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casaraoBrasil - PCO - “Em torno da agenda dos megaeventos que a cidade vai sediar, vêm sendo realizados muitos despejos violentos”.


Entrevista com Vladimir Seixas, diretor do documentário Atrás da Porta, no qual moradores do Rio de Janeiro são protagonistas da luta por moradia, contra os desalojamentos e ataques do governo em favor da especulação imobiliária e para a realização dos chamados megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol. 

Causa Operária: Quando e onde o filme foi feito? O que ele retrata?

Vladimir Seixas: O Atrás da Porta foi realizado em 2010 e tenta mostrar o que está em jogo nas ações incisivas de intervenção urbanística que o Estado vem realizando nos últimos anos na cidade do Rio de Janeiro. O foco está nas famílias que estão sendo desalojadas e nos movimentos sociais ligados à habitação.
Pudemos perceber a luta para a permanência dessas famílias nas regiões centrais do município. Em torno da agenda dos megaeventos que a cidade vai sediar, ultimamente, vem sendo realizados muitos despejos violentos. Por sua vez, estes despejos estão diretamente atrelados à ampliação da especulação imobiliária na cidade.
Através dos moradores de ocupações do centro da cidade, o filme expõe o procedimento autoritário por parte do poder público e como essas ações estão engendradas em uma lógica conjuntural maior. Maior até do que as denúncias feitas pelos próprios moradores. E eles denunciam de maneira bastante articulada.

Causa Operária: De onde surgiu a ideia de documentar esses acontecimentos?

Vladimir Seixas: O filme aconteceu a partir de um convite dos próprios moradores de ocupações. Eles me pediram para registrar as ações das novas ocupações que seriam feitas e os possíveis despejos.
Isso tudo veio a partir de um curta que realizei ainda na Escola de cinema Darcy Ribeiro chamado Hiato. Nesse pequeno vídeo trabalhei uma curiosa manifestação realizada em um grande shopping de classe média/alta da zona Sul da cidade [do Rio de Janeiro] por trabalhadores sem-teto, moradores de favelas e integrantes do movimento sem-terra. Como o curta gerou relativamente muito debate e teve uma entrada nos movimentos sociais, eles pensaram que eu poderia registrar sua luta no movimento sem-teto do Rio de Janeiro. Assim, com o fotógrafo e morador de ocupação Chapolim, o filme Atrás da Porta foi realizado. 

Causa Operária: Você retrata as ocupações sob o ponto de vista dos moradores desalojados, despejados de suas casas pelo poder público, violentamente e sem opções oferecidas pelo Estado. Porque usar esse ponto de vista? 

Vladimir Seixas: Fico feliz que tenha abordado esse assunto. Preciso dizer que a parcialidade é uma conquista. Estranhamente, vemos proliferar no meio audiovisual o mito jornalístico de imparcialidade; justamente nos veículos mais particularmente interessados e engajados em projetos de poder. Geralmente sou perguntado sobre porque não tentei entrevistar representantes do Estado, os vendedores de loja do shopping, os policiais etc.
Mesmo que para mostrar uma contradição na fala dos que estão em outro campo, seria usar da mesma lógica majoritária de legitimação pela imparcialidade. Seria negar os caminhos pelos quais os vídeos foram ocorrendo. Seria forçar uma metodologia que não vinham das exigências, necessidades e acontecimentos do próprio filme.
Existem belíssimos filmes que tentam dar voz ao poder e às instituições. Não para legitimá-la, mas ao contrário, para mostrar como os integrantes daquela máquina estão exercendo autoritariamente seu papel em uma lógica que atenta contra a vida humana.
Mas o ponto de vista do Estado está aí, contemplado cotidianamente na maioria dos grandes veículos jornalísticos de comunicação. Os movimentos sociais é que possuem canais minoritários que precisam ser mais ouvidos. De qualquer forma, ser perguntado repetidamente sobre isso demonstra o pouco uso que se faz da parcialidade declarada e como isso incomoda.

Causa Operária: Você chega a entrevistar um Defensor Público que denuncia o modo ilegal e as arbitrariedades de todo esse processo. Você poderia comentar essas violências?

Vladimir Seixas: Nas entrevistas com os dois Defensores Públicos envolvidos diretamente nas ações que o filme apresenta conversei muito mais do que pude mostrar no filme; por uma questão de tempo mesmo. Os procedimentos de despejo e de demolição depois do anúncio dos megaeventos se intensificaram. O que eles chamam de revitalização é um atentado contra as pessoas mais pobres das regiões centrais. Existem relatórios que afirmam que milhares de pessoas ainda perderão suas casas. Algumas serão indenizadas outras não. Infelizmente, é bem comum nas cidades onde acontecem esses eventos isso acontecer.  Segundo a relatora da ONU [Organização das Nações Unidas], Raquel Rolnik, na África do Sul houve 20 mil desalojados; em Pequim 1,5 milhão de pessoas foram expulsas de suas antigas casas. A luta dos sem-teto é para que na região central do porto, para cada três prédios destinados à inciativa privada e moradia de classe média e alta, um prédio seja destinado a famílias de 0 a 3 salários mínimos, pois sabemos que o centro possui muito mais opções e oportunidades de trabalho, além de infraestrutura mais digna.

Causa Operária: Que desafios você enfrentou para realizar o filme? Houve impedimentos, dificuldades?

Vladimir Seixas: Dificuldades de se tocar um filme com módicos recursos próprios. Mas o desafio da parte estética foi de dar forma ao filme.
Até então eu só tinha realizado curtas e nesse caso, de um total de 48 horas de material bruto, iria montar um filme de 90 minutos.
Da parte prática, o desafio que aparece nas imagens; os confrontos, as derrotas, ameaças, resistências, enfim, estar ao lado como companheiro em meio a tanto sofrimento.

Causa Operária: Qual a importância de discutir o problema de moradia, no momento em que estão acontecendo ataques contra direitos da população brasileira para a realização dos eventos como a Copa do Mundo e Olimpíadas? A situação dessas famílias está mais difícil agora?

Vladimir Seixas: Acho que a importância está em tentar desconstruir o consenso.
Quando falamos nessas grandes mudanças que os megaeventos trarão, não se discute o que pauta essas intervenções. Só se parte do pressuposto de que vai girar muito capital e que isso naturalmente é bom. Mas uma minoria vai usufruir desse crescimento.
Sempre falo do caso dos jogos do Pan no Rio de Janeiro. O único legado foi uma rede de corrupção entre o poder público e empreiteiras, que foi noticiado recentemente. Os estádios do Pan não servirão para Copa. E os da Copa não servirão para as Olimpíadas. Estamos falando de um volume gigantesco de consumo de recursos que não visam a melhora da vida humana nem tratam ela como medida.

Causa Operária: Qual a repercussão que o filme teve? O poder público se pronunciou de alguma maneira? 

Vladimir Seixas: O filme ainda está encontrando seu caminho. Penso que deveria ser mais assistido pela urgência do que traz ao debate e de como os moradores abordam criticamente a questão dos megaeventos.
Acho que é um vídeo que serve aos movimentos sociais em diferentes níveis. Recebo sempre o informe que será exibido em greves, ocupações, universidades, escolas etc. Não tive nenhum retorno por parte do poder público.

Causa Operária: Este não é o seu primeiro documentário sobre o tema da moradia. Existem novos projetos?

Vladimir Seixas: Não que esse tema tenha sido um programa. Aconteceu pela necessidade e é bom que tenha sido assim. Em alguns curtas, já tinha trabalhado a questão da moradia, todos pela relação estabelecida a partir do Hiato. Acho que o interesse vem da condição imperativa de morar; um bem comum aos homens onde a questão das classes aparece clara e decisivamente. Não tenho nada programado nesse sentido, mas isso pode mudar de repente.

Causa Operária: Se quiser comentar algo mais, abordar algum aspecto que não foi colocado nas perguntas...

Vladimir Seixas: Agradeço muito a oportunidade de falar desse trabalho, pois acho que o filme traz questões que atravessam muitos problemas que vamos precisar enfrentar cada vez mais diretamente. Convido todos a assistirem o vídeo Atrás da Porta Youtube.


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