolvemos não vem apenas de uma ideologia e sim somos lançadas "pela força", quando uma observa pobreza e submetimento, e não quer que os que venham depois tenham este mundo. Vamos construir um mundo melhor com a incidência, a discussão de melhoras para trabalhadores e trabalhadoras e o acesso à terra pelas mulheres. Lutamos também pelo direito ao nosso corpo e às sexualidade. Temos que continuar avançando e incluindo os homens neste debate.

JM - Na Guatemala têm-se aberto novos espaços institucionais para a mulher nos últimos tempos, e vemos isso como uma coisa positiva. Mas é nas populações indígenas onde a mulher continua submetida. Apesar de termos feito avanços reconhece-se que há ainda muito que melhorar.

DL - Falou-se muito da situação das mulheres na luta pelos Direitos Humanos na América Latina. Como ativistas, não acham que uma parte dos movimentos revolucionários e de esquerda carecem dessa sensibilidade sobre a libertação feminina?

IV - Eu venho do Partido Comunista e posso te responder: sim. Não se têm feito grandes avanços e, de fato, é muito difícil avançar. Não apenas no discurso, porque ele pode mudar, mas é muito diferente o que se diz do que se faz.

E não apenas em questões de género, mas também, por exemplo, na vida familiar ou no conceito que determinadas pessoas têm de Comunismo de portas para dentro e de portas para fora.

JM - Aí tem muito a ver o passado e a cultura de cada um dos povos, ainda que, apesar das diferenças entre cada um dos povos indígenas, destaca a figura do machismo. São cercados que devem ser derrubados.

Brigadas Internacionais de Paz

As Brigadas Internacionais de Paz são uma organização internacional que trabalha na proteção do espaço de trabalho das pessoas defensoras de direitos humanos em países como o México, Colômbia, Guatemala e Nepal, com o objetivo de que possam exercer o seu trabalho pela justiça social e a resolução não violenta dos conflitos existentes, sem sofrer ameaças nem medo. As BPI fizeram 30 anos em 2011, e a palestra que estes e estas defensoras dos direitos humanos mantiveram na capital catalã, fez parte dos atos pelo aniversário da organização.


Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Microdoaçom de 3 euro:

Doaçom de valor livre:

Última hora

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: info [arroba] diarioliberdade.org | Telf: (+34) 717714759

Desenhado por Eledian Technology

Aviso

Bem-vind@ ao Diário Liberdade!

Para poder votar os comentários, é necessário ter registro próprio no Diário Liberdade ou logar-se.

Clique em uma das opções abaixo.