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081114 liBrasil - Le Monde Diplomatique - [José Carlos de Assis] Há desenvolvimento humano que seja sustentável sem a formação de leitores plenos no mundo contemporâneo? Formar leitores plenos e altamente capacitados, além de um direito da cidadania, deve ser parte constitutiva da necessária estratégia de construção de um país que se pretende autônomo, inovador, parceiro e não su.


 Ilustração: Daniel Kondo.

O Brasil, que iniciou tardiamente seu processo de industrialização no século passado, produziu, desde os anos 1930, inúmeros programas e projetos de formação de leitores e incentivos à atividade editorial. Todos tiveram alcances limitados e naufragaram como política pública com as mudanças no comando de governos. Jamais tivemos uma política de Estado, supragovernamental e suprapartidária, para formar leitores. A história da construção de leitores e da valorização da escrita no Brasil é errática e insuficiente, não contribuindo para formar, em larga escala, a necessária autonomia intelectual de compreender, criticar e criar significados com base na palavra escrita.

Cantado em prosa e verso por suas contradições, nosso país também não deixa de contradizer-se quando o assunto é livro e leitura. É preciso distingui-los, sendo o livro necessariamente um produto cultural único, resultado de elos de uma complexa cadeia produtiva que vai do autor ao editor e deste para as redes de distribuição, formando o que denominamos a economia do livro. Já a leitura, que se “configura um ato criativo de construção dos sentidos, realizado pelos leitores a partir de um texto criado por outros sujeitos” (Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL), embora não totalmente dependente do livro, tem nesse objeto seu principal aliado, mesmo que hoje ele adquira formas da “textualidade eletrônica”, como nos ensinou Roger Chartier.

Mas voltemos à nossa história e contradições. O alfabetismo limitado que ainda vivenciamos no Brasil contrapõe-se a uma vigorosa indústria editorial se a compararmos ao contexto latino-americano. Embora distante das potências editoriais e conglomerados industriais do mundo do livro situados no hemisfério norte, o Brasil produziu 62.235 títulos novos em 2013, num total de 467.835.900 exemplares, faturando R$ 5,36 bilhões segundo a última pesquisa “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”, realizada pela Fipe/CBL/SNEL. O Brasil lidera absoluto, com 41% dos registros do ISBN 2013 (a identidade de cada livro publicado), em pesquisa que envolve dezenove países latino-americanos.

A produção cada vez mais profissionalizada não encontra ressonância, por outro lado, em sua distribuição no vasto território nacional. O país, cada vez mais, ressente-se do ínfimo número de livrarias que se espalham desigualmente pelo território, como demonstra o diagnóstico da Associação Nacional de Livrarias em 2012: 60% das livrarias encontram-se na região Sudeste. O processo de produção não encontra a necessária capilaridade na distribuição das livrarias e distribuidoras, mas, concomitantemente, depende desse sistema para compor seu maior faturamento. Hoje, há um desarranjo estrutural desse ecossistema, agravado pelos novos modelos de negócio que chegam ao país.

 Há também que considerar, para entender a complexidade do setor editorial e livreiro do Brasil, o crescente fortalecimento do papel do Estado nas compras para o sistema educacional e bibliotecas públicas. O governo brasileiro é, há décadas, o maior comprador individual da indústria editorial brasileira. Em 2013, foram 200.307.911 exemplares adquiridos e investimentos de R$ 1,474 bilhão.

Nesse quadro produtivo, que exibe contradições, mas exala dinamismo, o que acontece com o desenvolvimento e a formação de leitores?

É importante examinar os esforços do Estado nesse item. Além das compras governamentais, o Estado conta com planos e programas importantes que se avolumaram na última década. Por exemplo, existem 5.976 bibliotecas públicas, conforme dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas do Ministério da Cultura (MinC), e, embora com deficiências, esse é o equipamento cultural mais presente na absoluta maioria das cidades e veículo fundamental na democratização do acesso à leitura. Na área da educação, os números que caminham para a universalização dos ensinos básico e médio são ascendentes nos últimos quinze anos, e o número de estudantes universitários é igualmente crescente. Dados censitários do IBGE demonstram que o número de brasileiros com ensino médio ou superior cresceu cerca de 30 milhões entre os anos 2000 e 2010.

À primeira vista, esse quadro poderia demonstrar que o desenvolvimento da capacidade leitora no país caminha para uma superação. Não é assim! Autoridades e especialistas educacionais são os primeiros a acusar o problema: o ensino universaliza-se, há o acesso crescente à escola, mas temos de obter ganhos de qualidade do ensino.

No imenso Brasil que não lê, o índice mais crítico apontado é a persistência de 25% apenas de leitores plenos segundo dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf): “O percentual da população brasileira alfabetizada funcionalmente foi de 61% em 2001 para 73% em 2011, mas apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática”. Trabalhar esse dado é a chave básica, primária, para desenrolarmos o processo de formação e desenvolvimento do cidadão brasileiro. E essa tarefa não será realizada se não modificarmos profundamente nossa visão e estratégia sobre a importância vital da leitura para a educação, para a cultura e para todos os ângulos e vértices da vida no século XXI, notoriamente o da era da informação e do conhecimento. De algum modo, temos de provocar a compreensão dessa evidência necessária, mas que ainda caminha com dificuldade e com parcos recursos nas mãos isoladas de poucos militantes da leitura dentro e fora dos governos.

Tão árdua quanto necessária, essa é uma tarefa que deve envolver o Estado e a sociedade, e ter educação e cultura na condução dos esforços que são interdisciplinares e incluirão gerações, planejamentos, objetivos de longo prazo e mudança no pensar e no sentir. Conquistarmos habilidades necessárias para nos inserirmos enquanto nação no mundo contemporâneo é antes de tudo um direito, um brado pela liberdade e pela emancipação social e econômica.

A boa notícia é que temos um plano para isso. Os últimos dez anos foram marcados por grandes movimentos em prol da formação de leitores em nosso país. Mas há um destaque que abraçou todos os elos do livro e da leitura. Contando com análises e convicções ditadas pela história da militância pela leitura no Brasil, o PNLL foi criado por muitas mãos da sociedade civil e do Estado, introduzido pelo MinC e pelo Ministério da Educação em dezembro de 2006, ratificado por decreto em 2011, e agora aspira a ser uma lei federal perpetuando-se como política de Estado. Trata-se de verdadeiro pacto social, amplamente debatido e avaliado, que se desdobra em planos estaduais e municipais de livro e leitura. Seus quatro eixos são uma senha para o futuro do livro e da leitura no Brasil: democratização do acesso à leitura; fomento à leitura e à formação de mediadores; valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico; e desenvolvimento da economia do livro. Estamos no exato momento para executá-lo totalmente e incorporá-lo à estratégia de desenvolvimento da nação. Não devemos deixar escapar essa oportunidade como tantas vezes na história escapou Kairós, o inconstante e escorregadio filho de Cronos. 

José Carlos de Assis é economista, professor da UEPA (Universidade do Estado do Pará), autor de A Crise da Globalização (Ed. MECS).


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