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rj-1Brasil - RBA - [João Peres] Tentativa de tratar como terrorismo o homicídio de Santiago Andrade alinha Senado, que varreu manifestações de 2013 para debaixo do tapete, ao crescente 'datenismo' da sociedade brasileira.


Foto: Jornalistas, no Rio de Janeiro, fazem homenagem ao cinegrafista morto durante manifestação. Por Fernando Frazão/Agência Brasil.

 Dando renovada demonstração de estar alinhado ao crescente "datenismo" da sociedade brasileira, o Congresso Nacional prepara uma resposta – um revide, melhor dizendo – à morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Band, atingido por um rojão durante uma manifestação no Rio de Janeiro. O Senado pretende votar esta semana o Projeto de Lei 499, de 2013, que tipifica o crime de terrorismo, hoje ausente da legislação federal.

Longe de ter oferecido resposta concreta às manifestações de junho do ano passado, o lar dos anciãos da política brasileira, que deveria, portanto, primar pela racionalidade, vai, pelo contrário, mergulhar no lugar comum da sanha punitiva. "Quando se pune levemente, passa-se a ideia para a sociedade de que o crime compensa. E o crime não pode jamais compensar", avalia o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).

O PL 499 prevê até 30 anos de reclusão para quem for condenado por crimes entendidos como de terrorismo. Diferentemente da legislação brasileira em geral, para esse tipo de infração só se poderia ter progressão de pena após cumpridos 4/5 da sentença – ou seja, no caso de pena máxima, após 24 anos, mais que o crime de homicídio.

Leia mais: Nota do jornal AND: Repúdio à cobertura do caso do cinegrafista Santiago Andrade

O projeto, para quem ainda não o conheceu, emana da comissão criada para consolidar a legislação federal e a Constituição. Do grupo encabeçado pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) não saiu nada que se possa nomear "do século 21". Nem passou pela cabeça de nenhum dos dois a possibilidade de preencher o vácuo constitucional no campo da comunicação, em que a falta de regulamentação garante que políticos como Jucá mantenham concessões de rádio e televisão e, portanto, controlem o discurso e a formação de opinião. Ou revisar os índices de produtividade das propriedades rurais, trava para a reforma agrária efetiva.

Entre muitos artigos vagos, há dois no PL 499 especialmente preocupantes. "Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação de liberdade da pessoa", diz o artigo 2º, que deve resultar em pena de 15 a 30 anos de prisão. "Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante dano a bem ou serviço essencial", prega o 4º, definindo reclusão de oito a 20 anos.

São vagos – por isso, perigosos –, deixando imensa margem de interpretação ao Ministério Público e aos juízes de todo o Brasil – que, convenhamos, são bastante "criativos". Oras, só de ver um policial militar sinto "terror generalizado". Mudo de lado da rua, mudo até de rua, se for possível, tento me esconder. Posso, então, denunciar todos os PMs que encontrar pelo caminho e esperar que sejam condenados? Não. Porque não seria razoável, em primeiro lugar, mas principalmente porque não é este o alvo do Congresso.

"Bem ou serviço essencial", diz o projeto, o que significa "barragem, central elétrica, linha de transmissão de energia, aeroporto, porto, rodoviária, ferroviária, estação de metrô, meio de transporte coletivo, ponte, plataforma" e por aí vai. A ideia é inibir a ação de movimentos sociais e, se preciso for, criminalizá-los.

Que Calheiros se valha do famoso jargão "o crime não compensa", nada de novidade: é só o que se espera de políticos de sua classe. O espantoso é que parlamentares que deveriam contrariar o "datenismo" juntem-se ao açodamento punitivo que logo não tardará a se revelar uma chance a mais para o abuso de autoridade.

Ontem (10), após a morte do cinegrafista da Band Santiago Andrade,o senador Paulo Paim (PT-RS) retirou o requerimento que havia apresentado para que o projeto fosse submetido à Comissão de Direitos Humanos, o que postergaria a votação em plenário e daria mais uma chance a que prevalecesse a racionalidade. "Mediante o acontecido com o cinegrafista, que foi covardemente assassinado, acredito que o Senado tem que responder, não só para esse fato, mas para alguns que já aconteceram e outros que vão acontecer se nada for feito. Por isso, estou disposto a retirar o requerimento e fazer o debate que faríamos na CDH", afirmou.

Não é preciso malabarizar para punir a morte do cinegrafista. Sem dúvida o ocorrido com Santiago é lamentável, não pode ser menosprezado, mas o acontecimento desse tipo é um homicídio, e ponto. Classificar como terrorismo é igualar ataques em massa e premeditados com explosivos em praças públicas, com a morte de centenas de pessoas, a um rojão que acidentalmente atinge uma pessoa que nada tinha com o pato – de novo, é grave, muito grave, mas não é terrorismo.

A ideia de aprovar o PL 499 reforça a visão de que o Congresso está alinhado às causas menos razoáveis em debate na sociedade brasileira, e torna a demonstrar que não encontram eco nos corredores do Legislativo os pensamentos mais inclinados a uma realidade progressista. Em vez de trabalhar pelo esclarecimento do senso comum, soma-se a ele e, pior, aprofunda a obscuridade.

As respostas dadas às manifestações de junho, por parte da classe política em geral, só fizeram crescer o sentimento de que há uma crise grave de representação, que cedo ou tarde voltará a se manifestar. Não houve, na Câmara ou no Senado, a aprovação de um grande pacote de medidas capazes de resolver os problemas centrais da vida das pessoas, como saúde, educação e segurança, e menos ainda ocorreu qualquer mudança no sentido de encurtar a distância entre eleitos e eleitores.

A aprovação de uma minirreforma eleitoral e a apresentação, por Vaccarezza, de uma lista de alterações cosméticas nos modos de representação da política nacional soaram a tiração de sarro, a uma cara de pau de quem não quer entregar nem os anéis, nem os dedos, e está certo de que a população não virá cobrar um preço por isso.

Se a preocupação é punição exemplar, melhor faria o Congresso se discutisse uma maneira de sistematizar a atuação da Polícia Militar no Brasil adentro, alinhando as corporações minimamente com ideais democráticos, que possam valorizar a convivência em detrimento da truculência e os direitos humanos em detrimento do conceito de inimigo interno. Nada, porém, cogitou-se a esse respeito. O que é mais comum: uma morte provocada por um rojão em uma manifestação ou um assassinato promovido por um PM na periferia de uma grande cidade?

Mas, se o Congresso está, o próprio, afastado do debate democrático, dominado por interesses corporativos e de grandes representantes do mundo financeiro e empresarial, obviamente não será dali que emergirá uma solução séria. É mais fácil continuar jogando com as ideias, até que tudo se exploda. O crime, Calheiros, por enquanto compensa.


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