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romualdoBrasil - Brasil de Fato - [Patrícia Benvenuti] Em entrevista, professor da Faculdade de Educação da USP, Romualdo Portela de Oliveira, analisa a possível fusão entre os grupos Kroton e Anhanguera


O anúncio da fusão entre os grupos educacionais Kroton e Anhanguera, anunciada em abril, esquentou o debate sobre o avanço do capital estrangeiro sobre a educação brasileira.

A operação, que aguarda aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), poderá resultar na maior empresa de educação do mundo, com um milhão de alunos e um valor de mercado estimado em R$ 12 bilhões.

Festejada no mundo dos negócios, a fusão é alvo de críticas de entidades sindicais, estudantis e especialistas em educação. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) já anunciou que acionará o Cade ringressará no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade para impedir a concretização da operação.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Romualdo Portela de Oliveira, a presença do novo grupo deverá resultar em um oligopólio no mercado. "É de se esperar que o efeito sistêmico se amplie, do tipo abalar as instituições mais frágeis e começar a acentuar um processo de oligopolização", afirma.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Oliveira fala sobre a investida de grupos financeiros internacionais sobre a educação brasileira que, lembra ele, vai muito além hoje da compra de universidades. Além disso, o professor analisa as consequências da mercantilização do ensino. "Essas instituições priorizam o lucro e, portanto, elas não estão muito preocupadas com a qualidade", argumenta.

Leia a seguir:

Brasil de Fato - O que representa, na sua opinião, a fusão entre o Grupo Kroton e a Anhanguera?

Do ponto de vista de mercado, virou o maior grupo educacional do mundo. No Brasil [o grupo] já detém 15% do mercado total, o que é uma coisa substantiva. Portanto, é de se esperar que o efeito sistêmico se amplie, do tipo abalar as instituições mais frágeis e começar a acentuar um processo de oligopolização. Você tem uma diminuição da possibilidade de concorrência e uma série de consequências que acentuam uma tendência que já estava delineada.

De outro lado, chama a atenção que eles [grupos] têm agido praticamente sem controle nenhum. Os controles que o MEC tem são muito formais e pouco adequados para você captar, por exemplo, a questão da qualidade nessas instituições.

A terceira questão que é importante mencionar é aintensificação do processo de internacionalização da educação brasileira porque a Kroton é de propriedade de um fundo americano [Advent International]. É um bom sinal para a gente começar a discutir essas questões.

É necessária uma fiscalização mais efetiva nas unidades?

Isso por um lado, certamente. Também temos que ver por outro ladoporque você pode estar vendendo uma 'nota de três reais' com essas instituições. É necessário se avaliar que tipo de impacto elas têm para além da formalidade na vida das pessoas. No governo Obama, nos Estados Unidos, estão tentando fazer um controle das instituições lucrativas a partir do que elas agregam para as pessoas. No caso americano, por exemplo, você não tem ensino gratuito, então uma grande parte do financiamento do ensino superior é feito por meio de empréstimos, o crédito educativo, que os estudantes pagam depois de formados. E uma das questões que o governo Obama estava levantando é de que uma parte grande dos formados nessas instituições lucrativas não consegue se inserir no mercado de trabalho nas áreas nas quais foram formados. Não encontram emprego e, ao mesmo tempo, estão endividados. Então um dos mecanismos de controle que o governo Obama está tentando implementar é que essas instituições provem que um determinado percentual dos formados se inserem no mercado naquilo em que foram formados. Porque, se não agregou nada, você simplesmente penalizou as pessoas, ainda que elas tenham conseguido um título de nível superior, que tem um valor simbólico importante. Mas, do ponto de vista de vida prática, se não melhorou a vida, não serviu.

Eu acho que, na sanha de responder a uma demanda, que é legítima, de expandir o acesso ao ensino superior, e por não ter uma política consistente de expansão do setor público, o governo é um dos grandes financiadores dessas instituições. Do ponto de vista de política educacional, acho isso um equívoco completo porque, como essas instituições são de baixa qualidade, você perde a oportunidade de ter uma política de formação de mão de obra de qualidade, que é a necessidade de economia do século XXI. O governo se satisfaz financiando essas instituições, aumentando o número de diplomados de nível superior, sem entender e sem enfrentar o conteúdo concreto dos desafios que nós temos para a economia nesse momento.

Qual é a origem desse processo de entrada de capital estrangeiro na educação superior brasileira?

A origem de tudo, basicamente, é um dispositivo da Constituição Federal de 88 que permitiu a existência de instituições com fins lucrativos na educação, porque antes não era permitido, ainda que elas existissem. Havia uma certa hipocrisia: as instituições zeravam a contabilidade para provar que não tinham fins lucrativos e isso garantia isenção de impostos. A Constituição de 88 estabeleceu a possibilidade de existência de instituições com fins lucrativos e, portanto, algumas se formalizaram como tal em 1996, 1997, quando Paulo Renato [ministro da Educação nos governos de Fernando Henrique Cardoso] deu uma pressionada para elas assumirem se eram com ou sem fins lucrativos porque estavam ganhando dos dois lados.

Em 2001, nós tivemos um primeiro processo, que foi uma associação da Pitágoras, que é a origem da Kroton, com o Apollo Group, americano. Essa associação durou até 2006, quando a Pitágoras comprou de volta a parte dos americanos. Em 2005 e 2006 começou esse processo mais novo e, de maneira mais clara, com a Anhanguera, que foi comprada pelo Banco Pátria, e com a Anhembi Morumbi, que foi comprada pela Laureate, uma grande incorporação americana. Faziam isso, na ocasião, via investimentos em fundos de investimento. Em 2005 e 2006 você já tinha os fundos exclusivamente destinados a investimentos em educação porque o pessoal já tinha percebido que era um setor que poderia possibilitar uma alta lucratividade. Logo em seguida, a Anhanguera lançou ações na Bolsa de Valores. A compra de ações na Bolsa de valores não tem limite ao capital estrangeiro, você pode negociar muito livremente. E na educação também não tem [limite]. O projeto de Reforma Universitária do governo Lula tinha uma proposição de que o controle de instituições educacionais brasileiras por instituições estrangeiras deveria ser de no máximo 30%, mas isso nunca aconteceu, a reforma foi vetada. Não existe na legislação brasileira uma limitação. Mas mesmo que existisse, com a possibilidade de compra de ações na Bolsa de Valores, isso estaria inviabilizado porque o grande mecanismo de entrada do capital estrangeiro é via Bolsa de Valores.

O senhor tem notícia de que processos semelhantes, de entrada de capital financeiro em instituições educacionais, estejam ocorrendo em outros países nesse mesmo nível de velocidade?

Fora os Estados Unidos, o grande mercado dessa especulação no nível superior é o Brasil. No Chile tem um processo que também é relativamente intenso, há vários desses grupos americanos no Chile e no México. O que começamos a ver é um ensaio de algumas instituições brasileiras entrarem em países vizinhos. Há dois ou três anos a Estácio comprou uma instituição no Paraguai, só que depois vendeu essa instituição com a alegação de que isso não estava no plano estratégico, e de fato eles ainda tinham espaço de crescimento no Brasil. Mas, de toda forma, é uma tendência em vários países, na Europa você tem isso incipiente.

O problema é que o mercado brasileiro é muito promissor. Você tem um certo crescimento econômico e um percentual baixode atendimento na faixa etária de ensino superior, muito mais baixo inclusive que os vizinhos latino-americanos. Por outro lado, você teve uma melhoria nas taxas de conclusão do ensino fundamental e médio. Digamos que é um mercado com um potencial muito sólido por alguns anos e muito promissor para o setor privado lucrativo, por isso que, no Brasil, esse crescimento é muito intenso.

Quais podem ser as consequências desse processo?

As implicações são muito amplas. O debate é [educação] como direito ou como bem público. A educação é importante para se pensar, primeiro, emuma estratégia de desenvolvimento e, no que diz respeito a consolidar uma estratégia de desenvolvimento, eu diria que o papel dessas instituições é nulo no médio prazo. Hoje em dia elas diplomam as pessoas e esse é o impacto positivo, você começa a ter gente que pela primeira vez vai ter acesso ao ensino superior. Mas vai se perceber rapidamente que os diplomas dessas instituições têm menos valor relativo do que instituições mais tradicionais, e isso significa que as pessoas desses cursos terão empregabilidade menor. E isso só é possível perceber na hora em que você começa a ter excesso de oferta de diplomas em determinadas áreas.

A segunda consequência é que evidentemente existe uma contradição intransponível entre o lucro e a qualidade. Essas instituições priorizam o lucro e, portanto, elas não estão muito preocupadas com a qualidade. É uma qualidade condicionada à premissa do lucro. Se você fizer uma análise mais acurada dessas instituições, vai perceber que elas são muito ruins do ponto de vista da qualidade, muito longe do que seria a educação de qualidade que a gente precisa para uma economia do século XXI.

Tem outra faceta da privatização da educação sobre a qual é muito importante chamar a atenção, que é a privatização e a concentração de negócios na área de produção de materiais. As grandes editoras didáticas brasileiras foram compradas por editoras estrangeiras – a Santillana entrou aqui comprando a Ática e a Moderna, a Pearson entrou comprando o setor de apostilas da Coq. Enfim, você tem uma penetração de muito capital estrangeiro, alavancado pelo setor financeiro, na área de materiais didáticos que, no caso do ensino básico tem um impacto muito grande. Então você tem uma privatização que vai do material didático, da formação em serviço dos professores, da avaliação e, em alguns casos, até o controle da educação pública por parte de instituições privadas. Tem um percentual de privatização multifacetado e que tem que se atentar para isso porque é problemático o poder público abrir mão de definir sua política educacional.

Em geral, a ponta de lança para esse processo é o entendimentoequivocado, no meu ponto de vista, sobre essas provas padronizadas da qualidade. Não que não sejam importantes, mas a qualidade que nós precisamos não se resume a bons resultados em provas de português e matemática. A qualidade que nós precisamos pressupõe isso e muito mais: conhecimento em outras disciplinas, formação para a cidadania, democracia, ou seja, precisamos de um conceito de educação mais alargado. E quando você interpreta a qualidade como apenas o resultado das provas de português e matemática, você induz a um processo de educar para o teste. Na verdade esse processo todo de cursinhos, apostilas etc, é um empobrecimento da educação. Tem sistemas de ensino que fazem prova todo dia para treinar os meninos para responder bem a testes, mas isso não tem impacto nenhum na educação deles.Isso tem um efeito deletério terrível sobre a educação brasileira.


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