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waiririBrasil - Boletim da UFMG - Os jornalistas dos grandes jornais e das emissoras de televisão no país não estavam presentes no momento em que, possivelmente, os índios cintas-largas mataram 29 garimpeiros que invadiram sua terra. Portanto, pouco sabem do que antecedeu e do que sucedeu ao evento: Quando o conflito teria começado? Os praticantes do crime teriam sido somente os índios? De quem obtiveram as armas? O que os teria levado a esta atitude extrema, já que os índios só atacam os brancos depois de exauridas todas as tentativas de fuga da violência e das atrocidades contra eles praticadas? Artigo de Ruben Caixeta de Queiroz, professor de Antropologia na Universidade Federal de Minas Gerais.


Em geral, a mitologia indígena tratou os brancos como seres bem-vindos e esperados, mas, depois dos massacres por eles cometidos, foram comparados aos piores monstros canibais. Aqueles jornalistas também não leram o que os etnólogos escreveram sobre essa mitologia e sequer leram o que a própria história dos brancos publicou a esse respeito.

Vejamos apenas dois casos. Em meados dos anos 70, construía-se a BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR), e no meio do caminho havia aldeias de índios waimiri-atroari. Um ex-funcionário da Funai contou-nos que os índios apareciam e eram recebidos com rajadas de metralhadoras. Os militares matavam e jogavam terra por cima dos corpos. Em seu livro Massacre, o padre Silvano Sabatini relata as atrocidades sofridas pelos índios: doenças, assassinatos, cercas elétricas armadas no meio da mata para eletrocutar os índios que se aproximassem dos acampamentos militares.

No final da década de 60 _ fato documentado no relatório de uma comissão de inquérito _ descobriu-se que fazendeiros, com a ajuda de funcionários do governo, distribuíam, entre os índios, alimentos envenenados com arsênico. Em várias aldeias, aviões lançavam brinquedos contaminados com vírus de gripe, sarampo e varíola. Os mesmos cintas-largas tão visados pela imprensa de hoje foram vítimas do "Massacre do Paralelo 11", sobre o qual um dos participantes da chacina, Ataíde Pereira dos Santos, revelou: "depois de emboscar e abater os índios com rifles e metralhadoras, vi uma índia em pé e, chorando, uma criança de cinco anos segurava sua mão. Tentei protegê-la e disse a Chico Luiz, o chefe dos pistoleiros: Não faça mais judiação, os cintas-largas vão querer vingança, e os padres não vão gostar. A gente pode ficar com a mulher. Ela é nova e bonita. Se você não quiser, a gente pode levá-la para o Amorim (chefe de um outro grupo de extermínio que gostava de estuprar índias)". Mas Chico Luiz retrucou: "Quem quiser mulher que venha pegar no mato". Caminhou então em direção à índia e atirou na testa da criança, pegou a mulher, arrastou-a e amarrou-a, pendurada de cabeça para baixo, numa árvore. Foi quase só um golpe de facão para cortá-la no meio". Ataíde justificou: "Os cintas-largas estão sentados em cima de grandes jazidas de cassiterita, a terra deles dá boa plantação e tem mogno. Eles escolhem a melhor porção de terra e não querem sair dela de forma alguma. É preciso usar a força".

Parte da imprensa nacional e dos políticos do país não mais se lembra ou se recusa a lembrar destas histórias dos waimiri-atroari e dos cintas-largas. Mas por que os jornalistas se sentem livres para inventariar fatos sobre o assassinato de 29 garimpeiros na área dos cintas-largas, se eles não estavam lá presentes e nada sabem sobre a história da relação destes índios com os brancos? Tanta ignorância e "esquecimento" têm suas próprias razões e justificativas. Primeiro, o índio é apresentado como um bom selvagem, integrado à natureza, e que não se envolve com os brancos que invadem suas terras. Segundo, o índio é um ser violento e atrasado e deve ser amansado, dizimado, integrado à nação, e sua terra deve ceder lugar ao progresso.

Estas duas faces podem andar juntas na produção da informação e a serviço de interesses muito particulares: primeiro, constrói-se a figura do índio genérico, bom ou mau, pouco importa; depois afirma e mostra de forma límpida: "o índio hoje anda de carro chique, tipo Toyota Hilux", ou, "índio no país é sinônimo de preguiça, ócio e obesidade". A primeira frase acima, ouvi-a de um sociólogo, professor universitário; a segunda, publicada no jornal Folha de S. Paulo (edição de 29 de abril), foi atribuída ao deputado Alberto Fraga, do PTB _ mas poderia ter sido dita por tantos outros deputados.

Por um lado, tais discursos desconhecem a diversidade indígena no país, pois, se há índios gordos, há também aqueles que se encontram muito abaixo da linha de pobreza, vivendo nas grandes cidades, ou na beira das estradas, depois de terem suas terras usurpadas. Por outro lado, demonstram o eterno preconceito da sociedade brasileira, segundo o qual índio só é índio se usar arco e flecha, andar nu. E, ainda assim, se não ocupar uma floresta que esconda uma mina de diamante ou de mogno. Só os brancos podem ter acesso às pedras preciosas, pouco importa se elas foram contrabandeadas ou não das terras indígenas, se são lapidadas em Israel ou vendidas nas lojas da H.Stern de Paris ou de Ipanema; só os brancos podem andar de Hilux ou de avião, só eles podem ser gordos, usar pérolas no pescoço e dar aulas de sociologia.

Mas não se trata só de preconceito. Isso é querer reservar o mundo, as proteínas, os bens e as riquezas para os colonizadores. E ainda desejam que os índios permaneçam passivos, esperando a chegada dos invasores para levar o ouro! Se pudessem, eles fugiriam _ como sempre fizeram _ para uma floresta mais distante. O problema é que o cerco às suas terras e aos seus recursos está-se fechando, e eles não têm mais para onde ir. Ou resistem ou se integram aos brancos pelo lado mais pobre, da miséria dos camponeses sem terra e dos desempregados da cidade, ou pelo lado mais opulento dos contrabandistas de pedras preciosas. Todos já sabem: poucos são os índios que conseguem ingressar no lado mais "puro" da sociedade ocidental, no que lhe resta de digno na política, na universidade e na justiça.

Ruben Caixeta de Queiroz é antropólogo e professor da Fafich-UFMG


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