Na visão dos governistas acríticos, aqueles que foram contra o leilão se posicionaram ao lado da mídia golpista e da oposição de direita. Obviamente que, para sustentarem isso, precisaram ignorar a declaração de Aécio Neves, feliz pelo fato do PT ter reconhecido a importância do investimento privado para o país, porém reclamando da pequena participação estrangeira. A mesma posição de Rodrigo Constantino, Miriam Leitão e Marina Silva. Também vale citar os elogios recebidos de Reinaldo Azevedo, que louvou a decisão de colocar o exército para "garantir" o leilão, e a defesa de Arnaldo Jabour, que exaltou a tentativa de "modernização" por parte de Dilma e condenou o "sindicalismo burro".
Ignorando tudo isso, inventaram a divisão entre governo e oposição. Esta oposição seria orquestrada pela grande mídia, pelos partidos de direita e, pasmem, não só mais pelo PSOL e PSTU, mas pela CUT, pela FUP, pela Via Campesina, pelo MST e por candidatos a presidência do PT (Serge Goulart, Markus Sokol, Valter Pomar e Renato Simões).
Dessa forma, sem sustento na realidade, só tinham duas opções: recordar a história dos movimentos sociais e admitir o erro, ou trair (descaradamente ou não) a história da qual fizeram parte.
A maior parte optou pela última opção, mas de forma maquiada. Prenderam-se às porcentagens e aos números agigantados, aos depoimentos sobre o sucesso do leilão e coisas do gênero. Porém, o que motiva este texto é um outro tipo de maquiagem adotado: evocaram Vladimir Lenin, líder da revolução bolchevique, para defender os leilões.
Para esta piada de mau gosto, utilizaram-se do texto "Sobre o Imposto em Espécie", escrito em 1921, por Lenin, para a defesa da Nova Política Econômica (NEP). Este movimento parece ter ludibriado uma série de pessoas que não se propuseram a uma reflexão minimamente profunda sobre o tema, para isso, creio que seja necessário fazer algumas pontuações sobre.
Ignoraram todas as diferenças conjunturais. A Rússia, ao contrário do Brasil de hoje, estava arrasada por três guerras (conflito russo-japonês, Primeira Guerra Mundial e a Guerra civil), passava por ciclos de fome, a maioria dos russos vivia no campo, a indústria, por mais moderna que fosse, estava concentrada em poucos centros urbanos, a gigante maioria não possuía acesso a luz elétrica e nem mesmo a outros direitos que hoje são considerados básicos.
Porém, para além do abismo de características que separam a Rússia do início do século XX para o Brasil do início do XXI, o mais gritante para qualquer leitor de Lenin é a questão do poder: os russos haviam destruído o velho Estado e estavam construindo uma nova sociedade, um novo Estado.
No Brasil, vivemos sob o velho Estado e não estamos nem perto de resolver a questão do poder (e fora o poder, tudo é ilusão). Comparar as concessões da NEP com a entrega de um recurso estratégico para os estrangeiros é, no melhor dos casos, anacronismo. No pior...
Foto: Suzuki Maruti (CC)