Impulsionados pelo agronegócio, cada vez mais dominante na economia brasileira, as lideranças que representam o latifúndio no Brasil se dedicam agora ao embate contra as normas trabalhistas que regulamentam a atividade no campo e pela redefinição do conceito de trabalho escravo. Em nome da proteção ao setor agrícola, os ruralistas trabalham pela impunidade dos arbítrios cometidos por grileiros e fazendeiros que promovem o trabalho degradante.
Com 214 deputados e 14 senadores, a bancada é uma das poderosas do Congresso Nacional e tem acesso direto ao Governo Federal. A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), principal liderança do agronegócio brasileiro e recentemente aliada ao Governo Dilma – chegou a ser cogitada, inclusive, para o Ministério da Agricultura – tem se destacado pela defesa da propriedade privada em detrimento da função social da terra, incluindo a grilagem e a manutenção da terra em posse de fazendeiros acusados de fazer uso de trabalho análogo à escravidão.
A precarização da legislação trabalhista no campo é uma das bandeiras prioritárias do agronegócio. A aprovação da flexibilização de regras e a garantia de impunidade, como resultado da aprovação do novo Código Florestal, incentivaram e abriram uma nova frente de atuação para o ruralismo. As sinalizações dadas até o momento insinuam que as relações trabalhistas estão em risco desde os seus princípios mais elementares, como a jornada de trabalho no campo. A ofensiva inclui ainda a oposição sistemática a projetos de lei que exigem autorização prévia dos órgãos de vigilância sanitária para o funcionamento de alojamentos rurais, entre outros.
Uma das principais iniciativas da bancada ruralista tem sido contra a Norma Regulamentadora 31 (NR31), que impõe aos empregadores um conjunto de 252 medidas para a garantia de segurança e saúde dos trabalhadores na atividade agro-econômica. A NR31 estabelece, portanto, padrões de civilidade e cidadania no trabalho no campo, onde a precarização já é extrema.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL/São Paulo), a bancada ruralista, depois da aprovação do novo Código Florestal, encontrou uma nova oportunidade em sua busca de lucro ilimitado. Com a expansão do agronegócio, incentivado pela política de desenvolvimento a qualquer custo do Governo Dilma, não há mais limite para a atuação dos grandes latifundiários. "Há no Congresso uma grande porta aberta para a atuação da bancada ruralista, que tem sido cada vez mais ousada em sua voracidade, agora pela desregulamentação das garantias dos trabalhadores", avalia o deputado.
Trabalho Escravo
A Frente Parlamentar da Agricultura tem trabalhado também contra a legislação que define o conceito de trabalho escravo no Brasil. Em 2012, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional 438/01, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que propõe a expropriação de imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização encontrar exploração de trabalho escravo.
A proposta determina que os imóveis sejam destinados à reforma agrária ou a programas de habitação popular. A PEC é originária do Senado e, como foi modificada na Câmara, voltou para exame dos senadores. O projeto, no entanto, encontra-se parado no Senado por pressão da bancada ruralista, que insiste na revisão do conceito de "trabalho escravo".
Atualizado em 2003, o artigo 149 de Código Penal define o trabalho escravo contemporâneo como "reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo-o, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
Para o deputado Ivan Valente, que integra a CPI do Trabalho Escravo da Câmara, a realidade no campo brasileiro causa perplexidade diante das condições degradantes encontradas pela CPI em algumas fazendas. O deputado cita como exemplo a operação realizada em agosto passado em Marabá (PA). Na ocasião, a fiscalização encontrou trabalhadores em condições degradantes, alojados em barracos precários de lona e terra de chão batido, sem acesso à água potável, à alimentação adequada e banheiro, sob isolamento geográfico, sem receber salários há dois meses e submetidos tanto à servidão por dívida como a jornadas exaustivas do início da manhã até o anoitecer.
"No Brasil, desde 1995, mais de 42 mil pessoas foram encontradas nessas condições, e não interessa à bancada ruralista que essa realidade seja exposta. Por isso, querem reduzir a abrangência do conceito de trabalho escravo para garantir a impunidade no campo e exploração máxima dos lucros à custa dos trabalhadores", afirma Ivan.
Segundo o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940), quem explora trabalho escravo já está sujeito à reclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência praticada. A pena é aumentada da metade se o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
Para Valente, a aprovação da PEC do Trabalho Escravo na Câmara representou uma vitória, mas solitária, contra a bancada ruralista, que vem colecionando vitórias expressivas no Congresso Nacional.
"Infelizmente, o Governo tem sido conivente com os interesses da bancada ruralista, sempre alegando a necessidade de manter a governabilidade. Enquanto tenta se afirmar para o mundo através de grandes eventos midiáticos, o Brasil ainda tolera trabalho escravo. É lamentável. Mas não conseguirão transformar o campo em terra sem lei sem resistência", prometeu Ivan.