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010913 reforma politica 02Brasil - Le Monde Diplomatique - [João Brant] Há pelo menos quatro problemas graves no sistema comunicacional brasileiro: o quase monopólio na TV aberta, a concentração de poder em virtude do grande número de políticos que detêm concessões, a desigualdade no acesso à internet e as ameaças à liberdade na rede. Uma reforma teria de se concentrar pelo menos nos dois.


As jornadas de junho explicitaram a cisão do atual sistema político com a sociedade brasileira. Os que querem manter tudo como está dizem que nas manifestações não havia cartazes com os dizeres “reforma política”. Mas se há uma expressão que resume bem todos os cartazes é exatamente essa. Não a reforma política em um sentido estreito, limitada às regras do processo eleitoral. O clamor popular só poderá ser respondido por uma reforma política profunda, que redimensione as relações de poder estabelecidas e faça que a participação nas eleições, a cada quatro anos para cada nível de poder, seja apenas mais um capítulo do processo político – e não o único, como é hoje. E, para isso, um aspecto essencial é a reforma do sistema de comunicação.

Os meios de comunicação são essenciais para a democracia, por serem um elemento central da esfera pública. É por meio deles que circulam informações e pontos de vista fundamentais para conformar a opinião dos cidadãos; é por meio deles que se dá boa parte do debate público. É verdade que esse “eles” tem mudado nos últimos anos. Há pouco mais de uma década, o impacto da internet nesse processo não era grande. Hoje o cenário é outro. Não dá para olhar para o sistema de comunicação e para a formação da opinião sem passar pela dinâmica dos blogs e das redes sociais.

O quadro, porém, ainda é muito desigual. Há um grande desequilíbrio na condição de exercício da liberdade de expressão e do direito à comunicação, por questões políticas e econômicas. Enquanto alguns veículos detêm o poder de falar com 60 milhões de pessoas ao mesmo tempo, outros têm de se contentar com a disputa na internet. Na prática, portanto, há uma liberdade de expressão “plus”, “golden”, na mão de poucos grupos econômicos, que não se compara à liberdade “pacote básico” com que a grande maioria tem de se contentar. O problema é que, sem um acesso igualitário aos meios de produção e distribuição de informação e cultura, o controle sobre esse recurso político chave fica na mão de poucos, e não há democracia de fato.

Nesse sentido, a reforma do sistema comunicacional deve partir do princípio de que a comunicação é um direito de todos os cidadãos. Assim, enquanto houver empecilhos econômicos, políticos, sociais ou simplesmente técnicos, deve haver ações efetivas do Estado para igualar as condições de exercício desse direito. Hoje, há pelo menos quatro problemas graves a serem enfrentados nesse processo: o quadro de quase monopólio na televisão aberta, a concentração de poder em virtude do grande número de políticos que detêm concessões de rádio e TV, a desigualdade no acesso à internet e as ameaças à liberdade e à garantia de direitos na rede. No contexto atual, uma reforma teria de se concentrar pelo menos nos dois primeiros.

Concentração econômica e política

O sistema de comunicação no Brasil foi montado de forma a fortalecer as redes nacionais e enfraquecer a produção local. A ditadura militar elevou o poderio da Rede Globo pela anuência aos acordos ilegais com o grupo Time-Life e pela disponibilidade dos satélites estatais para expansão do seu sinal. Ao longo da década de 1970, a emissora ganhou enorme poder. Hoje, mesmo com a diminuição de sua média de audiência, o cenário da televisão aberta é bastante concentrado. Considerando os dados nacionais, a Globo mantém cerca de 45% da audiência (índice altíssimo comparado a qualquer país do mundo) e recebe mais de 70% da verba publicitária (concentração só comparável à do México), com frequentes práticas de abuso de poder de mercado.

O poder da emissora também se estabeleceu na TV por assinatura. A Globosat participa de 38 canais fechados e tem poder de veto na definição dos pacotes da NET e da SKY, que juntas controlam 80% do mercado. Além disso, a empresa controla a distribuição de filmes nacionais no cinema, por conta de sua capacidade de divulgação. No Rio de Janeiro, o grupo controla os principais jornais, TVs e rádios, situação chamada de propriedade cruzada, que é proibida nos Estados Unidos e em vários países da Europa pela restrição que causa à diversidade informativa. Não à toa, a fortuna dos irmãos Marinho, se tomada em conjunto, é a maior do Brasil, superando banqueiros e empresários.

Essa situação vem de um cenário de pouquíssimas regras para sustentar a competição no setor. A legislação, da década de 1960, estabelece um limite de cinco emissoras em VHF que podem ser controladas pelo mesmo grupo, mas não define regras para a afiliação. Com isso, as grandes estabelecem afiliações com centenas de outras emissoras em todo o país, mas esses contratos não são regulados. Assim, regras draconianas são impostas de forma a garantir que a programação seja praticamente a mesma e que a maior parte dos ganhos com publicidade vá para as cabeças de rede. A Globo se defende das acusações de concentração citando as centenas de emissoras com concessões de televisão no país. O problema é que, sem condições econômicas de competição, não há como a quantidade de emissoras gerar pluralismo e diversidade.

Além da concentração econômica, o Brasil enfrenta um quadro de concentração política. Várias das emissoras afiliadas às grandes redes são controladas por políticos detentores de mandato eletivo. Embora a Constituição proíba que deputados e senadores mantenham contratos com concessionárias, eles se utilizam de uma interpretação favorável para manter simultaneamente os mandatos e as outorgas. Pelo menos quarenta deputados, incluindo o presidente da Câmara, e sete senadores, como Agripino Maia e Fernando Collor, têm outorgas em seu próprio nome. Isso sem contar os familiares de primeiro grau, como os filhos de Renan Calheiros e do senador José Sarney. Essa realidade não apenas concentra poder político, como impede que regras democráticas para o sistema de comunicação sejam aprovadas no Congresso, dado o interesse próprio de deputados e senadores.

Descompasso

As jornadas de junho evidenciaram o descompasso da velha mídia, mas mostraram o poder que ela ainda mantém. Por essa razão, a crítica à velha mídia esteve presente em várias manifestações, incluindo atividades em frente à Globo em diversas cidades, inclusive pela denúncia de operação fraudulenta da empresa para sonegar impostos na compra dos direitos de exibição da Copa do Mundo de 2002, que geraram uma dívida que, em 2006, já era de R$ 615 milhões. Na perspectiva de decifrar os sinais das ruas, é preciso entender a centralidade da reforma do sistema de comunicação e relacioná-la com a reforma política. A plataforma dos movimentos sociais para a reforma política já apontava nessa direção.

Concretamente, as melhores respostas para os problemas expostos estão em um projeto de lei da mídia democrática apresentado pela campanha Para Expressar a Liberdade, capitaneada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. O projeto está focado no enfrentamento à concentração e na construção de mecanismos para garantir a regulação democrática desse setor. Pelo projeto, políticos e Igrejas não podem ser donos de empresas com concessões de rádio e TV. A coleta de assinaturas se iniciou em maio deste ano e continuará até atingir o número necessário para apresentar o projeto como de iniciativa popular. Enquanto isso, seguimos assistindo à tentativa da velha mídia de deixar na sombra as informações e os pontos de vista que não se alinham aos seus.


João Brant é doutorando em Ciência Política na USP e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.


Ilustração: Daniel Kondo

 


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