"Uma em cada três mulheres no planeta vai ser estuprada, violentada ou espancada em sua vida. Um bilhão de mulheres violadas é uma atrocidade. Um Bilhão de Mulheres dançando é uma revolução." Assim estava no convite que pretendia a manifestação coletiva de "UM BILHÃO de mulheres e todos (as) aqueles (as) que as amam para sair, dançar, levantar-se e EXIGIR o fim dessa violência".
Elas queriam que no dia 14 de fevereiro de 2013 – data em que se comemora o Dia dos namorados em vários países – um bilhão de pessoas se manifestassem ao redor do mundo contra a violência que atinge mulheres e crianças em todas as culturas deste planeta. Acho que não atingiram o número desejado, mas só os vídeos postados na internet mostram que milhares e milhares de pessoas foram levadas a refletir sobre os chocantes dados mundiais em relação ao feminicídio e à violência de gênero. "Um bilhão que se ergue" foi ação proposta pela dramaturga e ativista Eve Ensler, autora da famosa peça "Monólogos da Vagina" (The Vagina Monologues). Sua ideia é realizar, por meio de manifestações de dança, uma campanha global para acabar com a violência contra mulheres e meninas.
"Vamos parar com a violência exercida contra as mulheres!",
escreveu Eve Ensler em artigo publicado no Le Monde, dia 14. A escritora diz que a "campanha se alimenta do desejo universal de dançar pela liberdade". Cita diversos tipos de violência cometidos contra a mulher em qualquer lugar do mundo, desde o assédio até a mutilação genital feminina, passando pelo feticídio por ser menina, estupros coletivos, escravidão e tráfico sexual. Eve diz ainda ver uma "relação direta entre a forma com que é tratado o corpo feminino e a Terra", tão maltratada quanto. "Impossível isolar os atos de violência exercidos contra as mulheres de outras formas de violência a que são submetidas", cita Eve, " injustiça económica, escravidão, desemprego, falta de respeito e desvalorização das tarefas exercidas pela maioria delas, imperialismo, militarização, comercialização e venda do corpo feminino".
Parir e nascer sem violência
A primeira edição no Brasil aconteceu neste sábado, dia 16, dois dias depois da manifestação na Europa, África, Estados Unidos e Ásia, para facilitar a participação. Ninguém sabia bem quem eram as organizadoras, poucas feministas e lideranças do movimento de mulheres de São Paulo passaram por lá. "Eu fiquei sabendo pela internet", contou-me Amelinha Teles, conhecida feminista brasileira, presente no vão livre do Masp. "Fui porque penso que a violência contra as mulheres é a expressão maior da ideologia patriarcal, que coisifica as mulheres e faz com que os homens se apropriem da vida e da morte delas É a expressão do dominio do corpo, da sexualidade, da liberdade, da opinião e da intimidade".
Novas formas de organização, manifestação, protesto. Um vídeo convocatório que circulou pela internet foi o que chamou também a cientista social Sonia Hotimsky. "Fui ao Masp porque se tratava de uma manifestação mundial de oposição à violencia contra a mulher e a criança, o vídeo levanta claramente a problemática das relações de gênero". Pesquisadora dos direitos reprodutivos da mulher e ativista pela humanização do parto, Sônia chamou a atenção para um dos cartazes erguidos "Parir e Nascer sem Violência". Com apenas um megafone, as manifestações seguiram. A questão das doulas (que legisladores tentam impedir de participar do parto) foi tema de uma das falas que ouvi, assim como a questão do estupro, do assédio sexual violento no transporte público lotado, além do feminicídio e da violência doméstica.
Jovens em maioria, as participantes – alguns homens também falaram - foram mostrando um protagonismo de gente que não quer mais conviver com a violência que o patriarcado, ajudado pela mídia, continua propagandeando como natural. A maioria das falas colocava na mudança individual de comportamento a solução para essa histórica questão da violência, mas a indignação era comum. "Gostei bastante de participar", opina Sonia, "acho pena que o movimento feminista organizado não tenha aderido com mais ímpeto à convocatória". Também Amelinha diz que achou a iniciativa excelente, "mas faltou articulação com os movimentos que levam o enfrentamento da violência no dia a dia. Faltou levantar a denúncia de uma maneira mais contundente, mas valeu. Havia uma meninada que começa a despertar para uma questão tão grave como é a violência contra as mulheres".